sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Novo Código Comercial

Jornal Valor Econômico - legisalçã & Tributos - 30.09.2011 - E2
O novo Código Comercial brasileiro
 
Por Ivo Waisberg
 
A comunidade acadêmica tem aprofundado o debate sobre a pertinência da promulgação de um novo Código Comercial para agrupar e consolidar a legislação empresarial. A discussão sobre um tema tão relevante é, sem dúvida, salutar e mostra claramente que esse ramo do direito voltou a ocupar o destaque e atenção profissional e acadêmica que sua relevância sempre mereceu.
 
A discussão sobre a pertinência ou não da elaboração do novo diploma comercialista deve ser técnica e não passional ou eivada de vaidades acadêmicas. Nesse sentido, a pergunta a ser respondida é se a promulgação do novo Código é útil ou inútil para a aplicação do direito empresarial e para a prática das relações negociais no mercado. Se a resposta for positiva, o novo código deve ser perseguido. Se negativa, não.
 
Em nossa opinião, a resposta só pode ser uma: a criação do novo Código Comercial é útil e auxiliará sobremaneira o direito a dar respaldo à economia neste momento de desenvolvimento econômico. Um novo código irá modernizar, sistematizar, harmonizar e ajustar a legislação empresarial.
 
Em primeiro lugar, a economia brasileira e, por conseguinte o empresariado nacional e estrangeiro que aqui atuam, passam por um momento diferente. Como consequência de quase duas décadas de abertura de mercado e progresso econômico no Brasil e, ainda, dos avanços tecnológicos e da globalização, a dinâmica do mercado financeiro e de capitais e das relações empresariais se transformou. A velocidade e complexidade das transações comerciais demandam um arcabouço jurídico atualizado e organizado de forma a facilitar sua compreensão e dar ao agente econômico a necessária segurança jurídica para sua atuação. Nesse diapasão, a sistematização do direito comercial e sua compilação em um novo diploma somente virá a auxiliar a consecução da almejada eficiência legal.
 
Em segundo lugar, a unificação do direito privado buscada no Código Civil de 2002, embora justificada por exemplos estrangeiros e tendo sido realizada com boa técnica, não foi uma opção eficiente. O fato de outros países unificarem o direito privado não faz com que isso seja necessariamente positivo para o ordenamento brasileiro. A disciplina do direito do trabalho na Itália, inserida no código civil daquele país de 1942, não levou à conclusão de que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) deveria deixar de existir no Brasil, pois tal ramo laboral possui peculiaridades e princípios próprios que não se confundem com as regras orientadoras do direito civil. Da mesma forma, o direito comercial tem princípios próprios e aspectos específicos que justificam e demandam tratamento adequado. Obviamente, o direito contratual comercial pode beber na fonte do direito obrigacional positivado em nosso Código Civil, como assim o fazem o direito do trabalho, do consumidor ou até mesmo o administrativo, mas sem a necessidade de estar no mesmo diploma legal.
 
Em terceiro lugar, a defesa de um novo diploma não significa afirmar que a atual legislação tenha que ser drasticamente modificada, mas que algumas alterações e ajustes devem ser feitos neste momento de recodificação e sistematização da legislação esparsa.
 
Em relação ao direito empresarial, dois exemplos mostram claramente a necessidade de ajustes: o regramento de títulos de crédito no Código Civil em desacordo com a legislação cambial presente em leis específicas e o sistema positivado da sociedade limitada, demasiadamente complexo e burocrático, contrário à tradição e eficiência desse tipo societário. Pontos como esses serão revistos no trabalho de organização e harmonização do novo Código Comercial. Pequenos ajustes em algumas outras áreas como a recuperação judicial, a tipificação de alguns contratos e a junção do direito societário em um só diploma também serão benéficos aos agentes econômicos e aos operadores do direito.
 
