Jornal Valor Econômico – 11.06.2014
Bancos querem facilitar retomada de
automóvel
Por Felipe Marques | De São Paulo
Quando um comprador de carro
financiado não paga as prestações, o banco pode tomar o veículo de volta. Mas
essa recuperação pode levar mais de seis meses e custar, somando desde despesas
jurídicas a eventuais multas, entre R$ 7 mil e R$ 9 mil para o banco. E a taxa
de sucesso no processo de retomada não passa de 20% a 25% dos casos, em média.
Esses dados, relatados ao Valor por
executivos de alguns dos principais bancos do segmento, ajudam a entender por
que as instituições atribuem a queda no estoque de financiamento de carros, em
boa parte, à dificuldade para retomar os bens em caso de calote - o total está
em R$ 189 bilhões, com uma queda de 8,1% nos 12 meses encerrados em abril.
Para tentar resolver a situação,
bancos e governo prepararam um projeto de lei para acelerar e baratear os
procedimentos de retomada. A nova regra tiraria o processo das mãos do Judiciário.
Mais importante, valeria de forma retroativa para todos os contratos. Bastaria,
assim como no crédito imobiliário, uma notificação extrajudicial ao devedor.
Com isso, os bancos não dependeriam de oficiais de Justiça, reduziriam o prazo
da operação e cortariam cerca de R$ 5 mil da conta para reaver o veículo.
A dificuldade de retomada tem um
efeito colateral perverso: fomenta um mercado ilegal de revenda de veículos de
devedores inadimplentes, os chamados "carros NP" (não pagos). Um
veículo NP - também conhecido como carros "bruxa" ou
"pokemon" - custa uma pequena fração do preço de tabela porque o
comprador fica sob o risco de o veículo ser apreendido a qualquer momento,
embora os vendedores prometam até dois anos de livre circulação, desde que tomados
alguns cuidados.
Os custos de recuperação de um veículo
variam muito dependendo da região. Na Paraíba, a busca e apreensão custa cerca
de R$ 7 mil. No Rio Grande do Norte, R$ 800. Esses valores foram levantados
pela agência de cobrança Cercred, que tem 60% de suas operações em empréstimos
de veículos.
Além dos custos jurídicos de se
retomar um veículo, a conta inclui também o pagamento de multas e outros
débitos, em especial o IPVA, que tenham sido deixados em aberto pelo
"dono" do carro. Sem pagar essas dívidas, não é possível regularizar
a documentação e revender o automóvel.
Garantia fraca trava crédito a carro
Por Felipe Marques | De São Paulo
Recuperar um carro dado como garantia
em uma operação de crédito no Brasil pode levar mais de seis meses e custar,
somando desde despesas jurídicas a eventuais multas, entre R$ 7 mil a R$ 9 mil
para o banco. Pior, a taxa de sucesso do processo de retomada de veículos leves
não passa de 20% a 25% dos casos, em média.
Os dados foram relatados ao Valor por
executivos de alguns dos principais bancos do segmento, tanto comerciais quanto
ligadas a fabricantes. Os números ajudam a entender por que as instituições
atribuem a queda do estoque de financiamento de carros, em boa parte, à
dificuldade para retomar os bens em caso de calote. É claro que os bancos
tentam repassar ao devedor tais custos, mas isso depende de encontrá-lo.
Para tentar resolver a situação,
bancos e governo costuraram um projeto de lei com objetivo de acelerar e
baratear o processo. O rascunho da nova regra, segundo um executivo que
participa das negociações, basicamente tiraria o processo de retomada das mãos
do Judiciário. Mais importante, valeria de forma retroativa para todos os
contratos. Bastaria, assim como no crédito imobiliário, uma notificação
extra-judicial ao devedor. Com isso, os bancos esperam cortar algo em torno de
R$ 5 mil da conta para reaver o veículo.
O pesado custo para se retomar um
veículo do devedor inadimplente, somado às baixas taxas de sucesso da
empreitada, ajudam a explicar a reticência dos bancos em financiar carros. O
estoque de crédito de veículos está em R$ 189 bilhões, com queda de 8,1% no
acumulado de 12 meses terminados em abril. "Sem mudar as regras de
recuperação, o mercado não consegue crescer além do tamanho que tem hoje",
afirma o executivo de um dos principais bancos da modalidade.
Além de caro, o processo de retomada é
lento. O projeto de lei em discussão também encurtaria o tempo que leva a
retomada hoje, para algo mais próximo do que se observa no crédito imobiliário,
afirma um executivo que teve acesso à proposta. Hoje, segundo um executivo de
um grande banco do segmento, a duração média do processo de retomada é de 210
dias, se a instituição financeira conseguir encontrar o carro. No financiamento
habitacional, a recuperação do bem leva até 60 dias.
