Jornal Valor Econômico – Legislação &
Tributos – 18.12.2015 – E2
Por Pedro Luiz
Serra Netto Panhoza
18/12/2015 05:00
O desastre que aconteceu recentemente
em Mariana, no Estado de Minas Gerais (MG), chocou o Brasil. Quase
imediatamente após o catastrófico evento mineiro, o país ganhou uma inovação
legislativa a inclusão de uma nova modalidade de desastre natural.
O Decreto nº 8.572, de 13 de novembro
de 2015, trouxe a previsão de que será considerado desastre natural o
rompimento ou colapso de barragens que ocasione movimentação de massa, com
danos a unidades residenciais. A previsão está assim disposta: Parágrafo único:
Para fins do disposto no inciso XVI do caput do art. 20 da Lei nº8.036, de 11
de maio de 1990, considerase também como natural o desastre decorrente do
rompimento ou colapso de barragens que ocasione movimento de massa, com danos a
unidades residenciais.
O referido decreto altera outro
diploma legal, o Decreto nº 5.113, de 22 de junho 2004, que regulamentou o
artigo 20, da Lei 8.036. Essa lei, por sua vez, dispõe sobre o Fundo de
Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), a qual atualmente representa a principal
fonte de consulta para quase todas as questões relativas ao FGTS.
Estando vigente, a nova previsão
legislativa poderá atender aos anseios daqueles trabalhadores que perderam seus
bens por consequência da ocorrência de evento como o lá previsto e que
necessitam movimentar sua conta vinculada no FGTS.
Em uma primeira análise, a alteração
possui efeitos no campo do direito do trabalho e previdenciário, uma vez que o
novo decreto incluiu uma nova opção de situação em que será oportunizada aos
trabalhadores a movimentação dos valores do FGTS.
O artigo 2º, do Decreto nº 5.113
(aquele alterado pelo Decreto 8.572), já previa hipóteses de quais eventos
deveriam ser considerados como desastre natural.
Tais alterações, ao que nos parece,
possuem interferência também no campo do direito ambiental, uma vez que o
decreto traz considerações acerca do que deve ser considerado como desastre
natural.
Não pode escapar dos operadores do
direito a "teoria do diálogo das fontes", que vem ganhando fôlego na
prática jurídica brasileira nos últimos tempos, consubstanciada na sua
ideologia de que o ordenamento jurídico deve ser interpretado de forma
unitária. Vale dizer, a teoria prega que as leis devem ser aplicadas no caso
concreto de forma unitária e complementar e não isoladamente consideradas uma
das outras.
Nesse sentido, o dispositivo recéminserido
no ordenamento jurídico pátrio poderá servir de fonte para outras searas do
direito, que não apenas a trabalhista e a previdenciária, e, eventualmente,
gerar interpretações e aplicações de forma diversa daquela que o legislador
pretendeu inicialmente.
A edição do decreto neste momento,
dias após o incidente mineiro em Mariana, onde se observou exatamente o rompimento
de barragem e movimentação de massa, causando danos à unidades residenciais,
fomenta dúvida com relação à sua aplicabilidade e, até mesmo, da intenção
legislativa de se incluir essa modalidade tão específica de desastre natural
neste momento.
Portanto, aqueles que operam no campo
do direito ambiental ficam na expectativa de como será interpretada e utilizada
essa novidade legislativa em casos similares.
Preliminarmente, é possível
identificar, de forma bastante sensível, é verdade, uma válvula de escape da
responsabilização ambiental daqueles responsáveis por barragens que venham se
romper ou se colapsar, causando movimentação de massa e danos a unidades
residenciais ou até mesmo de outros tipos, uma vez que o recémeditado Decreto
elevou referido sinistro ao posto de desastre de ordem natural.
A questão tratada no decreto merece
cautela na análise. Uma legislação editada de forma aparentemente abrupta, como
pareceu ocorrer com o referido decreto, sem o devido estudo legislativo dos
cenários jurídicos possíveis em que pode ser aplicada, pode acabar por
desregular o ordenamento vigente e acabar por desproteger aqueles que, em um
primeiro momento, o legislador tentou tutelar.
Pedro Luiz Serra Netto Panhoza é
especialista em direito ambiental da Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra
Advogados.