A afirmação de alguns opositores da proposta de codificação de que esta não seria necessária, bastando aplicar-se devidamente a legislação vigente é, com a devida vênia, unicamente retórica. Com efeito, o novo regramento modernizado e harmonizado, sistematicamente mais coeso, viabilizará uma aplicação mais correta e eficiente das normas empresariais. A alegada falta da "devida aplicação" é, em parte, consequência da necessidade de harmonizar e ajustar o direito empresarial aos novos tempos.
 
O outro argumento utilizado para impugnar a necessidade do novo código referente a pouca idade do Código Civil também não procede. Não se está julgando a qualidade do diploma civilístico, que reconhecidamente foi um avanço legislativo, mas somente assumindo que a opção legislativa da unificação do direito puramente civil e do empresarial tem se mostrado ineficiente. Lembre-se que, embora promulgado em 2002, a base científica a justificar tal unificação é bem mais antiga, descolada do atual cenário econômico e jurídico. Ter a humildade de rever rapidamente conceitos é uma qualidade necessária para que o direito possa cumprir sua função perante a sociedade.
 
Em resumo, concluímos que o novo Código Comercial é um passo importante para o aprimoramento do arcabouço jurídico a dar segurança para investimentos e desenvolvimento do país. Acreditamos, também, que o sucesso de tal caminhada para a promulgação do novo diploma legislativo é não só pertinente, como possível e necessário.
 
Ivo Waisberg é advogado, doutor em direito das relações econômicas internacionais e mestre em direito comercial pela PUC-SP, master of laws em regulação pela New York University e professor de direito comercial da PUC-SP
 
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações
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Novo Código Comercial

Jornal Valor Econômico - legisalçã & Tributos - 30.09.2011 - E2
O novo Código Comercial brasileiro
 
Por Ivo Waisberg
 
A comunidade acadêmica tem aprofundado o debate sobre a pertinência da promulgação de um novo Código Comercial para agrupar e consolidar a legislação empresarial. A discussão sobre um tema tão relevante é, sem dúvida, salutar e mostra claramente que esse ramo do direito voltou a ocupar o destaque e atenção profissional e acadêmica que sua relevância sempre mereceu.
 
A discussão sobre a pertinência ou não da elaboração do novo diploma comercialista deve ser técnica e não passional ou eivada de vaidades acadêmicas. Nesse sentido, a pergunta a ser respondida é se a promulgação do novo Código é útil ou inútil para a aplicação do direito empresarial e para a prática das relações negociais no mercado. Se a resposta for positiva, o novo código deve ser perseguido. Se negativa, não.
 
Em nossa opinião, a resposta só pode ser uma: a criação do novo Código Comercial é útil e auxiliará sobremaneira o direito a dar respaldo à economia neste momento de desenvolvimento econômico. Um novo código irá modernizar, sistematizar, harmonizar e ajustar a legislação empresarial.
 
Em primeiro lugar, a economia brasileira e, por conseguinte o empresariado nacional e estrangeiro que aqui atuam, passam por um momento diferente. Como consequência de quase duas décadas de abertura de mercado e progresso econômico no Brasil e, ainda, dos avanços tecnológicos e da globalização, a dinâmica do mercado financeiro e de capitais e das relações empresariais se transformou. A velocidade e complexidade das transações comerciais demandam um arcabouço jurídico atualizado e organizado de forma a facilitar sua compreensão e dar ao agente econômico a necessária segurança jurídica para sua atuação. Nesse diapasão, a sistematização do direito comercial e sua compilação em um novo diploma somente virá a auxiliar a consecução da almejada eficiência legal.
 