As dificuldades de retomada têm outro
efeito colateral perverso: fomenta um mercado ilegal de revenda de veículos de
devedores inadimplentes, os chamados "carros NP" (não pagos). Uma
busca rápida na internet mostra que o veículo NP - também conhecidos como
carros "bruxa" ou "pokemon" - chega a custar uma pequena
fração do cobrado em uma tabela de referência (como a Fipe). A
"contrapartida" do preço é o risco de que o veículo possa ser
apreendido a qualquer momento, embora os vendedores prometam até dois anos de
livre circulação, desde que tomados alguns cuidados.
Embora o crédito imobiliário e o de
veículos façam uso do mesmo instrumento legal para a garantia - a alienação
fiduciária -, os imóveis contam com lei separada para descrever o processo, a
Lei nº 9.514, de 1997, a
mesma que criou o Sistema de Financiamento Imobiliário. Já a alienação fiduciária
de veículos ocorre com base no procedimento de uma lei da década de 1960.
"No imobiliário, a segurança na rapidez da retomada fez a modalidade
saltar nos últimos anos", afirma um executivo.
Não que os custos de se recuperar um
veículo fossem desconhecidos pelos bancos, mesmo quando a modalidade crescia a
mais de 20% ao ano. Só que alguns fatores agravaram essa conta. "A escala
do mercado aumentou na última década. Com menos veículos para tentar recuperar,
o processo funcionava melhor", argumenta Roberto Dagnoni,
diretor-executivo da Unidade de Financiamentos da Cetip. A Cetip registra as
garantias das operações de crédito de veículos. Em sete anos, o saldo de
financiamento de veículos cresceu perto de 180%.
Houve também o surto da inadimplência
na modalidade nos últimos anos, que até hoje não voltou aos níveis mais baixos
da série histórica. A taxa de calotes fechou abril em 4,96%, ante o pico de
7,23% de junho de 2012 e o vale de 3,66% de março de 2011. Outro fator foi a
padronização pelo BC das tarifas bancárias em 2008. Com isso, os bancos
perderam uma fonte de recursos com a qual "compensavam" parte desses
custos, diz um executivo de um banco.
A variação regional nos custos do
processo de retomada impressiona. Na Paraíba, onde é mais caro, as despesas
judiciais de um processo de busca e apreensão de veículo fica na casa dos R$ 7
mil. No Rio Grande do Norte, o mesmo processo sai por R$ 800. Os custos foram
levantados pela agência de cobrança Cercred, que tem 60% de suas operações em
empréstimos de veículos, a pedido do Valor.
A necessidade de um oficial de justiça
estar presente para a recuperação do veículo é outro entrave do processo atual.
"A disponibilidade do oficial varia conforme a região. A fila costuma ser
maior nas capitais, então a retomada leva mais tempo", afirma Leonardo
Coimbra, presidente da Cercred. Ainda que o banco consiga espaço na agenda do
oficial, outro problema é ir até a casa do tomador e não encontrar o carro. Aí,
o processo volta para a fila do oficial e o banco sai à caça do veículo
novamente.
Além dos custos jurídicos de se
retomar um veículo, a conta inclui o pagamento de multas e outros débitos, em
especial o IPVA, que tenham sido deixados em aberto pelo dono do carro.
"Sem pagar esses débitos, não consigo regularizar a documentação e vender
o carro", afirma um executivo, que calcula em até R$ 3 mil o preço dessa
regularização. É comum que, quando o devedor sabe que o carro está prestes a
ser tomado, deixe de pagar as obrigações relacionadas e de cuidar do carro, acelerando
a depreciação.
Quando consegue encontrar o devedor e
completar o processo, o banco leva o carro a leilão. Segundo um executivo que
atua no ramo, os bancos vendem o carro, em média, por 70% do valor da tabela de
referência de preços. Desse dinheiro, deduzem o valor da dívida e todos os
custos de recuperação. "Se o processo fosse mais barato, sobraria um
'troco' maior para o devedor", afirma esse executivo. Não é incomum,
porém, que a depreciação do carro faça com que o valor do arremate seja tão baixo
que reste ainda uma dívida a ser paga pelo cliente original.
Os bancos citam, como parâmetro, o processo de retomada nos
Estados Unidos. Lá, a partir do momento em que o cliente deixa de pagar, o
banco contrata um "repo man", um funcionário privado que retoma o
carro onde quer que ele esteja, a qualquer momento. "A discussão na
Justiça é posterior e o banco já tem a certeza de ter a garantia", conta
um executivo.
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