Valor Econômico – Legislação &
Tributos (Rio) - 12/02/2016 – p. E1
Estudo aponta textos idênticos em
decisões do STF
Por Maíra Magro
Abarrotados com milhares de
recursos em seus gabinetes, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF)
recorrem à técnica do "copia e cola" em uma a cada três de suas
decisões individuais. É o que mostra um estudo de pesquisadores da Escola de
Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) no Rio de Janeiro, usando como base
dados do projeto Supremo em Números, que reúne estatísticas do STF. O
levantamento analisou cerca de 120 mil decisões monocráticas (tomadas por cada
ministro individualmente) de 2011 a 2013. Para identificar os textos idênticos
aos de decisões anteriores, foi feito um corte mínimo de 130 caracteres. Em
média, os trechos reproduzidos representam cerca de um quinto da íntegra da
nova decisão. Os autores também identificaram que a repetição ocorre geralmente
em um mesmo gabinete, que se vale do mesmo trecho em diversas decisões que
produz. A conclusão dos pesquisadores é que o grande número de demandas
idênticas que chegam ao STF leva os ministros a repetir o conteúdo das próprias
decisões. O resultado foi relatado no artigo "A razão sem condições de
qualidade", dos pesquisadores da FGV Ivar Hartmann e Daniel Chada. Eles
frisam que o "copia e cola" não significa que houve plágio nas
decisões. A reprodução de texto pode ser, por exemplo, uma citação direta de
frases de um livro, com a devida referência à fonte. Ou um ministro pode
repetir porções idênticas de texto sobre uma determinada questão jurídica em
diversas decisões de sua própria autoria. "A conclusão que dá para tirar é
que o Supremo é obrigado a decidir demais sobre questões repetitivas", diz
Hartmann. Ele ressalta que apontar a repetição de textos não significa fazer
uma crítica ao trabalho dos integrantes do STF. "Se eu estivesse na
situação de ministros que recebem centenas de processos por mês, provavelmente
faria a mesma coisa, não dá para exigir diferente. O problema é que tem decisão
demais para dar." Em 2011, primeiro ano com processos pesquisados, os 11
ministros do STF tomaram mais de 80 mil decisões individuais de mérito e
liminares. Juntandose os julgamentos colegiados, foram 82 mil decisões. Em
2013, quando se encerrou o período da pesquisa, foram quase 70 mil decisões
monocráticas e quase 72 mil incluindo as colegiadas. Adicionese a isso o fato
de que chegam ao tribunal cerca de 70 mil processos por ano. Para uma rápida
comparação, a Suprema Corte dos Estados Unidos recebe cerca de sete mil
recursos por ano e aceita julgar apenas de 100 a 150. Para Hartmann, o tempo
consumido com decisões de assuntos repetidos como casos que chegam de
juizados especiais, por exemplo poderia ser usado de forma mais eficiente em
processos mais complexos, como aquele envolvendo a correção monetária da
poupança nos planos econômicos e os decorrentes da Operação LavaJato. Segundo
ele, o estudo partiu da percepção, apontada em relatórios anteriores, de que o
Supremo chega a decidir milhares de processos sobre a mesma questão. Os
pesquisadores decidiram então analisar o conteúdo das decisões da Corte. Para
identificar os trechos de "copia e cola" foi desenvolvido um sistema
para comparar os textos. O trabalho envolveu mais de dois dias ininterruptos de
processamento de dados. "Descobrimos que há textos que se repetem poucas
vezes, mas são trechos longos. Por outro lado há textos relativamente pequenos
que se repetem muito, às vezes em mais de cem documentos", diz Daniel
Chada, cientista de dados e pesquisador da FGV responsável pela criação do
programa usado no trabalho. "Quando cada ministro é obrigado a enfrentar
cerca de sete mil processos por ano, é evidente que se trata de questões
jurídicas repetitivas. E questões jurídicas repetitivas pedem respostas
repetitivas", escrevem os pesquisadores no artigo. "O problema não é
o tanto de copia e cola, mas sim a quantidade monumental de recursos. Até que
esse número seja reduzido drasticamente, não se pode exigir conduta diversa dos
ministros do Supremo", concluem. Para os autores, o caminho para enfrentar
o que classificam como "abuso da prestação judicial constitucional",
especialmente por grandes litigantes como bancos e empresas de telefonia, seria
a opção dos ministros de negar o rejulgamento e determinar o cumprimento
imediato da decisão anterior que gerou o recurso à Corte suprema. A
repetitividade de recursos chama a atenção também de ministros do STF, como
Luís Roberto Barroso, que vem propondo ideias para limitar a admissão de casos
na Corte.