Jornal Valor Econômico – Legislação
& Tributos – 31.03.2015 – E2
Por Luciana
Rosanova Galhardo.
Com o slogan de "Governo Novo,
Novas Ideias", o atual governo frustrou as expectativas ao trazer, em
matéria tributária, velhas e ultrapassadas propostas.
A legislação tributária dos anos 1990
impunha tributação sobre lucros e dividendos e não permitia a dedutibilidade da
remuneração do capital próprio investido nas sociedades. A Constituição de 1988
também idealizou o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), mas este nunca foi
instituído face à polêmica do tema.
O que se vê do atual governo é uma
discussão primária e melancólica de retorno a tais ideias, por meio da
justificativa de distribuição de renda dos mais ricos aos menos favorecidos.
Em 1995, com a edição do Plano Real e
a estabilidade econômica daí decorrente, foi editada a Lei nº 9.249, marco na
legislação de imposto de renda ao simplificá-la, uniformizar o tratamento
tributário dos diversos tipos de renda, integrar a tributação das pessoas
jurídicas e físicas, e ampliar o campo de incidência ao adotar a universalidade
da tributação da renda.
A tributação sobre a distribuição de
lucros das empresas foi abandonada a partir de 1996, optando-se pela
tributação dos lucros exclusivamente na empresa e isentando-os quando do
recebimento pelos beneficiários. Tal medida visava estimular o investimento em
atividades produtivas e empresariais. A renda (lucros) quando auferida já seria
tributada, sem necessidade de nova tributação quando distribuída aos
investidores.
A não tributação dos lucros na
distribuição impulsionou o mercado de capitais e o investimento estrangeiro em
empresas brasileiras, fomentando com isto a bolsa de valores e a abertura de
capitais.
Na mesma forma, com o fim dos
períodos inflacionários, a sistemática de correção monetária das demonstrações
financeiras foi revogada. A correção oficial dos balanços, especialmente as
contas de ativo e patrimônio líquido, gerava despesa e receita de correção
monetária, com impacto no pagamento de tributos.
Ao extinguir a correção monetária da
conta de capital social, permitiu-se a remuneração dos recursos investidos
como capital próprio pelos acionistas da empresa, adotando-se para tanto a
taxa de juros a longo prazo. Criou-se com isto uma remuneração do capital por
meio do pagamento de juros aos investidores, e sua dedutibilidade, com estímulo
ao investimento na atividade produtiva em comparação às operações de dívida.
Todas as medidas foram criadas com o
intuito de fortalecer as empresas, estimular os negócios e o empreendedorismo.
Da mesma forma, abandonou-se a ideia
de tributação das grandes fortunas, pois esta pretendia tributar o patrimônio
poupado ou acumulado ao longo dos anos. O IGF sempre caminhou na contramão da
história ao desestimular a poupança interna, gerar fuga de capitais, sonegação
e, por fim, estimular a desvalorização de bens na declaração de Imposto de
Renda de pessoas físicas ou dos ativos nas transações imobiliárias.
O IGF também representa um retrocesso
pois a renda declarada é tributada quando auferida, especialmente na fonte.
A renda auferida, após sua
tributação, torna-se líquida e pronta para ser consumida por meio da aquisição
de bens, serviços ou direitos. Nesta etapa, são devidos os impostos de consumo,
ligados à essencialidade dos produtos. Sabe-se que, além dos impostos
tradicionais de consumo (IPI e ICMS), embutem-se nos preços diversos tributos
e contribuições que oneram a cadeira produtiva (IR, CSLL, PIS, COFINS, ISS, IOF
etc).
A renda remanescente após o consumo
de produtos básicos ou supérfluos é, muitas vezes, poupada. Por meio de
aplicações financeiras, preserva-se seu poder de compra e são novamente
auferidos juros, tributados na fonte. A renda poupada também pode ser investida
na formação de um patrimônio (aquisição de imóveis, por exemplo). A manutenção
do patrimônio já é tributada anualmente e sob diversas formas como IPTU (para
imóveis urbanos), ITR (para imóveis rurais) e IPVA (para veículos).
Por fim, a renda acumulada é
tributada na sua transferência, motivada por diversos eventos, tais como a
alienação a
título oneroso, a doação a título
gratuito, ou a herança, por meio do imposto causa mortis.
O que mais exigir de uma renda
declarada, e tributada quando auferida, consumida, poupada e transferida? O que
pretender deste círculo virtuoso de renda e de tributação?
A tributação do IGF só teria como
consequência a informalidade, a busca por "planejamentos tributários
criativos", a constituição de holdings por valores históricos, a fuga de
investimentos ao exterior, a diminuição da poupança interna, a redução dos
investimentos e, acima de tudo, a descrença nas instituições. Afinal, os bons
pagadores e cumpridores de suas obrigações fiscais seriam punidos.
Já se sabe que, quanto menor a
alíquota, menor a sonegação; quanto maior a simplificação, maior a formalidade;
quanto maior a transparência, maior a tranquilidade e o dever cumprido ante as
autoridades.
Enfim, voltar a falar de imposto
sobre distribuição de lucros e dividendos, extinção da dedutibilidade de juros
sobre o capital próprio e IGF configura um retrocesso. O pagamento de tributos
no Brasil já chegou ao limite. Ao invés de erguermos bandeiras já tão
ultrapassadas, vamos às novas ideias!
Luciana Rosanova Galhardo é sócia da
área tributária de Pinheiro Neto Advogados