segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Desconsideração da personalidade jurídica

STJ -30/10/2011 - 08h03
ESPECIAL
Desconsideração da personalidade jurídica: proteção com cautela
A distinção entre pessoa jurídica e física surgiu para resguardar bens pessoais de empresários e sócios em caso da falência da empresa. Isso permitiu mais segurança em investimentos de grande envergadura e é essencial para a atividade econômica. Porém, em muitos casos, abusa-se dessa proteção para lesar credores. A resposta judicial a esse fato é a desconsideração da personalidade jurídica, que permite superar a separação entre os bens da empresa e dos seus sócios para efeito de determinar obrigações.

A ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), conta que a técnica jurídica surgiu na Inglaterra e chegou ao Brasil no final dos anos 60, especialmente com os trabalhos do jurista e professor Rubens Requião. “Hoje ela é incorporada ao nosso ordenamento jurídico, inicialmente pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC) e no novo Código Civil (CC), e também nas Leis de Infrações à Ordem Econômica (8.884/94) e do Meio Ambiente (9.605/98)”, informou. A ministra adicionou que o STJ é pioneiro na consolidação da jurisprudência sobre o tema.

Um exemplo é o recurso especial (REsp) 693.235, relatado pelo ministro Luis Felipe Salomão, no qual a desconsideração foi negada. No processo, foi pedida a arrecadação dos bens da massa falida de uma empresa e também dos bens dos sócios da empresa controladora. Entretanto, o ministro Salomão considerou que não houve indícios de fraude, abuso de direito ou confusão patrimonial, requisitos essenciais para superar a personalidade jurídica, segundo o artigo 50 do CC, que segue a chamada “teoria maior”.

Segundo Ana de Oliveira Frazão, advogada, professora da Universidade de Brasília (UnB) e especialista no tema , hoje há duas teorias para aplicação da desconsideração. A maior se baseia no antigo Código Civil e tem exigências maiores. Já na teoria menor, com base na legislação ambiental e da ordem econômica, o dano a ser reparado pode ter sido apenas culposo e se aplica, por exemplo, quando há desvio de finalidade da empresa.

“Acho a teoria menor muito drástica, pois implica a completa negação da personalidade jurídica. Todavia, entendo que pequenos credores, como consumidores, e credores involuntários, como os afetados por danos ambientais, merecem tutela diferenciada”, opina a professora.

Teoria menor

Um exemplo da aplicação da teoria menor em questões ambientais foi o voto do ministro Herman Benjamin no REsp 1.071.741. No caso, houve construção irregular no Parque Estadual de Jacupiranga, no estado de São Paulo. A Segunda Turma do STJ considerou haver responsabilidade solidária do Estado pela falha em fiscalizar.

Entretanto, a execução contra entes estatais seria subsidiária, ou seja, o estado só arcaria com os danos se o responsável pela degradação ecológica não quitasse a obrigação. O ministro relator ponderou que seria legal ação de regresso que usasse a desconsideração caso o responsável pela edificação não apresentasse patrimônio suficiente para reparar o dano ao parque.

Outro julgado exemplar da aplicação da teoria menor foi o REsp 279.273, julgado pela Terceira Turma do STJ. Houve pedido de indenização para as vítimas da explosão do Shopping Osasco Plaza, ocorrida em 1996. Com a alegação de não poder arcar com as reparações e não ter responsabilidade direta, a administradora do centro comercial se negava a pagar.

O relator do recurso, ministro Ari Pargendler, asseverou que, pelo artigo 28 do CDC, a personalidade jurídica pode ser desconsiderada se há abuso de direito e ato ilícito. No caso não houve ilícito, mas o relator afirmou que o mesmo artigo estabelece que a personalidade jurídica também pode ser desconsiderada se esta é um obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

Cota social

Entre as teses consolidadas na jurisprudência do STJ está a aplicada no REsp 1.169.175, no qual a Terceira Turma, seguindo voto do ministro Massami Uyeda, decidiu que a execução contra sócio de empresa que teve sua personalidade jurídica desconsiderada não pode ser limitada à sua cota social. No caso, um professor sofreu queimaduras de segundo grau nos braços e pernas após explosão em parque aquático.

A empresa foi condenada a pagar indenização de R$ 20 mil, mas a vítima não recebeu. A personalidade da empresa foi desconsiderada e a execução foi redirecionada a um dos sócios. O ministro Uyeda afirmou que, após a desconsideração, não há restrição legal para o montante da execução.

Desconsideração inversa

Pessoas físicas também tentam usar pessoas jurídicas para escapar de suas obrigações. No REsp 948.117, um devedor se valeu de empresa de sua propriedade para evitar execução. Para a relatora, ministra Nancy Andrighi, seria evidente a confusão patrimonial e aplicável a “desconsideração inversa”. A ministra ressalvou que esse tipo de medida é excepcional, exigindo que se atendam os requisitos do artigo 50 do CC.

Empresa controladora

Outro exemplo de aplicação da desconsideração da personalidade foi dado no REsp 1.141.447, relatado pelo ministro Sidnei Beneti, da Terceira Turma do STJ. No caso, desconsiderou-se a personalidade jurídica da empresa controladora para poder penhorar bens de forma a quitar débitos da sua controlada.

O credor não conseguiu encontrar bens penhoráveis da devedora (a empresa controlada), entretanto a empresa controladora teria bens para quitar o débito. Para o ministro Beneti, o fato de os bens da empresa executada terem sido postos em nome de outra, por si só, indicaria malícia, pois estariam sendo desenvolvidas atividades de monta por intermédio de uma empresa com parco patrimônio.

Entretanto, na opinião de vários juristas e magistrados, a desconsideração não pode ser vista como panaceia e pode se tornar uma faca de dois gumes. A professora Ana Frazão opina que, se, por um lado, aumenta a proteção de consumidores, por outro, há o risco de desestimular grandes investimentos. Esse posicionamento é compartilhado por juristas como Alfredo de Assis Gonçalves, advogado e professor aposentado da Universidade Federal do Paraná, que teme já haver uso indiscriminado da desconsideração pelos tribunais.

A ministra Nancy Andrighi, entretanto, acredita que, no geral, os tribunais têm aplicado bem essa técnica. Ela alertou que criminosos buscam constantemente novos artifícios para burlar a legislação. “O que de início pode parecer exagero ou abuso de tribunais na interpretação da lei, logo se mostra uma inovação necessária”, declarou.

Fraudes e limites

A ministra do STJ dá como exemplo um recente processo relatado por ela, o REsp 1.259.018. A principal questão no julgado é a possibilidade da extensão dos efeitos da falência a empresas coligadas para reparar credores. A ministra Nancy apontou que haveria claros sinais de fraude, com transferência de bens entre as pessoas jurídicas coligadas e encerramento das empresas com dívidas. Para a ministra, os claros sinais de conluio para prejudicar os credores autorizaria a desconsideração da personalidade das empresas coligadas e a extensão dos efeitos da falência.

Impor limites ao uso da desconsideração também é preocupação constante de outros magistrados do STJ, como manifestado pelo ministro Massami Uyeda em outro processo. No REsp 1.080.682, a Caixa Econômica Federal, por meio da desconsideração, tentou cancelar a transferência de imóvel para pessoa jurídica em processo de falência.

O bem pertencia ao ex-administrador da empresa falimentar e, segundo a Caixa, seria uma tentativa de mascarar sua verdadeira propriedade. Contudo, o ministro Uyeda apontou que a transferência do imóvel ocorreu mais de um ano antes da tentativa de penhora. Além disso, naquele momento, o proprietário do imóvel não administrava mais a empresa.