Em segundo lugar, a unificação do direito privado buscada no Código Civil de 2002, embora justificada por exemplos estrangeiros e tendo sido realizada com boa técnica, não foi uma opção eficiente. O fato de outros países unificarem o direito privado não faz com que isso seja necessariamente positivo para o ordenamento brasileiro. A disciplina do direito do trabalho na Itália, inserida no código civil daquele país de 1942, não levou à conclusão de que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) deveria deixar de existir no Brasil, pois tal ramo laboral possui peculiaridades e princípios próprios que não se confundem com as regras orientadoras do direito civil. Da mesma forma, o direito comercial tem princípios próprios e aspectos específicos que justificam e demandam tratamento adequado. Obviamente, o direito contratual comercial pode beber na fonte do direito obrigacional positivado em nosso Código Civil, como assim o fazem o direito do trabalho, do consumidor ou até mesmo o administrativo, mas sem a necessidade de estar no mesmo diploma legal.
 
Em terceiro lugar, a defesa de um novo diploma não significa afirmar que a atual legislação tenha que ser drasticamente modificada, mas que algumas alterações e ajustes devem ser feitos neste momento de recodificação e sistematização da legislação esparsa.
 
Em relação ao direito empresarial, dois exemplos mostram claramente a necessidade de ajustes: o regramento de títulos de crédito no Código Civil em desacordo com a legislação cambial presente em leis específicas e o sistema positivado da sociedade limitada, demasiadamente complexo e burocrático, contrário à tradição e eficiência desse tipo societário. Pontos como esses serão revistos no trabalho de organização e harmonização do novo Código Comercial. Pequenos ajustes em algumas outras áreas como a recuperação judicial, a tipificação de alguns contratos e a junção do direito societário em um só diploma também serão benéficos aos agentes econômicos e aos operadores do direito.
 
A afirmação de alguns opositores da proposta de codificação de que esta não seria necessária, bastando aplicar-se devidamente a legislação vigente é, com a devida vênia, unicamente retórica. Com efeito, o novo regramento modernizado e harmonizado, sistematicamente mais coeso, viabilizará uma aplicação mais correta e eficiente das normas empresariais. A alegada falta da "devida aplicação" é, em parte, consequência da necessidade de harmonizar e ajustar o direito empresarial aos novos tempos.
 
O outro argumento utilizado para impugnar a necessidade do novo código referente a pouca idade do Código Civil também não procede. Não se está julgando a qualidade do diploma civilístico, que reconhecidamente foi um avanço legislativo, mas somente assumindo que a opção legislativa da unificação do direito puramente civil e do empresarial tem se mostrado ineficiente. Lembre-se que, embora promulgado em 2002, a base científica a justificar tal unificação é bem mais antiga, descolada do atual cenário econômico e jurídico. Ter a humildade de rever rapidamente conceitos é uma qualidade necessária para que o direito possa cumprir sua função perante a sociedade.
 
Em resumo, concluímos que o novo Código Comercial é um passo importante para o aprimoramento do arcabouço jurídico a dar segurança para investimentos e desenvolvimento do país. Acreditamos, também, que o sucesso de tal caminhada para a promulgação do novo diploma legislativo é não só pertinente, como possível e necessário.
 
Ivo Waisberg é advogado, doutor em direito das relações econômicas internacionais e mestre em direito comercial pela PUC-SP, master of laws em regulação pela New York University e professor de direito comercial da PUC-SP
 
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações
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quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Retração nas vagas de estágio

Hoje em DIa, 27/09/2011 - Belo Horizonte MG

Restrições da Lei do Estágio reduzem vagas no país
Limitação da quantidade de estudantes de ensino médio por funcionário contratado diminuiu a oferta de vagas

Tatiana Lagôa

Enquanto o número de vagas de emprego aumenta a cada dia no Brasil, o espaço para estudantes tem se reduzido no mercado de trabalho. A quantidade de estagiários no país neste ano é 9% menor do que em 2008, segundo dados da Associação Brasileira de Estágios (Abres). O principal motivo para essa queda foi a aplicação da Lei do Estágio, que completou três anos na segunda-feira (26). Até setembro de 2008, quando foi editada a Lei nº 11.788, estavam no mercado brasileiro 1,10 milhão de estagiários. Após setembro daquele ano, quando passaram a valer as mudanças na legislação que regulamenta os estágios, a quantidade de estudantes estagiando começou a cair. Em 2009, passou para 1,04 milhão e, em 2010, para 900 mil. Neste ano, apesar do aquecimento da economia, as contratações ainda não voltaram ao mesmo patamar de 2008 e o efetivo total de estagiários está em 1 milhão de estudantes.

