terça-feira, 29 de março de 2011

Portugal como país mais pobre e menos escolarizado da Europa Ocidental

Valor Econômico - Especial - 26.03.2011 - A-16
Crise
Força de trabalho no país sofre com falta de preparo, cortes de gastos públicos devempiorar a situação
Educaçao ruim perpetua atraso português
Charlie Forelle
The Wall Street Journal

Isaabel Fernandes, uma animada jovem de 22 anos com uma constelação de estrelas tatuadas em torno de seu olho direito, não tem certeza de quantas vezes repetiu a quinta série. Duas, diz ela, com uma risada, talvez três. Ela repetiu a sétima série também. Isabel abandonou a escola após cursar a oitava série, aos 20 anos de idade.
Ela mora num bairro pobre perto do aeroporto. E não trabalha. Os empregadores, diz ela, "estão exigindo formação superior". Até mesmo empregos de limpeza estão difíceis de encontrar.

Portugal é o país mais pobre da Europa Ocidental. É também o menos escolarizado - e isso veio à tona como uma dolorosa vulnerabilidade em meio à sua crescente crise econômica.

Na noite de quarta-feira, a crise econômica tornou-se uma crise política. O Parlamento português rejeitou o plano de cortes de gastos e aumentos de impostos do premiê José Sócrates. Sócrates apresentou sua demissão. Ele permanecerá interinamente até que um novo governo seja formado.

Sem os cortes orçamentários, é quase certo que Portugal necessitará ajuda internacional. O país ficará sem dinheiro neste ano, caso não haja dinheiro novo, e os mercados estão cobrando taxas punitivas para conceder empréstimos.


Isso deixou os líderes da União Europeia (UE), reunidos em Bruxelas na quinta, atabalhoados para montar planos de contingência para o que poderá ser o terceiro socorro na zona do euro, após as ajudas a Grécia e Irlanda.

O estado do ensino em Portugal diz muito sobre por que um socorro será provavelmente necessário e por que um socorro seria caro e difícil. Portugal, simplesmente, precisa gerar suficiente crescimento econômico no longo prazo para zerar seu grande endividamento. Uma força de trabalho não qualificada torna isso difícil.

A mão de obra barata que no passado sustentou a indústria têxtil em Portugal desapareceu - foi para a Ásia. Os países que antes pertenciam ao bloco oriental e aderiram em massa à UE em 2004 demandam salários mais baixos e têm maior escolaridade. Eles vêm atraindo os empregos de maior qualificação.

Apenas 28% da população portuguesa entre 25 e 64 anos tem curso médio completo. Na Alemanha, são 85%; na República Tcheca, 91%; e nos EUA, 89%.

"Não vejo como Portugal vá crescer sem educar sua força de trabalho", diz Pedro Carneiro, hoje economista do University College, de Londres, mas que já havia deixado Portugal para fazer sua pós-graduação nos EUA. Os problemas do ensino em Portugal mostram a extensão do desafio europeu ao tentar aprumar-se em meio à crise da dívida soberana.

Um rápido e doloroso corte orçamentário, como os aplicados em todo o continente, é o primeiro passo. Mas o segundo é bem mais difícil e levará muito mais tempo. Os 17 países interligados pelo euro têm níveis extremamente distintos de desempenho econômico. A menos que o abismo seja reduzido, as pressões que fizeram com que os mais fracos entre eles acumulassem grandes volumes de endividamento que têm dificuldade para honrar sem dúvida ressurgirão.

A melhoria da escolaridade em Portugal não virá rapidamente. Fortes cortes em seus gastos com educação tornarão a tarefa mais difícil. E mesmo que haja melhorias, a colheita dos benefícios poderá levar anos.

Grécia e Irlanda, dois países da UE que foram socorridos, chegaram relativamente rápido à beira do abismo: a Grécia se perdeu após revelações de que tinha subestimado grosseiramente a precária situação fiscal do governo; a Irlanda imolou-se numa orgia de especulação imobiliária.

A crise em Portugal, ao contrário, chegou à fervura em fogo lento. Durante uma década, o crescimento de português ficou aquém da média na zona do euro. Setores tradicionais, como a colheita de cortiça e a costura de calçados não poderiam energizar o país inteiro. O boom tecnológico de meados da década de 2000 passou praticamente ao largo de Portugal.

Apesar disso, os portugueses gastavam. A economia - governo e setor privado, reunidos - tinha um déficit acumulado, em relação ao resto do mundo, superior a € 130 bilhões na década passada. O Estado não tem um orçamento equilibrado, que dirá um superávit, há mais de 30 anos.

O resultado é uma pilha de endividamento. A dívida do governo, em parte dívida interna, deverá se aproximar de 90% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano. A economia como um todo - os setores público e privado -, tem uma dívida externa equivalente a mais de dois anos de produção econômica.