Coordenadoria de Editoria e Imprensa

domingo, 30 de outubro de 2011

Novo Código Comercial

Valor Econômico – Legislação & Tributos – 28.10.2011 – E1

Novo Código Comercial é criticado

Por Bárbara Pombo | De São Paulo

O projeto de lei do novo Código Comercial, em trâmite na Câmara dos Deputados desde junho, já sofre críticas quanto a sua relevância e inovação. Para juristas e advogados, o texto repete dispositivos de outras leis e confronta questões consolidadas no mercado. Durante um seminário sobre o projeto de lei, realizado ontem na Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), houve consenso de que o código se sobreporia às leis das S.A. e de Falências, o que poderia gerar insegurança jurídica. "Se os princípios são novos podem entrar em colisão desastrosa com o que está regulamentado. Qualquer intervenção do código não seria bem-vinda", disse o doutor em direito comercial e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRG), Carlos Klein Zanini.

O jurista e autor da proposta, Fábio Ulhoa Coelho, afirma que a Lei de Falências (nº 11.101, de 2005) será adaptada, a partir de um novo código, na parte referente à classificação dos credores. Pelo artigo 598 do projeto, os credores serão classificados pelo plano de recuperação de acordo com a correspondente importância estratégica para a continuidade da atividade empresarial. Em caso de falência, o critério seguido seria o já determinado pela lei específica. "A ordem de classificação da empresa em recuperação segue uma lógica econômica diferente da que está em falência", afirma Ulhoa. Advogados, no entanto, criticam a modificação por entenderem que a expressão "importância estratégica" deixaria margem para o devedor manipular a composição da assembleia a fim de obter maioria e aprovar o plano de recuperação.

Outro ponto alvo de críticas é o que trata das condições para a participação de empresas estrangeiros em companhias nacionais. O artigo 143 determina que o investidor estrangeiro só pode se tornar sócio de sociedades brasileiras se nomear e qualificar todos os seus sócios, diretos e indiretos. "É uma regra impraticável", diz Luciana Pires Dias, diretora da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). De acordo com ela, o custo para buscar as informações é maior do que a relevância delas no combate às fraudes, evasão de ativos ou lavagem de dinheiro. "Esses crimes devem ser abordados por tratados e convênios entre as polícias federais dos países", afirma Deborah Kishbaum, professora de direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP). Tanto Deborah quanto Luciana entendem que o impacto da norma seria a queda de pequenos investimentos no Brasil, o que diminuiria o leque de investidores e a liquidez das empresas.

Embora Ulhoa afirme que o texto do código não altera "nem uma vírgula" da Lei das S.A. (nº 6.404, de 1976), advogados entendem que haverá mudança de interpretação sobre a responsabilidade dos controladores. Os artigos 120 e 156 do projeto de lei determinam a responsabilização do sócio majoritário nos casos de abuso dos direitos societários ou de voto em investimentos de minoritários. No entanto, não prevê a necessidade de prova do abuso de poder que tenha prejudicado os pequenos acionistas.

Além das criticas ao conteúdo, juristas apontam que a elaboração de um novo código não melhoraria as relações contratuais nem a aplicação de leis empresariais. "Sem especialização dos juízes, não adianta mudar a lei", diz Luciano Timm, doutor em direito dos negócios e professor da Unisinos, no Rio Grande do Sul. Para Ary Oswaldo Mattos Filho, advogado e ex-presidente da CVM, não há necessidade de um novo código porque a legislação empresarial está em constante mudança diante da dinâmica da economia. "Temos normatizações de órgãos reguladores para acompanhar essas mudanças", afirma.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Portaria da PGFN sobre responsabilidade de codevedor em caso de dissolução irregular

PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL
PORTARIA Nº 713, DE 14 DE OUTUBRO DE 2011
Altera a Portaria PGFN nº 180, de 25 de fevereiro de 2010, publicada no D.O.U. de
26 de fevereiro de 2010 *.

DOU de 27/10/11, MF, pág. 13.

(*) Portaria PGFN nº 180/2010, Dispõe sobre a atuação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional no tocante à responsabilização de codevedor. Alterada pela Portaria PGFN nº 904, de 3 de agosto de 2010.
Alterada pela Portaria PGFN nº 1.242, de 2 de dezembro de 2010.

A PROCURADORA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL,
no uso das atribuições que lhe conferem o caput e incisos XIII e XVII
do art. 72 do Regimento Interno da Procuradoria-Geral da Fazenda
Nacional - PGFN, aprovado pela Portaria nº 257, de 23 de junho de
2009, do Ministro de Estado da Fazenda, resolve:
Art. 1º O § único do art. 2º da Portaria da Portaria PGFN nº
180, de 25 de fevereiro de 2010, passa a vigorar com a seguinte
redação:
"Art. 2º ................................................................................
Parágrafo único. Na hipótese de dissolução irregular da pessoa
jurídica, deverão ser considerados responsáveis solidários:
I - os sócios-gerentes e os terceiros não sócios com poderes
de gerência à época da dissolução irregular;
II - os sócios-gerentes e os terceiros não sócios com poderes
de gerência à época da dissolução irregular, bem como os à época do
fato gerador, quando comprovado que a saída destes da pessoa
jurídica é fraudulenta.
.................................................................................." (NR).
Art. 2º Esta Portaria entra em vigor na data da sua publicação.
ADRIANA QUEIROZ DE CARVALHO

Estabelecimento empresarial integra o patrimônio da sociedade

Informativo Nº: 0485      Período: 10 a 21 de outubro de 2011.
4 Turma
DISSOLUÇÃO. SOCIEDADE. INCLUSÃO. FUNDO DE COMÉRCIO.
 
 
A Turma reiterou o entendimento de que o fundo de comércio – também chamado de estabelecimento empresarial (art. 1.142 do CC/2002) – integra o patrimônio da sociedade e, por isso, deve ser considerado na apuração de haveres do sócio minoritário excluído de sociedade limitada. O fundo de comércio é o conjunto de bens  materiais (imóveis, bens, equipamentos, utensílios etc) e imateriais (marcas registradas, invenções patenteadas etc), utilizados por empresário individual ou sociedade empresária no exercício de sua atividade empresarial. O fato de a sociedade ter apresentado resultados negativos nos anos anteriores à exclusão do sócio não significa que ela não tenha fundo de comércio. Precedentes citados: REsp 52.094-SP, DJ 21/8/2000; REsp 271.930-SP, DJ 25/3/2002; REsp 564.711-RS, DJ 20/3/2006, e REsp 130.617-AM, DJ 14/11/2005. REsp 907.014-MS, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, julgado em 11/10/2011.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Novo Código Comercial

Jornal Valor Econômico - Legislação & Tributos - 27.10.10 + E2
Um novo processo empresarial em debate
 
Por Flávio Luiz Yarshell e Guilherme S. J. Pereira
 
Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 1.572, de 2011, que, baseado em moderna minuta elaborada pelo ilustre professor Fábio Ulhoa Coelho, objetiva instituir novo Código Comercial brasileiro e, assim, sistematizar e simplificar as normas do direito comercial. Sem fazer juízo quanto à necessidade de um novo Código, cabem, sob o ponto de vista processual, algumas breves observações sobre a disciplina que se pretende implantar. Embora haja disposições processuais outras ao longo daquele diploma, este artigo limitar-se-á a analisar duas figuras localizadas no capítulo intitulado Do processo empresarial.
 