Segundo o diretor de comunicação da Abres, Mauro de Oliveira, o principal motivo para a redução foi a publicação da Lei do Estágio, que aumentou as exigências para a contratação. Dentre as mudanças impostas pela legislação, estão a obrigatoriedade da bolsa-auxílio, do auxílio transporte e de férias remuneradas. Além disso, o tempo trabalhado não pode ser superior a 6 horas diárias e a 30 horas semanais. “Essas mudanças aumentaram os custos de cada estagiário”, afirma. Os dados da Abres mostram que o maior impacto foi na contratação de estudantes no nível médio e técnico. Nesses casos, a queda foi da ordem 32,5% nos últimos três anos. Em 2008, eram 385 mil estagiários de nível médio ou técnico no mercado de trabalho. Hoje, são 260 mil. No nível superior houve aumento de 3,5%, passando de 715 mil para 740 mil.

Oliveira explica que o maior impacto no nível médio é reflexo do artigo 17 da lei, que restringe as contratações de estagiários desse nível de escolaridade de acordo com a quantidade de empregados na empresa. Para ter um estagiário do ensino médio, é preciso ao menos um funcionário. Para ter dois, há necessidade de ter, pelo menos, seis empregados. Já para ter cinco estagiários, a empresa precisa de ter, pelo menos, 11 funcionários. A restrição referente ao número de funcionários é um dos impeditivos para que a proprietária da loja Feliz da Vida, Bárbara Ribeiro Andrade, contrate estagiários de nível médio. “Eu até poderia, pela lei, contratar mais estagiários de nível superior, mas isso implicaria em custos muito altos para a empresa”, afirma.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Seminário no STF sobre direito e economia

