Valor Econômico
– Empresas – 18.01.2013 – p. B5
18/01/2013 às 00h00
No supermercado, argentino paga mais caro
Por César
Felício | De Buenos Aires
O atraso cambial, a
inflação alta e a perda de competitividade da Argentina pode ser sentida na
lista de supermercado. Produtos típicos da pauta de exportação do país,
como arroz e derivados de trigo e de leite, são mais baratos em São Paulo do
que em Buenos Aires, apesar do custo da matéria-prima ser muito menor.
"Existe um
subsídio cruzado. O consumidor argentino é obrigado a pagar
mais para que as empresas exportem. A perda de competitividade fica aqui. Mesmo
com rentabilidade menor lá fora, manter o mercado externo é importante para que
a empresa tenha acesso a uma fonte de dólares", diz o ex-ministro da
Economia argentino, Roberto Lavagna, opositor ao governo da presidente Cristina
Kirchner, que o derrotou na eleição presidencial de 2007.
Por seu raciocínio, a
indústria de lácteos e de derivados de trigo vende ao Brasil a preços
competitivos, e recupera suas margens na Argentina. No caso do leite, o custo
menor da matéria-prima levou a um recente protesto dos produtores, que cortaram
rodovias e derramaram leite na pista.
De acordo com o último
relatório divulgado pelo Departamento de Agricultura
dos Estados Unidos (USDA), em outubro o produtor argentino recebia uma média de
US$ 0,33 por litro de leite. No Brasil, o preço era de US$ 0,41. A Argentina
vendeu 250 mil toneladas de leite ao exterior (21% da produção) e 60 mil
toneladas de queijos em 2012 (10,5% do total). Nos primeiros onze meses do ano,
segundo dados do Ministério da Agricultura argentino, o Brasil havia comprado
do país 36 mil toneladas de leite e 17 mil de queijos.
"Esta brecha
entre o que o produtor recebe e o que o comércio varejista cobra pelo produto
final é uma das maiores de toda a história", protesta o presidente da
Confederação Rural Argentina (CRA), Rubén Ferrero, produtor de leite na
província de Santa Fé.
Segundo Ferrero,
"muito pior é o caso da indústria dos derivados de trigo, porque
praticamente ganham de graça a matéria-prima". Um levantamento da CRA mostra
que o preço das matérias primas usadas para elaborar um quilo de pão (70% é
farinha de trigo) é 14 vezes menor que o preço do produto no varejo argentino.
Ferrero refere-se ao
diferencial criado pelo governo argentino para incentivar a industrialização de
grãos. Segundo uma regra tributária argentina, a venda do trigo em grão gera um
imposto de exportação (chamado de "retenciones") de 23%. Caso seja
vendido ao exterior na forma de farinha, o imposto cai para 13%. E sob forma de
produto final, como macarrão e bolachas, para 5%.
Em tese, essa regra
deveria baratear o custo do cereal para a indústria argentina, que moe 6,5
milhões de toneladas/ano. A oferta é garantida pelo governo, que só permite a
exportação da produção que exceda esta demanda. Em 2012, a Argentina exportou
10,7 milhões de toneladas de trigo, sendo 4,8 milhões de toneladas ao Brasil.
Como a próxima safra será menor, a previsão é que a exportação caia para mais
da metade destes volumes neste ano.
"Nada disso
compensa o aumento do custo de mão de obra e de fretes que teve na Argentina,e,
particularmente na cadeia de trigo, o fim dos subsídios diretos que o governo
dava para a indústria", diz a economista Carolina Schuff, analista setorial
da empresa de consultoria Abeceb, especializada em comércio exterior.
Segundo levantamento
da empresa, o corte de subsídios representou uma perda anual da ordem de US$
500 milhões para empresas de agronegócios. E os reajustes salariais na
Argentina são especialmente altos para os sindicatos ligados à indústria da
alimentação e transportes. Segundo a Abeceb, o -salário médio industrial em
2012 atingiu o equivalente a US$ 1.590. Em 2009, era US$ 950. Em 2007, quando
Cristina Kirchner tomou posse, era US$ 698.
"O governo tenta
conter os aumentos na ponta do varejo fazendo acordos com as grandes cadeias.
Este ano por exemplo determinou um reajuste de 10% para produtos básicos, 15%
para os dominados por grandes marcas e 25% para o restante. Tudo é feito
informalmente porque os mecanismos de defesa de concorrência jamais foram
institucionalizados. Claro que a estratégia não funciona", diz o
ex-deputado Hector Polino, de oposição. Polino dirigia uma entidade chamada
"Consumidores Libres", que perdeu a personalidade jurídica depois de
divulgar relatórios mostrando que os acordos de preço não eram cumpridos.
Para a indústria
moageira argentina, a diferença de preços entre os dois países seria
estrutural. " Na Argentina temos um consumo per capita de derivados de
trigo muito maior que no Brasil, com uma escala muito menor, é lógico que aqui
tende a ser mais caro. O mesmo vale deve valer para a cadeia de lácteos",
diz José del Carril, da Federação Argentina da Indústria Moageira (FAIM). O
argentino médio consome cerca de 105 quilos de farinha de trigo por ano, ante
43 quilos no caso brasileiro. Tem um consumo anual per capita de 210 litros de leite,
ante 150 no caso do Brasil.
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