Tal capítulo é composto por três artigos (655 a 657), dispondo o primeiro deles que em processos em que "o pedido compreender a aplicação de dispositivo deste Código" observar-se-ão as regras ali previstas (art. 655). O caput e o parágrafo 1º do art. 656, por sua vez, estatuem que a parte poderá requerer, em medida antecedente ou incidente ao processo, que o adversário diretamente lhe entregue documentos relevantes para a causa. Prosseguindo, ressalva-se que a ordem judicial só poderá ser descumprida quando o emissor ou destinatário do documento for advogado (parágrafo 3º) e, por fim, dispõe-se que quando determinada a referida entrega as partes só poderão utilizar como prova documental, no processo em curso ou que venha a se instalar, documentos que tenham sido permutados na forma desse incidente (parágrafo 5º).
 
Com isso, o Código pretende instituir, em litígios empresariais, figura similar à "discovery" ou à "disclosure", mecanismos de instrução preliminar do direito anglo-saxônico e que, resumidamente, estabelecem o dever de as partes produzirem prova em uma fase processual preambular (por exemplo, entregando documentos relacionados às suas pretensões). Esses mecanismos procuram imprimir ao processo contornos éticos e colaborativos, afastando o que a doutrina bem nomeou de emboscadas e surpresas processuais.
 
De um lado, verdade é que, permitindo-se - ou melhor, impondo-se - às partes que produzam prova antes do início do processo, elas terão maior conhecimento de fatos que, no mais das vezes, conhecem de modo parcial. Isso em tese estimula um litigar mais consciente e evita que o processo seja um duelo no escuro. Mais cientes quanto às suas chances de êxito, as partes tendem a deixar de ir ao Judiciário desnecessariamente e a buscar mecanismos de autocomposição (transação ou sujeição). Sob essa ótica, bastante salutar a previsão do Código. Outros aspectos da disciplina que o projeto quer implantar, contudo, merecem maior atenção.
 
Com efeito, as mesmas preocupações que foram levantadas nos sistemas de "common law" podem ser invocadas aqui. A primeira dela diz com o "discovery abuse", do qual é exemplo o pedido genérico de documentos e informações com o intuito de tumultuar e atrapalhar a parte contrária (fishing expedition). Preocupações legítimas existem também quanto aos custos e ao tempo que uma fase instrutória preliminar, caso não bem disciplinada, possa representar. O que dizer, então, de documentos que contenham segredo empresarial? Da mesma forma, há dúvida quanto à amplitude subjetiva desse dever, na medida em que o parágrafo 3º do art. 656 libera da entrega de documentos apenas o advogado. O que falar de outros profissionais que, por imperativo legal, também devem guardar sigilo sobre informações que detêm?
 
O art. 657, por sua vez, preceitua que, sendo complexa a causa, o julgador poderá nomear um facilitador, que elaborará um relatório arrolando as questões surgidas e as provas produzidas no decorrer do processo, sendo-lhe proibido manifestar opinião sobre o desfecho que este deve ter (parágrafos 3º e 4º). Os seus honorários serão fixados pelo juiz e pagos pelas partes.
 
Um primeiro comentário é que, na premissa de que preocupação do projeto com a criação dessa figura é a de instrumentalizar o Judiciário na solução de litígios de complexidade técnica elevada, talvez fosse melhor positivar figura similar à da "expert witness", técnica probatória utilizada em arbitragens e que consiste na oitiva de especialistas que auxiliem o julgador a melhor compreender uma controvérsia técnica. O facilitador organizará o processo, mas não ajudará na solução de questões intrincadas, que, dentre outros fatores, é o que canaliza litígios empresariais para a arbitragem.
 
Sem dúvida que o facilitador otimizará a atividade do magistrado, mas talvez fosse o caso de dar um passo adiante e estabelecer instituto análogo ao da testemunha técnica. Outras dúvidas que surgem: a remuneração do facilitador deve ser considerada como despesa processual reembolsável pela parte vencida (CPC, art. 20)? O pagamento dos honorários é um ônus ou um dever? A resposta a esta última pergunta é fundamental para que se estabeleça a consequência para o não pagamento.
 
Enfim, são apenas algumas observações preliminares sobre essas duas figuras que o Código pretende instituir. O balanço geral é sem dúvida positivo. Se bem empregados, os institutos podem ser muito úteis e contribuir para um processo mais célere e efetivo. Mas para que sejam bem empregados é salutar que se discipline mais detalhadamente os respectivos procedimentos e abrangência. Eis aqui uma recomendação aos nossos congressistas.
 
Flávio Luiz Yarshell e Guilherme Setoguti J. Pereiral são, respectivamente, advogado e professor titular da Faculdade de Direito da USP; advogado e mestrando na Faculdade de Direito da USP
 
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Seminários sobre Direito Comercial

Jornal do Commercio - Direito & Justiça - 27.10.2011 - B6

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Estatuto da Juventude marcado pela irrazoabilidade

Valor Econômico – Editorial - 13/10/2011 – A10

Estatuto da Juventude vai muito além do razoável
O Brasil é conhecido pelo excesso de leis e pela ausência de justiça. De 2000 a 2010, foram aprovadas 75 mil leis, entre decretos federais e legislação do Congresso Nacional e dos Estados, uma impressionante média de 18 por dia, segundo levantamento de "O Globo" (19 de junho). O custo dessa barafunda pesa especialmente sobre as camadas mais pobres, que arcam com impostos, o enorme desperdício de tempo e recursos que uma Justiça emperrada acarreta, sem sequer ter acesso a ela. Não há a menor chance de que essa fúria legiferante, que na maior parte do tempo produz peças inconstitucionais ou irrelevantes, possa ser estancada.

A tradição brasileira pelo detalhismo legal vem de longe e sempre acrescenta novos capítulos a uma velha história. Talvez estejamos na era dos estatutos. Ao dos idosos e das crianças, a Câmara dos Deputados acrescentou um esdrúxulo Estatuto da Juventude, patrocinado pelo PCdoB e pela União Nacional dos Estudantes. Aos pendores dos ex-maoístas pelo exótico (a instituição do Dia do Saci) e pelo corporativismo somou-se a convicção habitual dos parlamentares de que a concessão de benefícios amplos não tem custos para ninguém. O resultado foi a aprovação ampla e geral de descontos de 50% para estudantes em eventos culturais, jogos esportivos, transportes municipais e interestaduais - no caso dos ônibus, o texto deixa bem claro, "independentemente da finalidade da viagem".

Os legisladores não se intimidaram diante da intratável tarefa de definir onde começa e onde acaba a juventude e concederam um intervalo generoso - ela vai dos 15 aos 29 anos. Soube-se pelo projeto que durante os 15 anos que separam, para efeitos legais, o ingresso da juventude e seu fim, o próprio estado de juventude evolui por estágios, algo até agora despercebido por aqueles que não se deram ao trabalho, ou não têm tempo, de filosofar sobre a questão. O projeto aprovado, que não tem restrições ao ridículo, classifica as faixas etárias de uma forma curiosa e pelo menos original. De 15 a 16 anos, as pessoas são jovens-adolescentes e entre os 18 e os 24 anos se tornam jovens-jovens. A partir daí, até os 29 anos, já bem mais experientes, são jovens-adultos.

No fim das contas, ou no início delas, crescerá bastante a demanda por carteiras de estudantes emitidas pela UNE, que assim ganhará muito mais fregueses para seu cartório. As receitas extras se adicionarão aos auxílios oficiais que recebe e que a tornou mais um apêndice dos governos petistas. Algo parecido ocorreu com os sindicatos, que continuam recebendo o imposto sindical apesar de o PT ter nascido brigando contra ele e ter prometido milhares de vezes extingui-lo.