Notícias STF
Quinta-feira, 22 de setembro de 2011
STF realiza seminário sobre direito e economia nesta sexta
O Supremo Tribunal Federal promove nesta sexta-feira, das 8h30 às 19h, o seminário “Direito, Economia e Desenvolvimento”, na Sala de Sessões da Primeira Turma. Organizado pelo ministro do STF Ricardo Lewandowski e pelo juiz federal  Marcelo Guerra Martins, o evento contará com a participação de pesquisadores dos principais núcleos brasileiros do método de investigação que compreende o direito e a economia como fenômenos sociais que se conjugam por meio de estímulos e feedbacks recíprocos, e estão diretamente ligados ao desenvolvimento do país.
Entendem os adeptos desse método que a complementaridade desses fenômenos – direito e economia – é tanta que chega a ser difícil identificar a prevalência de um sobre o outro. E que o desenvolvimento de um país em muito depende de como essa interação ocorre ao longo dos anos. 
A junção desses fenômenos sociais fez nascer a disciplina Direito e Economia, cuja proposta gira em torno do desenvolvimento de pesquisas de cunho interdisciplinar. Seu campo investigativo pode envolver temas como propriedade, contratos, responsabilidade civil, concorrência e regulação de mercados, tributação, defesa do consumidor e outros.
Assim, o conhecimento dos métodos do Direito e Economia, que serão debatidos no seminário, vai muito além do mero interesse teórico, face às diversas implicações que certas decisões podem deflagrar, com destaque para a atuação dos órgãos legislativos e judiciais.
Participantes
Entre os participantes do seminário estão professores de Direito e Economia das Universidades de São Paulo (USP), do Rio de Janeiro (UERJ) e de Brasília (UnB); Federais de Minas Gerais (UFMG) e do Rio Grande do Sul (UFRGS); Pontifícias Universidades Católicas (PUCs) de São Paulo e do Rio de Janeiro; Universidade Católica de Brasília (UCB) e Universidade do Vale do Sinos (Unisinos – RS), bem como da Academia Tributária das Américas (ATA), da Escola de Administração Fazendária (ESAF) e do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), além de uma jornalista de economia do Sistema Globo.
Programação
O primeiro módulo de debates tem início às 9h, no dia 23, sob o título “Fundamentos da Análise Econômica do Direito”. Será presidido pelo ministro Ricardo Lewandowski e terá como expositores Antônio José Maristrello Porto, da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-Rio), e Bruno Meyerhof Salama, da FGV de São Paulo. O primeiro deles abordará o tema “Por que Direito e Economia?”, e o segundo falará sobre o tema “Justiça e Eficiência”
O segundo módulo, tendo como tema “Direito, Tributação e Desenvolvimento”, será realizado das 10h30 às 12 horas, sob presidência do consultor-geral da União Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy. Terá como expositores Marcos Aurélio Pereira Valadão, da Universidade Católica de Brasília (UCB), e Cristiano Carvalho, da Academia Tributária das Américas (ATA), que abordarão os temas “Tributação e Desenvolvimento” e “Teoria da Decisão Tributária”.
Após intervalo para almoço, o seminário será retomado com o Módulo 3, que versará sobre o tema “Direito, Judiciário e Desenvolvimento”, com duração das 14 às 15h30. Será presidido pelo secretário-geral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Manoel Carlos de Almeida Neto, e terá como expositores  Luciano Benetti Timm, da Unisinos, e Mário Gomes Shapiroda, da FGV-SP, que farão exposições sobre os temas “Análise Econômica do Processo Judiciário” e “Estado e Mercado no Financiamento”.
Das 16 às 17h30, será realizado o Módulo 4, que terá como tema “Direito, Mercados e Desenvolvimento”. Será presidido pelo professor Bernardo Mueller, do Departamento de Economia da UnB, e terá como expositores Carlos Emmanuel Joppert Ragazzo, da FGV - Rio, que falará sobre o tema  “Concorrência, Regulação e Desenvolvimento”, e Amanda Oliveira, da UFMG, que abordará o tema “Análise Econômica da Defesa do Consumidor”.
O quinto e último módulo do seminário terá por tema “Segurança Jurídica e Desenvolvimento” e deverá durar das 17h30  às 19 horas. Será presidido pelo juiz federal Marcelo Guerra Martins e terá como expositores a jornalista de economia Mirian Leitão (Sistema Globo), que exporá o tema “Saga Brasileira - A Luta de um Povo por sua Moeda”, e  Ivo Teixeira Gico Júnior (UCB), cujo tema será “Análise Econômica dos Contratos”.

