quinta-feira, 12 de junho de 2014

Fraudes no setor privado

Jornal Valor Econômico - 11.06.2014
 
No topo das fraudes, traição de executivos e 'kick-back'
Por Barry Wolfe
Vem das histórias populares o preceito de que quanto mais longe se busca solução a um problema, mais perto ela estará. Aliás, ambos estarão - o problema e a solução. Eu não sou homem de fazer pouco de ensinamentos populares, e, mesmo que o fosse, me dobraria a eles com doçura ao observar quão certos estão em relação a meu campo de trabalho - a investigação de fraudes corporativas e a criação de medidas de real compliance para evitar dores de cabeça com falcatruas, roubos e outros golpes. A noção de que a solução do problema costuma estar no quintal de casa é algo que sou obrigado a ver com uma constância inquietante.
 
Para o leitor do Valor entender a que me refiro, melhor ir ao ponto: a imensa maioria das grandes fraudes no setor privado segue a norma do quintal - a empresa é lesada por traição de seus próprios executivos.
 
Mas se nos debruçamos sobre o noticiário referente a fraudes e corrupção não é difícil notar ser insignificante a menção a executivos como envolvidos ou criadores dos esquemas. Eles normalmente são os mocinhos. A culpa fica com mirabolantes gangues que roubam milhões de reais da frota de caminhões, fornecedores que logram pregões eletrônicos ou sujeitos usando laranjas para limpar linhas de crédito bancárias.
 
Um ambiente "podre" vai deteriorar exponencialmente. Não há como melhorar sozinho
 
A realidade é um tanto pior. Entre os bandidões estão pessoas bacanas que a gente conhece do escritório há muito tempo e que dificilmente fariam parte da lista de "suspeitos habituais".
 
Entre dezenas de grandes casos que investiguei, o topo do ranking das falcatruas no setor privado é dominado por esquemas kick-back - o fornecedor chuta de volta para o funcionário parte do dinheiro recebido irregularmente. Meus cálculos, derivados da prática investigatória, são de que em média uma grande fraude signifique de R$ 100 milhões a R$ 500 milhões de prejuízo para um banco e de pelo menos R$ 20 milhões para um fabricante ou distribuidor de produtos.
 
A questão, além do prejuízo e do risco dessa informação chegar ao público, é que os esquemas criminosos corporativos jamais dependem de uma só pessoa. Ao contrário, pressupõem formação de quadrilha. Em termos esquemáticos, implicam um fornecedor pagando propina para ter seus produtos adquiridos pela empresa - de sistemas de TI a serviços jurídicos, de artigos de limpeza a frotas ou contratos de logística.
 
Nas empresas financeiras o esquema costuma se dar via concessão de crédito com propina - até 15% do valor retorna ao funcionário do banco que facilitou a operação - ou recuperação de crédito (o devedor "negocia" pagamento extremamente baixo e dá parte ao funcionário). Modalidade mais perversa é a judicial. Nela, o banco é processado e seus advogados aceitam pagar um montante alto ao reclamante, que por sua vez divide o "lucro" com os defensores da instituição financeira.
 
No caso de produtos a situação é similar. Uma aquisição envolve desde a área que receberá os bens até a de compras, passando pelos setores de análise de crédito, cadastramento, TI, do jurídico para contratos e do financeiro para liberação de fundos.
 
Alf Ribeiro/Folhapress / Alf Ribeiro/Folhapress
Do outro lado do balcão, a empresa que vende bens usando propina tampouco pode fazê-lo sem contar com um punhado de gente. A operação abrange ao menos os setores comercial, jurídico, de logística e financeiro - este último é importante, já que dele partem autorizações de repasse da propina em dinheiro.
 
Não espanta dizer que quanto mais dinheiro está em jogo mais alto é o nível dos funcionários abrangidos. Com o envolvimento de mais pessoas, em todos os grandes casos de crime organizacional há o surgimento de crimes complementares - de fraudes e corrupção interna a extorsão, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro. Esta última aliás se dá com o submundo lá de fora - com o establishment do crime organizado.
 
A saída para um panorama de crise assim não é fácil. Supõe investigações que podem se arrastar por meses e se estender a cada escaninho da companhia. Quando os culpados são descobertos ainda há a questão do que fazer - nem sempre é possível entregá-los à Justiça dado o emaranhado que conseguem montar, o que explica o fato de funcionários quadrilheiros por vezes passarem por quatro ou cinco empresas antes de serem parados.
 
A solução deve ocorrer de forma preventiva - evitando na medida do possível a ocorrência dos mal feitos e a criação das quadrilhas - e reativa, acabando com o cluster de corrupção.
 
Como os criminosos passeiam pelas estruturas e processos legítimos da empresa, é por aí que se inicia tanto a prevenção quanto a reação. O primeiro ponto é deduzir o organograma da organização criminosa por meio do estudo das funções necessárias para seu funcionamento. A isso se deve agregar raciocínios de inteligência estratégica, mudando o foco de um "desconhecido" - já que a princípio não se sabe quem participa do esquema - gradualmente para os possíveis conhecidos.
 
Em empresas atacadas por máfias internas ocorre algo que se pode chamar de entropia moral. Análoga à entropia da física quântica, ela denota que um ambiente "podre" vai deteriorar exponencialmente. Não há como melhorar sozinho. É preciso um input de "energia positiva" na forma de implantação de códigos de ética reais, de controles sistêmicos, de procedimentos "due diligence", da reestruturação de condições de negócios e de mercados e da criação de mecanismos de denúncias. Mas o mais importante: ou esse leque de compromissos é claramente "top down", do topo da cadeia de comando até o chão de fábrica, ou não funcionará.
 
Barry Wolfe é advogado pela Edinburgh University, pós-graduado em direito econômico pela Yale Law School e mestre em direito internacional por Cambridge, Inglaterra. É diretor da Wolfe Associates Anti-Corruption Advisers

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Eis o veículo (Motorella) que tenho utilizado para andar na ciclovia da Lagoa e ir ao trabalho sem suar