Os benefícios estabelecidos pela Câmara atingem um público potencial de 51,34 milhões de brasileiros, o total de pessoas que se incluem na faixa etária dos 15 aos 29 anos, segundo o Censo de 2010 do IBGE, ou 27% da população brasileira. Alguém terá de pagar a conta, mas o projeto se inclina para jogá-la nas costas dos contribuintes, isto é, dos governos, que teriam de acabar subsidiando as empresas. A única singela exigência do estatuto para uma vantagem que atinge quantidade tão grande de brasileiros é a de que ela não provoque aumento das tarifas de ônibus, o que fatalmente ocorrerá se as empresas privadas tiverem de arcar com os custos das benesses.

Um pouco de bom senso acabou prevalecendo em outro trem da alegria, desta vez não apenas para estudantes, incluído no projeto. Ele previa a criação de Conselhos da Juventude nos Estados e municípios brasileiros, com cargos remunerados. Para fazer patrioticamente cumprir a lei, os contribuintes seriam novamente chamados a comparecer com seu dinheiro. Isso ainda pode acontecer, mas ficou a cargo de governos e prefeituras a decisão de criação desses conselhos e a alocação de recursos para eles.

Nos seus pontos principais, o Estatuto faz pouco sentido, e quando não trata de vantagens espertas, mas de direitos, repete os que já são garantidos pela Constituição e que não dizem respeito só aos jovens, mas aos cidadãos em geral. É importante que os jovens, em geral sem renda, e até as crianças, tenham acesso aos bens culturais, um meio insubstituível para a construção da cidadania e da individualidade. Pode-se discutir se para isso os custos deveriam ser rateados por empresas e órgãos públicos, ou se programas empresariais poderiam ter algum tipo de incentivo, por exemplo. O que o Estatuto propõe, porém, vai muito além do razoável.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Responsabilidade por protestos indevidos de duplicatas endossadas

Notícias do STJ
Segunda Seção define responsabilidade de bancos em protesto de duplicatas endossadas

05/10/2011

A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu duas teses referentes à responsabilidade de bancos na cobrança de duplicatas endossadas. Os dois casos julgados como representativos de controvérsia repetitiva envolviam o Banco do Brasil (BB). As matérias com tese fixada são a culpa do endossatário em caso de endosso-mandato e de endosso translativo.

Endosso-mandato

No REsp 1.063.474, o BB alegou não ter responsabilidade pelo protesto tido como indevido da duplicata. Ao julgar a questão, o ministro Luis Felipe Salomão, acompanhado pela unanimidade da Segunda Seção, definiu a seguinte tese: “Só responde por danos materiais e morais o endossatário que recebe título de crédito por endosso-mandato e o leva a protesto, se extrapola os poderes de mandatário ou em razão de ato culposo próprio, como no caso de apontamento depois da ciência acerca do pagamento anterior ou da falta de higidez da cártula.”

Segundo o relator, o endosso-mandato é espécie de endosso impróprio, modalidade pela qual o endossante (credor) encarrega o endossatário (o banco) dos atos necessários para o recebimento dos valores representados no título, transferindo a este apenas seus direitos cambiais. Conforme o ministro, esse tipo de ato é forma simplificada de outorga de mandato, exclusivamente cambial e concretizada por cláusula no próprio título.

“É o endosso a que faz menção o artigo 18 da Lei Uniforme de Genebra, relativa a nota promissória e letra de câmbio”, indicou. “Disposição semelhante é encontrada no artigo 26 da Lei do Cheque (Lei 7.357/85) e artigo 917 do Código Civil de 2002”, completou. Nesse tipo de endosso, a instituição financeira age não em nome próprio, mas do endossante. Por esse motivo é que o devedor pode opor exceções pessoais que tiver contra o endossante, mas nunca contra o endossatário.

Dessa forma, concluiu o ministro, o endossatário-mandatário responde por eventual culpa nos moldes do direito civil comum relativo aos mandatos, por exemplo ao extrapolar dos poderes outorgados ou agir com negligência, como na hipótese de protestar título que já tinha ciência de ser inválido ou estar quitado.

No caso concreto, porém, o BB não obteve êxito. O recurso foi negado porque o banco recebeu duplicata não aceita e sem nenhum comprovante da entrega da mercadoria ou da prestação de serviço, mas a protestou mesmo assim. Para a Seção, o título claramente não apresentava condições de exigibilidade, o que demonstraria a atuação negligente do banco na posição de endossatário-mandatário. A indenização devida ao suposto devedor foi mantida em R$ 7,6 mil, mais correção e juros.

Endosso translativo

A segunda tese foi definida no REsp 1.213.256. Nele, a Seção consolidou o entendimento de que “o endossatário que recebe, por endosso translativo, título de crédito contendo vício formal, inexistente a causa para conferir lastro à emissão de duplicata, responde pelos danos causados diante de protesto indevido, ressalvado seu direito de regresso contra os endossantes e avalistas”.

O ministro Salomão explicou que, nessa hipótese, o endosso é pleno e próprio: o endossador transfere ao endossatário o título e todos os direitos nele incorporados. O relator esclareceu também a diferença entre a duplicata “fria” (sem causa ou simulada) e aquela que teve origem em negócio desfeito ou descumprido.

Segundo o ministro, apesar de manter vínculo com a causa de origem para ser emitida, a circulação da duplicata mercantil, principalmente depois do aceite do sacado, é regida pelo princípio da abstração. Isto é, a duplicata se desliga da causa original ao circular no mercado. Por isso são inoponíveis exceções pessoais a terceiros de boa-fé, como é o caso do desfazimento do negócio jurídico que deu lastro inicial à emissão do título.

“O que confere lastro à duplicata mercantil que conta com ‘aceite’, como título de crédito apto à circulação, é apenas a existência do negócio jurídico subjacente, e não o seu adimplemento”, apontou o relator. “Coisa bem distinta é a inexistência de contrato de venda mercantil ou de prestação de serviços subjacente ao título de crédito – portanto, emitido sem lastro, hipótese em que há caracterização da simulação ou emissão de duplicata ‘fria’, prática, inclusive, considerada crime”, alertou o ministro Luis Felipe Salomão.

Para o relator, nessa situação, a inexistência do negócio que supostamente dá lastro ao título pode ser verificada pelo endossatário, pela falta do aceite ou do comprovante de entrega de mercadoria ou de prestação do serviço. Nessa hipótese, afirmou, o banco não pode protestar o título nem mesmo para se resguardar em futura ação de regresso contra o endossante, porque, ao receber título evidentemente sem causa, assumiu os riscos da inadimplência.

No caso concreto, o BB também não conseguiu decisão favorável. Para o ministro, ficou claro na sentença que as duplicatas protestadas não foram aceitas pelo devedor, nem houve prova de entrega das mercadorias. “Assim, cuida-se de genuínas duplicatas sem causa, cujo recebimento por endosso translativo transfere ao endossatário os riscos de intempéries relativas ao título recebido, inclusive o risco de protesto indevido”, concluiu.

Pelo protesto, o BB foi condenado a indenizar o autor da ação em dez salários mínimos vigentes à época da sentença, acrescidos de correção e juros.