Antes de seu revés nesta semana, o premiê José Sócrates tinha conseguido que o Parlamento aprovasse alguns cortes no orçamento, sob pressão de outros países da zona do euro. Mas em entrevista antes da crise político de quarta-feira, Sócrates deixara claro que o investimento em educação é uma prioridade, apesar dos custos. Tranquilizar os mercados financeiros é importante, disse ele, mas o país não deve "perder sua estratégia e visão".

Apenas 28% dos portugueses entre 25 e 64 anos têm curso médio completo; na Alemanha, são 85%

Há evidências substanciais, de outros países, de que o ensino confere amplos benefícios econômicos. Uma geração atrás, a Irlanda era um dos países mais pobres na UE. Mas alocou subsídios da UE ao ensino técnico e renovou-se, transformando-se em destino de empregos de alta tecnologia, duplamente atraente devido a baixos impostos. A Irlanda é agora, mesmo depois de uma crise bancária brutal, um dos países mais ricos da Europa.

"Eles tinham uma força de trabalho suficientemente escolarizada para que pudessem converter-se em uma economia de base tecnológica - e eles partiram do zero", diz Eric Hanushek, professor da Universidade Stanford.

Hanushek e um professor da Universidade de Munique estabeleceram um vínculo entre crescimento do PIB e desempenho da população em testes padronizados. Eles estimam que a taxa de crescimento econômico portuguesa de longo prazo seria 1,5 ponto percentual maior se o país tirasse as mesmas notas que os superescolarizados finlandeses.

O ensino sempre ficou em segundo plano, aqui. "Países meridionais, como Portugal e Espanha - e o sul da França e a Itália -, sempre tiveram alguns problemas relacionados com a educação", diz António Nóvoa, historiador que é reitor da Universidade de Lisboa. "Tem sido assim desde o Século XVI."

A repressão da ditadura que governou Portugal de 1926 a 1974 defendia que "as pessoas não devem ter ambição de serem diferentes do que são", diz Nóvoa. O resultado foi analfabetismo generalizado e escassa escolaridade formal; apenas três anos eram obrigatórios. Enormes saltos foram dados desde a década de 1970, diz ele, mas "não é fácil mudar uma história de cinco séculos"

Portugal recém-instituiu 12 anos de escolaridade mínima; hoje, os portugueses podem abandonar os estudos depois da nona série. Muitos o fazem. O governo diz estar acelerando as reformas. Sócrates cita uma iniciativa que dá aos alunos computadores portáteis e um projeto de grande alcance de reconstrução de prédios escolares degradados. Os resultados para o ano passado mostram melhorias dos alunos em testes padronizados.

Mas é uma longa estrada. "Nós acumulamos anos e anos de pessoas ignorantes", diz Belmiro de Azevedo, um industrial bilionário.

Ele descreveu o sistema como "calcificado". O governo central exerce um controle rígido. Os currículos são a um só tempo pouco exigentes e rígidos. As taxas de desistência são elevadas. As escolas têm dificuldades para acomodar um afluxo de imigrantes das ex-colônias de Portugal na África, como Cabo Verde e Guiné-Bissau.

Uma iniciativa de avaliação de professores deflagrou greves e manifestações desgastantes em 2008, azedando as relações entre os poderosos sindicatos de professores e o governo. A vida política dos ministros de Educação é medida em meses - desde a que a ditadura terminou, em 1974, foram 27 ministros.

Para os críticos do sistema, uma discussão que vem sendo travada em torno das escolas semiparticulares é emblemática do que está errado. Com orçamentos apertados, o governo impôs cortes profundos nas escolas que estão à margem do controle estatal - pouco importando que algumas estejam entre as melhores.

A estrada ao norte de Lisboa eleva-se suavemente do estuário do rio Tejo e atravessa vales de pinheiros e campos de trevos amarelos. Cerca de 50 quilômetros à frente, no município de Torres Vedras, a população distribui-se rarefeita por pequenas cidades que salpicam as estradas sinuosas rumo ao oceano.

Numa das cidades, A Dos Cunhados, a escola local não é administrada pelo governo nem a ele pertence. Sua gestão está a cargo da Igreja Católica, num arranjo que remonta ao fim da ditadura, quando o Estado Novo português descobriu que não dispunha de instalações suficientes.

No Externato de Penafirme, como em 90 outras escolas que funcionam nos termos dos chamados "contratos de associação", o Estado paga uma taxa de gestão a uma entidade privada que cumpre, em linhas gerais, o programa do Estado, mas contrata seus próprios professores.

O vice-diretor, Carlos Silva, antes deu aulas de química na rede pública de ensino. Ele foi realocado a quatro escolas em quatro anos. Frustrado, demitiu-se e entrou para um seminário. Depois, como padre, pediu ao bispo para retornar às salas de aula e foi alocado no Externato de Penafirme.