Ecomusica

Jornal do Commercio - Responsabilidade Social e Ética - 23.09.2011 - B-14

Não é apenas Rock'n'Roll
Lucila Cano

Em novembro de 2001, a banda inglesa Pink Floyd lançou o CD Echoes, uma seleção de músicas de álbuns anteriores que vendeu milhões de cópias. O lançamento foi acompanhado de uma novidade (ao menos na época): a banda estaria investindo em quatro florestas para compensar o gás carbônico jogado na atmosfera com a produção do CD.
Passados dez anos, o movimento denominado Ecomusic só fez crescer e incorporar preocupações ligadas à sustentabilidade do planeta. Os ídolos do Rock correm o mundo para defender as baleias e a Floresta Amazônica, para coletar fundos e alimentos para os povos famintos, para lutar contra a Aids, para pedir paz.
Não que esse movimento seja prerrogativa do Pink Floyd. Esse foi apenas um exemplo, porque, antes, bem antes, houve uma manifestação memorável.  Em 13 de julho de 1985, o Live Aid, um show de 16 horas para arrecadar fundos para a população faminta da Etiópia, chacoalhou o mundo.
Um dia para o rock
O projeto idealizado pelos músicos Bob Geldof e Midge Ure talvez tenha sido o primeiro exemplo global da força humanitária do Rock’n Roll. Reuniu estrelas em espetáculos simultâneos, na Inglaterra e nos Estados Unidos. A televisão transmitiu tudo via satélite e as doações foram feitas por telefone. Em países como o Japão, Alemanha, Austrália e Holanda, também houve concertos com a adesão de outros artistas. E, assim, o 13 de julho tornou-se o Dia Mundial do Rock.
Outros shows de caráter humanitário se sucederam ao Live Aid, associando a defesa de boas causas à imagem de grandes astros do Rock. Para os saudosistas, essa é uma herança bendita do Movimento Hippie dos anos 1960, em que a gente só queria paz e amor. Para os “do contra” é uma jogada de marketing, para conquistar ainda mais fama junto às platéias do mundo.
Na verdade, o que leva roqueiros a abraçar as causas socioambientais não importa. O que importa é que eles estão fazendo alguma coisa.
Os exemplos do Rock in Rio
Tudo começou em 2001, com três minutos de silêncio por um mundo melhor que, depois, tornou-se o slogan do evento. Recursos daquela edição se materializaram em 70 salas de aula e 35 postos de internet no Rio, por obra da ONG Viva Rio, além de 28 projetos educativos pelo País, em parceria com a Unesco.
Em 2004, 2006, 2008 e 2010, as exibições do Rock in Rio em Lisboa renderam benefícios para instituições assistenciais de Portugal.  Em 2006, houve ainda a adoção de uma florestana Tapada Militar de Mafra, onde foram plantadas cerca de 20 mil árvores para compensar a produção de gases com efeito estufa durante o evento.
Em 2008, o projeto Rock in Rio Escola Solar destinou fundos para a compensação das emissões de dióxido de carbono do evento e equipou escolas portuguesas com painéis para captação de energia solar. O projeto conquistou 10 mil euros no concurso Energy Globe Awards 2009 e esse valor foi distribuído a entidades sociais. Foi a partir de 2008 que o evento passou a ser 100% reciclável, com a coleta de todos os resíduos de embalagens para a reciclagem.
As apresentações na Espanha em 2008 e 2010 trilharam o caminho aberto em defesa da sustentabilidade: plantio de árvores, incentivo ao uso de transporte coletivo, compensação das emissões de gás carbônico, coleta para reciclagem.
O Rock in Rio divulga que em 10 anos já foram investidos mais de cinco milhões de euros em projetos socioambientais. A edição de 2011 promete não decepcionar. Inclui concurso de ideias sustentáveis para estudantes da rede pública do Rio de Janeiro; incentivo à doação de instrumentos musicais; criação de oficina para a formação de assistentes de luthiers; construção de salas de música em escolas municipais e capacitação de professores de música. A exemplo das edições anteriores, promove o transporte coletivo, a compensação ambiental e a reciclagem, além do apelo, em música, contra as drogas.
A música dos Rolling Stones consagrou a frase “It’s only Rock’n Roll, but I like it”. Com tantas boas causas, a gente sabe que não é apenas Rock’n Roll e gosta ainda mais.  
* Homenagem a Engel Paschoal (7/11/1945 a 31/3/2010), jornalista e escritor, criador desta coluna.

Usucapião familiar

Jornal Valor Econômico - Legislação & Tributos - 23.09.2011- E1

Judiciário começa a aplicar o usucapião familiar
 

Por Adriana Aguiar | De São Paulo
Sem saber do paradeiro do ex-marido, uma mulher divorciada ganhou na Justiça o direito ao domínio total e exclusivo de um imóvel registrado em nome do casal. A decisão do juiz Geraldo Claret de Arantes, em cooperação na 3ª Vara de Família de Belo Horizonte, tomou como base a recente Lei nº 12.424, de 16 de junho de 2011. A norma, que regulamenta o programa Minha Casa Minha Vida, inseriu no Código Civil o que tem sido chamado de "usucapião familiar".