Processos: REsp 1063474; REsp 1213256

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Histórias pessoais para contar e museu de rua

Jornal do Commercio – JC & Carreiras – 30.09.2011 – B-14
Lucia Cano
Histórias pessoais e museu de rua
Histórias para contar
Todo mundo sempre tem uma boa história para contar. Quando essa história integra um projeto social, que envolve diferentes públicos e objetivos complementares, ela fica melhor ainda.
De todos os projetos sociais que já tive a oportunidade de conhecer, um me sensibilizou muito e sempre me vem à lembrança: é o que resultou na série de livros para o programa de responsabilidade social da Federação Brasileira da Indústria Farmacêutica (Febrafarma).
Sob o título “Me conte a sua história – histórias reais de quem viveu a vida”, já foram lançados três volumes de depoimentos de idosos que vivem em abrigos, asilos e casas de repouso em várias cidades brasileiras.
Jorge Dias Souza, jornalista e escritor, com bagagem profissional em consultoria e administração empresarial, é autor e coordenador do projeto, cujo primeiro volume foi lançado em 2004.
Emoção, sensibilidade e solidariedade
O projeto é um exemplo de sensibilidade social. Resgata a autoestima dos idosos, respeita e valoriza as memórias que eles guardam e transmitem em depoimento a estudantes de Jornalismo.
Os jovens, alunos de faculdades de diferentes partes do País, são responsáveis pela apuração e redação final das histórias. Eles participaram de um programa de voluntariado e, assim, puderam interagir com os idosos e se exercitar para a profissão que escolheram seguir.
A receita da venda dos livros é doada a instituições de assistência a idosos e, como se essa fórmula já não fosse bastante completa, o projeto “Me conte a sua história” ainda tem o mérito de emocionar o leitor, qualquer que seja a história escolhida, qualquer que seja a edição.
A memória guarda fatos que se encaixam como as peças de um quebra-cabeça. Ao término da montagem, temos um quadro autêntico do que fomos e do que somos.
Por isso, os processos de resgate da memória enriquecem programas sociais e contribuem para a formação da cidadania. São sempre incentivados e podem servir de inspiração para outros projetos inovadores.
O passado sempre presente
O museu de rua é uma iniciativa que consagra a ideia de levar grandes painéis fotográficos para lugares públicos e acessíveis a todos. Os painéis são tratados com produtos impermeabilizantes e resistem à ação do sol e da chuva. Atualmente, essas exposições também agregam objetos e esculturas.
Os temas mais usuais desse museu móvel são a evolução de bairros e de cidades, os feitos esportivos, as conquistas tecnológicas. A mobilidade amplia o seu alcance, mas o segredo do sucesso reside na adesão das comunidades. As pessoas se orgulham de partilhar suas histórias, ceder fotos, documentos e objetos. Afinal, elas são as herdeiras e protagonistas de cada mostra.
Por sua versatilidade, o modelo do museu de rua também vem sendo adotado em projetos de educação ambiental e em ambientes fechados, expondo as memórias de escolas e empresas.
Recentemente o Instituto de Cultura Democrática (ICD), com o apoio da Universidade Nove de Julho (Uninove/SP), lançou um projeto de resgate da memória nacional, idealizado pelo jornalista Paulo Markun.
Através do site www.bradoretumbante.org.br, pessoas que participaram da luta pela democracia no País e da Campanha das Diretas Já, na primeira metade dos anos 1980, são convidadas a enviar fotos e depoimentos para compor um painel dos acontecimentos da época. Do material obtido, o jornalista pretende escrever um livro. Mas, é provável que a riqueza dessas memórias produza, além do livro, outras formas de se contar esse capítulo da nossa História.
O passado está sempre presente em nossas vidas. Com os modernos recursos da digitalização de documentos, dos chips de memória em equipamentos eletrônicos e das buscas pela internet, conquistamos um jeito rápido e confiável de armazenar, pesquisar e distribuir informação.
Depois desses avanços, a maneira como nos relacionamos com as memórias nunca mais será a mesma, exceto por aquelas porções de fantasias, aspirações e emoções que dão o tom particular e intransferível das histórias de cada um de nós.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Novo Código Comercial

A seguir são reproduzidos artigos publicados no site da Bovespa. Os artigos de Arnoldo Wald, Jorge Lobo e Leslie Amendolara haviam sido postados no blog e podem ser vistos na seleção de matérias sobre o Novo Código Comercial. Como o artigo do prof. Fábio Ulhoa também já havia sido divulgado no blog, mas sofreu agora algumas modificações, a opção foi apresentar aqui a nova versão.


Espaço Jurídico Bovespa

Novas bases para o Direito Empresarial


29|09|2011

Não há dúvida de que a renovação ou não da legislação empresarial, com a discussão sobre um possível novo Código Comercial, é um dos temas em pauta no meio jurídico especializado nesta área. O Espaço Jurídico BM&FBOVESPA publica alguns artigos elaborados por agentes envolvidos nesta questão ? Arnoldo Wald, Jorge Lobo, Fábio Ulhoa Coelho, Leslie Amendolara, Ligia Paula Pires Pinto Sica, com o objetivo de colaborar na formulação de novas ideias nesta etapa dos debates.

Confira a seguir:

Contexto econômico pede sistema jurídico mais coerente e seguro - Por Arnoldo Wald
Conjunto de princípios pode ordenar o mundo dos negócios pós-industrial - Por Jorge Lobo
Proposta pode trazer mais previsibilidade e menos riscos à microeconomia ? Por Fábio Ulhoa Coelho
Novo código deve considerar as características próprias do mercado de capitais - Por Leslie Amendolara
Com projeto, debate agora tem bases concretas - Por Ligia Paula Pires Pinto Sica


Artigo

Proposta pode trazer mais previsibilidade e menos riscos à microeconomia

Por Fábio Ulhoa Coelho*

29|09|2011

Segurança jurídica está relacionada à previsibilidade das decisões judiciais. Quando as pessoas passam a ter dificuldade de antecipar como serão, em geral, decididos os processos pelo Poder Judiciário, reduz-se a segurança jurídica. A multiplicação de casos substancialmente iguais julgados de modo diferente pelos juízes alimenta a sensação de insegurança.

Para o regular funcionamento da economia é crucial um ambiente de segurança jurídica. As empresas definem o preço de seus produtos com a expectativa do cumprimento dos contratos fechados com fornecedores; ou, pelo menos, com a expectativa de que, se um deles não for cumprido, o juiz determinará seu cumprimento. Quando aumenta a freqüência com que se frustram tais expectativas, a imprevisibilidade das decisões judiciais torna-se um risco a ser considerado, pelas empresas, na composição dos preços.

Quanto menor a segurança jurídica, portanto, mais caros serão os produtos adquiridos por nós, consumidores, em razão do risco que uma decisão imprevisível representa. No plano da economia global, as empresas sediadas em países de baixa segurança jurídica têm menos competitividade, porque devem praticar preços maiores, em razão do risco associado à imprevisibilidade das decisões judiciais.

Claro que a previsibilidade, em matéria jurídica, nunca é total. Há uma margem tolerável de decisões imprevisíveis, com a qual a economia consegue conviver perfeitamente. Quando ultrapassada esta margem de tolerância, contudo, o nível de segurança jurídica baixa demais e a economia se contamina por um perverso elemento de irracionalidade.

No Brasil, hoje, as decisões judiciais relativas aos contratos entre as empresas (importante campo da microeconomia) têm sido cada vez mais imprevisíveis. A imprevisibilidade ameaça ultrapassar os limites do tolerável. Contratos de uma indústria com seus fornecedores ou distribuidores têm sido revistos pelos juízes, e os contratantes dispensados do cumprimento das obrigações contratadas, comprometendo-se, então, o regular encadeamento dos negócios e as margens esperadas de lucro.