Em vez de receberem professores de uma lista, padre Silva e outros gestores dessas escolas semiparticulares selecionam seus próprios mestres. Eles adequam os currículos, acrescentando, por exemplo, mais instrução religiosa. Eles montam equipes de professores responsáveis por alunos e tentam resgatar aqueles inclinados a desistir.

"Nós fazemos um esforço enorme para levá-los, todos, até o final", diz José Mendes, administrador da escola. As notas obtidas por Penafirme nos testes a colocam entre as 15 melhores escolas secundárias em nível nacional. É a melhor em Torres Vedras.

Seus defensores dizem que as escolas sob gestão particular injetam uma dose necessária de pensamento renovado. "Precisamos manter um sistema diversificado", diz Eduardo Marçal Grilo, um ex-ministro da Educação.

Se há uma escola pública e uma privada no mesmo lugar, diz ele, "vamos ver qual é a melhor e, se a melhor for particular, o Estado pode fechar a pública e dar apoio à particular".

Mas em novembro os sacerdotes de Penafirme sofreram um choque. Enfrentando problemas financeiros - o orçamento do governo para a educação diminuiu 11% neste ano -, o Ministério da Educação disse que irá cortar de, em média, € 114 mil por turma, para € 80 mil, a verba que subsidia os contratos de associação. O padre Silva diz que gasta € 85 mil por turma apenas em salários e benefícios.

Para a atual ministra da Educação, Isabel Alçada, "não é justo" direcionar seus escassos recursos para entidades privadas, como Penafirme, enquanto as escolas públicas regulares têm necessidades graves. O que era antes um programa destinado a preencher lacunas transformou-se em "competição", reclama ela, na qual as operadoras privadas configuram trajetos de ônibus para atrair alunos.

Confrontado com os cortes, grupos de pais e alunos organizaram-se. Em dezembro, 4 mil pessoas deram-se as mãos formando um grande círculo em torno do campus de Penafirme. As imagens chegaram à TV. Surgiu um grupo no Facebook.

O ensino sempre ficou em segundo plano. "É assim desde o Século XVI", diz o reitor da Universidade de Lisboa

Em janeiro, houve uma greve três dias de alunos de dezenas de escolas sob gestão privada. Para dramatizar a alegação de que os cortes significariam a morte de suas escolas, pais e alunos de 55 colégios transportaram caixões até Lisboa e os colocaram na divisória central à frente do Ministério da Educação.

No mês passado, o Ministério da Educação cedeu um pouco, aceitando restaurar, neste semestre, parte dos recursos cortados.

Paulo Gonçalves, vendedor da Hewlett-Packard que atende o mercado empresarial e é presidente da associação de pais do Penafirme, diz que a flexibilização foi uma vitória, mas é preciso mais dinheiro para manter a alta qualidade suficiente para preparar os estudantes para uma faculdade. "Se você conquistar um diploma, em Portugal, ganhará mais ou menos o dobro dos não diplomados", diz ele. "Isso é o que eu ensino os meus filhos."

Isso é particularmente verdadeiro com o desemprego superior a 11%. "Com a crise, temos de ir à universidade", diz Sophie Alves, que em breve irá se formar em Penafirme e pretende estudar terapia ocupacional em uma faculdade. Só com um diploma ginasial, "não dá para fazer nada, apenas ser garçonete".

Com menos escolaridade ainda, as perspectivas são ainda mais sombrias. Fernandes, a jovem de 22 anos que cursou até a oitava série, vem frequentemente a uma escola em Apelação, onde uma minúscula organização sem fins lucrativos denominada Projeto Liderança tenta convencer os jovens a voltar aos bancos escolares ou os ajuda a conseguir emprego.

Serafim Gomes, também de 22 anos, estava lá numa tarde recente. Ele abandonou a escola na oitava série, sonhando tornar-se jogador de futebol profissional. Não deu certo. Agora ele trabalha ocasionalmente como garçom e torce para conseguir um emprego melhor.

Marco Monteiro, 16 anos, foi recentemente expulso de sua escola habitual. Por mau comportamento, diz ele. Ele espera voltar. "Eu não tenho escolaridade suficiente para encontrar trabalho", diz ele, e talvez arranjar emprego num shopping center. O diretor do projeto Liderança, António Embalo, elogiou-o por suas habilidades mecânicas. Não pensa em frequentar uma faculdade, talvez estudar engenharia?

"Isso nunca passou pela minha cabeça", disse Marco Monteiro. "Eu não conheço ninguém que frequente", completa.

Registre as histórias, fatos relevantes, curiosidade sobre Paulo Amaral: rasj@rio.com.br. Aproveite para conhecê-lo melhor em http://www2.uol.com.br/bestcars/colunas3/b277b.htm

Eis o veículo (Motorella) que tenho utilizado para andar na ciclovia da Lagoa e ir ao trabalho sem suar