Com a aplicação da lei, a mulher está livre para vender o imóvel, caso queira. No pedido, ela comprovou ser portadora de doença grave e que a não localização do ex-marido impedia qualquer negociação que envolvesse a casa. Em sua decisão, o juiz determinou a expedição de mandado de averbação, que deverá ser encaminhado ao cartório de registro de imóveis, para que seja modificado o registro do bem.

A nova lei prevê a transferência do imóvel ao ex-companheiro, ex-marido ou ex-mulher que comprovar ter domínio pleno do bem por pelo menos dois anos, sem que haja oposição. O apartamento ou a casa também devem ter até 250 metros quadrados. O autor do pedido não pode ser proprietário de nenhum outro imóvel. A previsão está no parágrafo 1º do artigo 1.240-A do Código Civil.

As novas regras, segundo o advogado Marcelo Roitman, sócio do PLKC Advogados, devem resolver, principalmente, a situação de pessoas de baixa renda, no qual um dos cônjuges ou companheiros abandonam o lar, sem que haja qualquer formalização sobre a partilha de bens. "Nesses casos, quem permanecia na casa não tinha até então como regularizar a situação do imóvel e ficava impedido de vendê-lo ou pedir empréstimos", afirma.

Como é necessária uma ação judicial para efetuar a transferência de um imóvel, Roitman explica que a parte contrária será intimada a se defender e expor seus motivos para que o juiz avalie se houve ou não um efetivo abandono de lar. No caso do autor, ele deverá apresentar documentos e testemunhas de que houve realmente a intenção da outra parte de abandonar o lar, segundo a advogada Carina Pavan, associada ao Escritório Katzwinkel e Advogados Associados.

No processo que correu em Belo Horizonte, a mulher juntou ao processo documentos que comprovaram o casamento, o divórcio e o registro do imóvel em nome do casal.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Utilização de redes sociais para desqualificar testemunhas

 
 
Jornal Valor Econômico
Advogados usam redes sociais para desqualificar testemunhas
 
 
Adriana Aguiar e Bárbara Pombo | De São Paulo
15/07/2011
 
Advogado Marcelo Mascaro: "O que vale como prova não é a estrutura do Orkut, e sim o conteúdo postado nele"
Com o monitoramento do site de relacionamentos Orkut, uma empresa de confecções do Rio Grande do Norte conseguiu se livrar de uma acusação de assédio moral na Justiça do Trabalho. Ao entrar na página de uma ex-funcionária, descobriu que ela havia marcado um encontro com uma testemunha do processo trabalhista em um shopping de Natal. Com isso, a testemunha foi descartada. Os desembargadores do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 21ª Região, no Rio Grande do Norte, entenderam que o diálogo presente na rede social traria indícios de que ambas conversaram e combinaram, pessoalmente, os fatos a serem relatados perante o juízo trabalhista.
Informações em redes sociais - como o Orkut e o Facebook - estão sendo monitoradas por empregadores e advogados para serem usadas em processos trabalhistas. Mas nem sempre os juízes têm classificado uma amizade virtual como relacionamento íntimo. Em decisão recente da 3ª turma do TRT da 2ª Região (SP), foram aceitos os argumentos de uma trabalhadora para provar que não mantinha uma verdadeira relação de amizade com uma testemunha. Ela anexou aos autos documentos comprovando que a testemunha havia adicionado 30 "amigos" num curto período de tempo. Os desembargadores consideraram que o Orkut não é uma rede de relacionamentos para contato 'sigiloso e pessoal', como a empresa havia alegado no recurso. Para a relatora do caso, a juíza convocada Margoth Giacomazzi Martins, "não é plausível concluir que todas essas pessoas sejam amigas íntimas da testemunha".
 