Qual a causa da disseminação da insegurança jurídica nas relações entre as empresas? Como reconstruir o ambiente de segurança jurídica, indispensável ao desenvolvimento econômico?

Para muitos estudiosos, a segurança jurídica seria alcançada mediante o aperfeiçoamento das leis. Quanto mais claras, racionais e adequadas forem, menor o espaço para interpretações imprevistas. É verdade que leis confusas, irracionais e descoladas da realidade geram um clima de insegurança no direito. Mas não basta aperfeiçoá-las para termos segurança jurídica. A questão é bem mais complexa.

A explicação para o aumento da imprevisibilidade nas decisões judiciais relativas à legislação empresarial está ligada aos princípios jurídicos. Cada ramo jurídico possui seus princípios fundadores: o direito do trabalho, por exemplo, funda-se no princípio da proteção do empregado hipossuficiente; o ambiental, no princípio do poluidor-pagador, e assim por diante. Os princípios são estudados com afinco por cada ramo jurídico e servem, atualmente, de parâmetro firme aos juízes para decidirem os processos.

Quando os juízes estão convencidos da pertinência dos princípios fundadores de certa disciplina jurídica, robustece-se a segurança jurídica. As decisões judiciais voltam a ser previsíveis, em razão da força destes princípios. Mesmo que as leis não sejam boas, os princípios, quando conhecidos e valorizados pelos juízes, contribuem para a previsibilidade.

No direito empresarial, contudo, o que lamentavelmente se verifica é a atual debilidade dos princípios fundadores. Ao contrário de outras disciplinas jurídicas, o direito de empresa descuidou-se de cultivá-los e isto ocasionou o aumento da insegurança jurídica na área. Pensa-se, hoje, equivocadamente, que os princípios do direito comercial serviriam apenas para a proteção dos interesses individuais dos empresários. A relação entre estes princípios e a proteção do interesse de toda a sociedade não tem sido mais facilmente percebida pelos juízes.

A cada princípio corresponde, na verdade, um valor social. Os valores do direito empresarial estão esgarçados. Para recosê-los, devem os estudiosos da área se reunir com mais frequência, em Seminários e Congressos; os trabalhos acadêmicos precisam se dedicar aos princípios, tanto na graduação como na pós-graduação; e doutrina jurídica urge ser produzida em torno do assunto – são medidas indispensáveis para que os futuros juízes tenham conhecimento dos fundamentos dos princípios do direito empresarial já nos bancos universitários, e incorporem os valores correspondentes.

Tal caminho, vê-se, é longo, tortuoso e demorado de percorrer. Há um atalho, porém. Se aprovarmos um novo Código Comercial, o esforço de reconstrução dos valores do direito empresarial ganharia substancial ajuda. Precisamos, claro, de um Código com forte cunho principiológico; que consagre, na lei, os princípios jurídicos indispensáveis ao regular funcionamento da microeconomia. É um atalho porque a mudança legislativa exigiria que todos os profissionais da área, inclusive os juízes, se informassem sobre as novidades, difundindo-se, então, os princípios fundadores do direito de empresa. O Código Civil continuaria, claro, sendo o diploma do regime geral do direito privado.

A discussão sobre a pertinência de um novo Código Comercial para o Brasil abarca, assim, não somente aqueles motivos pelos quais normalmente se empreende uma recodificação (que são a modernização das disposições legais, a eliminação de lacunas, a correção de erros e a sistematização de normas dispersas). Justifica-se a discussão como instrumento de recuperação da segurança jurídica nas relações entre os empresários.

Este é o sentido do Projeto de Lei 1.572/11, que institui o Código Comercial. Em sua tramitação, já iniciada e que conduzirá ao necessário aperfeiçoamento do texto (com as críticas e sugestões que têm recebido e receberá de comercialistas de todo o país), este projeto será o instrumento de construção do consenso entre as forças vivas da sociedade, interessadas na construção, no Brasil, de um salutar ambiente de segurança jurídica para a microeconomia.

* É jurista e Professor da PUC-SP


Artigo

Com projeto, debate agora tem bases concretas

Por Ligia Paula Pires Pinto Sica*

29|09|2011

Em 14 de junho, foi apresentado, na Câmara dos Deputados, projeto de lei instituindo novo Código Comercial para disciplinar, no âmbito do direito privado, “a organização e a exploração da empresa”.

Segundo a ficha de tramitação, a proposta foi do deputado Vicente Cândido (PT-MG). A iniciativa, porém, é do autor intelectual do projeto, o jurista Fabio Ulhoa Coelho, que o publicou sob a forma de livro no começo deste ano, denominado “O Futuro do Direito Comercial”.

Neste livro, o autor intelectual do projeto de Código Comercial introduz o que julga ser o desafio do Direito Comercial brasileiro, qual seja, a necessidade de “recoser” os seus valores “esgarçados”. Nessa retomada de afirmação de valores, o autor do livro – e do anteprojeto – alerta para o erro de ter sido promulgada em 2003 a codificação civilista que unificou o direito privado das obrigações e propõe como solução para o problema, a revogação das normas promulgadas no Código Civil, mais especificamente no livro “Direito de Empresa”.

É fato que os comercialistas se viram em uma situação delicada com a promulgação do Código Civil brasileiro, o qual reúne dispositivos que revogam a maioria dos capítulos do Código Comercial de 1850, ainda que se frise que remanesce a diferenciação entre as matérias de Direito Civil e Comercial, de acordo com suas lógicas peculiares.

Tendo o novo Código introduzido diversas normas de caráter geral, esta autora chegou a publicar trabalho em janeiro de 2008 sob o título “Obrigações Empresariais no novo Código Civil”. Neste, o problema dado era o mesmo, mas a solução apresentada foi a utilização do alargamento dos poderes do juiz e da jurisprudência na aplicação dessas normas de maneira casuística, dando-lhes tratamentos distintos de acordo com os fatos apresentados em juízo, de forma a manter a autonomia das áreas do Direito mencionadas e garantir aos agentes econômicos o grau de segurança e previsibilidade necessário às suas atuações no mercado.

Em que pese a opinião acadêmica ora expressa, fato é que o problema existe e, à época da publicação do referido trabalho, não havia um projeto de novo Código Comercial tramitando na Câmara.

Segundo as informações da Câmara Federal referentes ao deputado Vicente Cândido, é possível encontrar dois requerimentos datados de 27 e 28 de abril deste ano, por meio dos quais foi solicitada audiência pública para subsidiar o debate sobre um novo Código Comercial.

Em paralelo a essas audiências públicas, é necessário que juristas e advogados iniciem um franco debate sobre os termos do projeto, razão pela qual irei apresentá-lo sem me alongar e sem tecer nenhum juízo de valor, na tentativa de expor alguns pontos que precisam de uma análise mais profunda. Dois desses pontos, a meu ver, é o tratamento do Direito Societário e do Direito de Recuperação de Empresas e Falências pelo Projeto de novo Código.

O primeiro Livro do Projeto é denominado “Da Empresa” e serve para, além de introduzir o Código, definir empresa de forma clássica como “atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços”, diferenciá-la de outras atividades e dispor sobre os princípios que deverão reger todas as disposições do Código, quais seja: a liberdade de iniciativa, a livre competição e a função social da empresa.

Já o segundo livro trata das sociedades empresárias e, curiosamente, inclui o tratamento das sociedades anônimas, propondo, então, não só a revogação das normas de Direito Societário apresentadas pelo Código Civil, sabidamente problemáticas, mas também a revogação de parte da Lei 6404/76 e suas alterações, a usualmente chamada Lei das S/A. Digo parte pois o artigo 144, parágrafo único do Projeto traz a remissão a aplicação subsidiaria de lei especial no que não for regulado naquele Código.

