Valor Econômico – Empresas -22/09/2015
– p. B8
No consumo de vinhos, brasileiro
vai migrar para rótulo mais barato
Por Maria da Paz Trefaut
A disparada do dólar e os novos
impostos que incidirão sobre as bebidas alcoólicas a partir de 1º de dezembro
têm levado um clima de incerteza aos importadores de vinho. Mas eles parecem
concordar em como o consumidor vai reagir: haverá migração imediata para
rótulos mais baratos. "As regras do governo não são claras e é difícil
compreendêlas", diz Adolar Hermann, proprietário da importadora Decanter,
que contratou um especialista em tributação para entender o que vai mudar.
"Estamos esperando os resultados desse estudo para ver como poderemos nos
adequar sem prejudicar demais o consumidor". Conforme anunciado em 31 de
agosto, o novo modelo de tributação incide sobre vinhos nacionais, do Mercosul,
e de outros países, e cria um imposto extra de 10% sobre o valor de cada rótulo.
No caso dos uísques e outros destilados, o imposto eleva em 30% o que era pago
até agora. De acordo com a Receita Federal, a medida deve gerar uma arrecadação
extra de R$ 1 bilhão em 2016. No caso do vinho, os importadores parecem
unânimes em reconhecer que a consequência imediata será uma migração para os
rótulos mais baratos. "Precisamos buscar alternativas para fidelizar o
consumidor, com oferta maior de produtos no segmento que denominamos 'preço
versus prazer', nossa versão para o tradicional 'custo versus benefício'",
diz Hermann. Embora a Decanter produza vinhos e espumantes no Rio Grande do Sul
e na Serra Catarinense, 98% do faturamento é proveniente da importação. O maior
volume de vendas concentra-se na faixa entre R$ 30 e R$ 70. Pelos cálculos
preliminares, uma garrafa vendida a R$ 80 passará a R$ 100, se somada a
desvalorização do dólar e o novo imposto. "Na verdade, a crise para nós
não é nenhuma surpresa. Ela vinha sendo camuflada e tínhamos um dólar irreal.
Só que agora, a queda do grau de investimento do país agrava a situação ainda
mais e a solução não será rápida", diz o empresário. Para ele, neste
momento, é hora de reduzir custos para ficar mais competitivo. "Nossas
vendas estão sendo mantidas com um sacrifício enorme de margens e com negociações
duras com fornecedores. Mas é evidente que o consumo vai mudar de patamar e o
cliente vai escolher vinhos mais baratos". Uma visão bem parecida é
compartilhada por Celso La Pastina, proprietário das importadoras World Wine e
La Pastina. "Vivemos um momento negro, que representa um golpe duríssimo
sobre um mercado pequeno, que vinha se afirmando na última década. A alta do
dólar até entendo, e teria sido absorvida com mais tranquilidade se não tivesse
havido interferência do governo para manter a moeda norteamericana em
patamares irreais", afirma. O importador explica que os impostos
anteriores, entre R$ 0,73 e R $1,08 por litro, viravam custo. Já a nova
alíquota de 10% incide sobre o preço de venda de cada garrafa. Com ela, numa
avaliação prévia, ele imagina que a soma de impostos atingirá 70% do preço
final. "Todos na categoria vinho serão prejudicados, independentemente do
país. Precisamos de tempo para ver como o consumidor vai absorver esse impacto
e como será a evolução da crise econômica brasileira. Se não houver aumento de
renda não haverá consumo", diz La Pastina. Na World Wine, onde o portfólio
soma mais de mil rótulos, os mais vendidos ficam na faixa entre R$ 50 e R$ 100.
Na La Pastina, que possui acervo de 300 rótulos, as vendas se concentram entre
R$ 30 e R$ 40. Segundo o importador, os vinhos caríssimos, acima de R$ 1 mil já
não se vendiam aqui, porque o pessoal traz de fora. Agora, os caros, entre R$
500 e R$ 700, ficarão caríssimos. Para fazer face ao momento, a World Wine
começou a antecipar promoções. A cada semana cerca de trinta rótulos entram em
promoção desde que vendidos em caixas com seis unidades. Os descontos, que
chegam a 50% permitem, por exemplo, comprar o espanhol Setze Gallets 2012 por
R$ 48,50 a garrafa, e o Maduresa 2009, também da Espanha, por R$ 121 a unidade.
As promoções mudam semanalmente e incluem diversas nacionalidades. Para quem
trabalha apenas com vinhos caros, o mercado deve encolher ainda mais, prevê o
francês Philippe de Nicolay Rothschild, que há cinco anos abriu a PNR e batizou
a importadora com suas iniciais. Como parte expressiva de suas vendas é de
vinhos e champanhes acima de US$ 70, nos quais a carga tributária é maior, ele
calcula que com os novos impostos a soma total dos tributos pode chegar a 150%
do preço final. A PNR é uma importadora butique, que possui 38 rótulos, entre
os da família, provenientes do Domaine Barons de Rothschild e outros,
escolhidos pelo empresário barão. O rótulo mais barato sai por R$ 75 e o mais
caro por R$ 2,4 mil. "Para vinhos raros não há promoções", diz ele,
que afirma praticar margens cada vez menores e que continua a vender garrafas
de importações antigas pelo mesmo valor, sem reajuste. "Para as próximas
remessas terei que aumentar os preços, mas se o dólar abaixar também vou
repassar essa queda para o cliente", explica. Outra mudança por conta da
alta do dólar, segundo ele, é a redução no estoque. "Hoje nosso estoque é
apertado, suficiente apenas para dar conta das vendas nos próximos três
meses". No ano passado, a PNR já registrou uma queda de 30% nas vendas e
Rothschild trabalha com a hipótese de que cairão ainda mais. "O grande
teste será agora, porque o melhor período de vendas é o fim do ano. Mas sei que
para o consumidor é muito mais complicado gastar R$ 300 hoje do que há 24
meses", diz. A PNR concentra 70% das vendas no atacado, onde tem como
cliente a rede St. Marché, o que inclui o Empório Santa Maria. Para pessoas
físicas, as vendas são para eventos específicos, na maioria casamentos, para os
quais a bebida escolhida costuma ser o champanhe. Otimista, Rothschild acredita
que apesar da crise o cliente continuará a gastar um valor semelhante com
vinhos, o que o levará para rótulos mais acessíveis. "Em tempos de crise
acaba acontecendo sempre o mesmo em todos os países. Se já é difícil viver,
fica ainda mais difícil se tirarmos todos os prazeres. Então, nessas horas,
comprar uma garrafa para compartilhar com os amigos torna a vida melhor".