E não há como ser diferente. Afinal, as regras atualmente atinentes às sociedades anônimas abertas e sua atuação no mercado de capitais estão calcadas não só na Lei das S/A, mas em diversas instruções normativas da CVM, além de diretivas dos órgãos auto-reguladores. Além disso, em que pese a argumentação de que a legislação esparsa em matéria de Direito Empresarial é abundante e isto atrapalha o exercício da atividade do advogado, importa também ressaltar que este fato existe porque a atividade empresarial é muito dinâmica, o empresariado é muito criativo e a legislação codificada não dá conta de tutelar todas as situações vividas pela prática empresarial, em constante desenvolvimento.

Já o terceiro Livro da legislação projetada trata das “obrigações dos empresários” por meio das “Das normas específicas sobre as obrigações entre empresários”. O seu artigo 268, define critério subjetivo para classificação da obrigação como empresarial eis que, segundo o preceito, aplicar-se-iam as normas especificas da legislação projetada quando a relação obrigacional envolver, como credor e devedor principal, apenas empresários ou em caso de credor ou devedor sócio ou administrador de sociedade empresária e a outra parte, empresário.

O critério objetivo, porém, também foi trazido pelo parágrafo único do mesmo artigo, estendendo a aplicação das normas aos contratos e títulos de crédito disciplinados no Código ou na legislação comercial, deixando margem para o debate sobre a aplicação desses preceitos. Afinal, uma nota promissória é um título de crédito que pode ser utilizado em qualquer contrato de mútuo ou compra e venda não mercantil celebrada entre não empresários e a presença deste, por si só, deveria configurar a obrigação objeto do contrato como empresarial?

Ainda no Livro III, são tutelados diversos contratos em espécie, tidos como “contratos empresariais” e a referida matéria dos títulos de crédito, incluindo desde as matérias reguladas pela Lei Uniforme de Genebra até os modernos títulos de crédito eletrônicos e suas assinaturas por meio de certificação.

O quarto e penúltimo Livro do Projeto trata “Da crise da empresa”, o que levaria a crer que o projeto propõe seja revogada a nova Lei de Recuperação e Falências, promulgada em 2005 após longa tramitação e debates. O artigo 599 do Projeto, todavia, faz remissão a uma “Lei Processual de Recuperação e Falência”, que seria a reminiscência das matérias não tratadas no Código, em especial, as de cunho processual.

Segundo o referido artigo, a Lei Processual disciplinaria os requisitos e procedimento da recuperação judicial, da homologação da recuperação extrajudicial e da falência; o procedimento especial de recuperação judicial de microempresários e empresários de pequeno porte; a ação revocatória, o pedido de restituição, a verificação de créditos e demais incidentes; além das “demais disposições relativas à recuperação de empresa e falência”, não previstas no Código projetado.

Assim, o Projeto tenta fazer o que os falencistas nunca fizeram, ou seja, disseca o Direito Concursal e divide-o em matérias de cunho processual e substancial e pretende que o Código projetado trate, tão somente, da parte de direito material do Direito de Recuperação de Empresas em Crise e Falências.

O último é o Livro V, que cuida “Das disposições finais e transitórias”, delimitando ainda mais o alcance do Código Comercial projetado, indicando legislações esparsas que não devem ser revogadas pelo Código.

Colocados esses argumentos, fica o convite para que os juristas enviem suas considerações, para que todos possamos contribuir para o debate do Direito Empresarial Brasileiro.

*Membro do Núcleo de Direito dos Negócios da DireitoGV

Riscos criminais nas atividades empresariais

Jornal Valor Econômico – Legislação & Tributos – 03.10.2011 - E2

Redução de riscos na atividade empresarial

Por Beatriz Rizzo

Houve, num passado não tão distante, a ideia preponderante de que a prática de crime, ou o comportamento desviante, era algo quase que exclusivo e inerente às classes sociais menos favorecidas, marginais em relação aos centros de poder político e econômico.

A partir de meados do século passado, concomitantemente ao aparecimento do conceito de sociedade de risco, e a partir do desenvolvimento das teorias criminológicas sobre os white-collar crimes, uma ideia oposta vem sendo firmada: o empresário, assim como as demais pessoas que representam as elites política e econômica, é um criminoso em potencial.

Nas sociedades altamente industrializadas, informatizadas e globalizadas, a atividade de geração de riquezas criou novos riscos, de grande extensão e profundidade - daí o conceito de sociedades de risco - para sua própria continuidade e para a preservação do planeta.

A essa nova ordem social vem sendo contraposta, numa tentativa de controle e prevenção, uma administração pública cujas políticas executivas e legislativas adotaram a feição de um "Estado de segurança", que tem como característica a proliferação de normas sancionatórias de caráter administrativo e penal.

O novo direito penal faz do empresário um criminoso em potencial

A expansão do direito penal para uma área tradicionalmente, até então, imune, ou de pouca expressão (ambiente, relações de consumo, ordem econômica, financeira e tributária, organização do trabalho etc) faz nascer o conceito de criminal compliance, como atividade indispensável à redução de riscos - e, por isso, de redução de prejuízos e danos - no desempenho das mais diversas atividades econômicas.

Buscando conferir segurança às práticas do mercado financeiro mundial teve início a criação de sistemas legais de caráter regulatório, característica esta que vem se estendendo para todas as demais atividades econômicas, especialmente as que envolvam riscos.

Com isso, aparece, na nova ordem mundial, um conflito entre os objetivos da atividade econômica - maximizar recursos e receitas, aumentar produtividade - e os deveres que as instituições públicas nacionais e internacionais impõem ao empresário - prudência e conservadorismo financeiros, responsabilidade social, responsabilidade ambiental etc.

Surgem também uma série de agências administrativas oficiais fiscalizadoras e controladoras das mais diversas atividades econômicas, ao mesmo tempo em que as próprias empresas passam a contar com setores específicos que, quando não por imposição legal (como são os compliance offices das instituições financeiras), têm como missão fazer com que o exercício da atividade econômica ocorra em conformidade com a legislação.

Isso porque se, de um lado, os governos fomentam o exercício dessa atividade econômica responsável com a criação de variados benefícios e incentivos fiscais, de outro lado, esse mesmo governo pune, cada vez mais severamente, o descumprimento da norma. Faz crescer, em extensão e severidade, o número de infrações e punições administrativas e lança mão do que vem sendo chamado de "o novo direito penal".

As características mais marcantes da nova teoria do tipo penal já em formação são: (i) a antecipação do campo do ilícito para a criação, mesmo por omissão, de um risco não permitido, um perigo abstrato de que determinada conduta, ou sua omissão, possam levar a um dano (ao sistema financeiro, ao ambiente, às relações de consumo, à saúde pública etc). Criminosa passa a ser a causação de mero risco, até mesmo abstrato, e não apenas a causação de dano; (ii) a ampliação da imputação penal para as pessoas jurídicas e não apenas para as pessoas físicas que tenham praticado a ação considerada criminosa.

A atuação das instituições policiais e da Justiça criminal vem mudando sensivelmente. A nova ordem jurídica busca fixar responsabilidades "up to down" e, assim, pessoas antes descartadas nas investigações e excluídas do processo passam a ser investigadas, indiciadas e réus. Gestores de empresas são investigados em inquérito policial por terem contratado empresa prestadora de serviços em cujo quadro de funcionários havia pessoas em condições tidas como de trabalho escravo; gestores de empresas são investigados em inquérito policial por terem contratado agência que elaborou campanha publicitária usando modelo fotográfico menor de idade, em poses tidas como inadequadas para a idade; gestores de empresa e a própria empresa são como réus em processo-crime que apura desmatamento, em fazenda arrendada, mas que integra o patrimônio da empresa; há contadores indiciados, juntamente com seus clientes, por crime de sonegação fiscal e, pelo mesmo crime, há advogados respondendo a processo em coautoria com seus clientes, em razão de planejamentos tributários tidos como fraudulentos. Fatos como esses são cada vez mais frequentes, especialmente quando envolvem a contratação de colaboradores, ou outras empresas prestadoras de serviços.

A criação desse novo direito penal faz do empresário e daqueles que lhe prestam serviços, criminosos potenciais, no mínimo. Faz da assistência consultiva preventiva de natureza criminal - criminal compliance - um braço fundamental para mitigar os riscos da atividade econômica; reduzir seus custos, inclusive o de virar caso de polícia estampado em todos os veículos de comunicação de massa, com gravíssimas consequências para a imagem de empresa e empresários e, em última instância, para prevenir a sempre assustadora, destrutiva e estigmatizante sujeição a penas de natureza criminal.

Beatriz Rizzo é mestre em ciências criminais pela Universidade de Coimbra e advogada do Viseu Advogados

Regulamentação da CF/88

Jornal Valor Econômico – Política – 03.10.2011 – A8

Grupo de juristas trabalha para regulamentar Constituição de 1988


Por Raquel Ulhôa | De Brasília

Pedro Taques: "Alguns falam em criar nova Constituição. Acho um absurdo. Não estamos vivendo uma ruptura social, para que tenhamos outra Constituição"
A Constituição Federal completa 23 anos de sua promulgação na quarta-feira, 5 de outubro, com mais de 60 emendas já aprovadas em seu texto e inúmeros dispositivos pendentes de regulamentação, como o que prevê o direito de greve do servidor público e o que estabelece o aviso prévio proporcional ao tempo de serviço.

Ex-procurador da República, o senador Pedro Taques (PDT-MT) quer comemorar a data com uma ação efetiva pela aprovação das leis necessárias à regulamentação - ordinárias ou complementares - para que a Constituição ganhe, finalmente, a "força normativa" que, em sua opinião, precisaria ter.

Com um grupo de juristas, Taques está fazendo um levantamento dos dispositivos pendentes de regulamentação e dos projetos em tramitação no Congresso que visam complementar a normatização da Constituição. O senador pretende apresentar, ainda em outubro, em "homenagem" ao aniversário da promulgação, um pacote de propostas com esse objetivo.

"Alguns falam em criar nova Constituição. Acho um absurdo. Nós temos uma que precisa ser cumprida. Não estamos vivendo uma ruptura social, para que tenhamos outra Constituição", diz ele.

Taques cita alguns exemplos mais emblemáticos de temas ainda pendentes de leis. Um deles é o Estatuto da Magistratura (artigo 93), cuja proposta só pode ser de iniciativa do Supremo Tribunal Federal (STF). Outro caso é a tipificação do crime do terrorismo (artigo 5º, inciso XLIII).

"Nós teremos eventos como a Copa das Confederações [2014], Copa do Mundo [2014] e Olimpíada [2016] e não temos um tipo penal, um crime de terrorismo", afirma o senador. Nesse caso, segundo ele, há uma discussão política: alguns entendem que há o risco de criminalização dos movimentos sociais, como MST. "Entendo que o MST não tem nada a ver com terrorismo. É movimento social, tem de ser respeitado. Mas precisamos de um tipo penal para terrorismo."

Em alguns assuntos, a ausência de regulamentação leva o Supremo Tribunal Federal (STF) a tomar uma decisão. É o caso do direito de greve do servidor público, garantido no artigo 37 (inciso VII), mas pendente de lei específica. Diante da lacuna, o STF determinou que sejam aplicadas as regras da iniciativa privada.

Outro caso tratado pelo STF foi o do direito ao aviso prévio proporcional ao tempo de serviço (artigo 7º, inciso XXI). Foram impetrados no STF mandados de injunção reclamando o direito, diante da omissão do Congresso. Os ministros concordaram que precisam estabelecer uma fórmula de cálculo, mas não houve consenso sobre os parâmetros.

Taques cita, ainda, a necessidade de aprovar uma lei de defesa do estado democrático, para substituir a Lei de Segurança Nacional (LSN). "Muito mais que uma nova Constituição, precisamos fazer com que esta seja cumprida. E, para isso, precisamos de algumas regulamentações", diz o senador.

Na semana passada, tão logo teve sua criação autorizada pela Justiça Eleitoral, o PSD do prefeito Gilberto Kassab propôs - por meio da senadora Kátia Abreu (TO) - a realização de uma reforma ampla da Constituição por uma assembleia revisora exclusiva. Ela está buscando apoios para uma proposta de emenda constitucional (PEC) estabelecendo a eleição de constituintes em 2014, exclusivamente para fazer uma revisão do texto em dois anos (2015 a 2016).

Segundo Taques, não há um número preciso sobre os dispositivos constitucionais pendentes de regulamentação, já que nem todos são explícitos ao exigir a complementação legal. "Existem vários estudos. Alguns defendem que a Constituição, desde sua promulgação, precisaria de 130 leis ordinárias [aprovadas por maioria simples da Câmara e do Senado] e mais 33 leis complementares [cuja aprovação exige quórum qualificado, pela maioria absoluta de cada Casa]", diz.

Levantamento feito pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) aponta pouco mais de 40 dispositivos que pedem regulamentação nos capítulos Dos Direitos e Garantias Fundamentais (nove), Da Organização do Estado (13), Da Ordem Social (13), Ato das Disposições Transitórias (três) e Emendas Constitucionais (quatro).

O vice-presidente da República, Michel Temer, na última gestão na presidência da Câmara, criou uma comissão para propor a normatização dos artigos da Constituição pendentes de regularização. O coordenador dos trabalhos foi o advogado e então deputado Régis de Oliveira (PSC-SP), autor de projeto de lei regulamentando o direito de greve do servidor público e de uma PEC que propunha o enxugamento do texto constitucional.

Segundo o ex-deputado, a omissão do Congresso não prejudica o cumprimento dos direitos previstos na Constituição - como o da greve no serviço público -, mas os limites estão sendo estabelecidos pelo STF. "O direito de greve no serviço público está previsto, mas falta a lei. Posso exercer, mesmo na falta de lei. Quem diz os limites? O Supremo. O direito tem sido aplicado, mas quem está complementando a Constituição, em vez do Legislativo, é o Judiciário", diz Oliveira.

O trabalho da comissão deu "em nada", embora a assessoria tenha realizado um trabalho de qualidade, segundo ele. Faltou interesse dos deputados. Alguns apareciam nas reuniões apenas para assinar a presença. Dos relatores dos dez grupos temáticos, apenas dois apresentaram relatórios. "Fui ao Michel e disse que não adiantava continuar e que eu ia encerrar os trabalhos. Ele também não fez questão de prosseguir naquilo. Eu não ia fazer papel de bobo. E ficou por isso mesmo."

Registre as histórias, fatos relevantes, curiosidade sobre Paulo Amaral: rasj@rio.com.br. Aproveite para conhecê-lo melhor em http://www2.uol.com.br/bestcars/colunas3/b277b.htm

Eis o veículo (Motorella) que tenho utilizado para andar na ciclovia da Lagoa e ir ao trabalho sem suar