Pelo artigo 801 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), um juiz pode recusar uma testemunha que tenha inimizade pessoal, amizade íntima ou parentesco com uma das partes ou interesse particular na causa. No caso do Rio Grande do Norte, os desembargadores entenderam que havia indícios para declarar a testemunha suspeita. Ela seria amiga pessoal e mantinha contatos frequentes pelo site com a autora da ação, uma estilista júnior.
 
Fotos na sua página também serviram como prova para demonstrar que a trabalhadora "não estava nem um pouco deprimida com o alegado assédio moral", segundo a advogada da empresa, Janaína Félix Barbosa Vanderlei, do Falconi Camargo Advogados.
 
Em um outro caso, no entanto, não ficou configurada uma amizade íntima entre uma funcionária e sua testemunha. Uma garçonete de Uberlândia (MG) usou a rede social para chamar um ex-colega de trabalho para ser sua testemunha em uma ação trabalhista. O proprietário da lanchonete questionou a validade do depoimento. Porém, os desembargadores do TRT da 3ª Região, em Minas Gerais, resolveram manter a decisão de primeira instância.
 
O relator do processo, o juiz convocado Paulo Maurício Ribeiro Pires, entendeu que a dúvida sobre a suspeição pode ser tirada pelo juiz da vara na audiência de instrução. "Se o magistrado, que teve contato com as partes e testemunhas, entendeu não restar caracterizada a amizade de 'natureza íntima', e imprimiu credibilidade às declarações prestadas pela testemunha referida, tal impressão deve ser prestigiada nesta instância".
 
De acordo com o juiz Maurício Pizarro Drummond, titular da 12ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, é possível perceber se há relação de amizade durante a audiência. "Constatando o relacionamento íntimo, posso anular o depoimento ou tirar a força das informações prestadas para a tomada da decisão", diz Drummond, que considera as redes sociais um meio eficaz para a produção de provas.
 
Para a 3ª turma do TRT de Minas Gerais, nem mesmo fotos postadas no Orkut podem provar a relação de amizade. Para tentar anular o depoimento de uma testemunha em uma ação de pagamento de horas extras e feriados não compensados, a proprietária de uma loja de roupas de Contagem extraiu do site de relacionamento fotos de duas ex-funcionárias. As imagens mostravam a autora e a testemunha da ação em uma pizzaria. "Elas apareciam abraçadas em uma confraternização de fim de ano. Eram amigas", diz a advogada da empresária, Genoveva Martins de Moraes.
 
Para o relator do caso, o juiz convocado Milton Vasques Thibau de Almeida, no entanto, as fotos apresentadas não configurariam a amizade já que a festa em questão havia sido financiada pela dona da loja para comemorar o volume de vendas alcançado em determinado período, como contou a testemunha na audiência de instrução. "Sabe-se que, geralmente, nas relações estabelecidas por meio do Orkut não há contato pessoal algum, restringindo-se tais amizades, tão somente, à esfera virtual", afirmou o juiz em seu voto.
 
Para o advogado Marcelo Mascaro, do escritório Mascaro Nascimento Advocacia Trabalhista, as redes sociais são apenas um elemento para comprovar uma amizade íntima. "No fim das contas, o que vale como prova não é a estrutura do Orkut, e sim o conteúdo postado nele."

Abril Educação estréia com apostilas e cursos livres

 
Valor Econômico – Empresas – 05.09.2011 – B3
 
Abril Educação vai investir em apostilas
Por Beth Koike | De São Paulo
 
Dois meses após a oferta inicial de ações, que levantou R$ 351 milhões, a Abril Educação deve anunciar nas próximas semanas a aquisição de um sistema de ensino (apostilas), segundo o Valor apurou. Esse sistema de ensino irá compor o portfólio da Abril Educação, que lançará um novo sistema de ensino no Rio com a marca pH, renomada escola carioca adquirida pela companhia há cinco meses. A Abril Educação já é dona do Anglo, que tem forte atuação em São Paulo, e do Ser, com presença em vários Estados.

Ainda de acordo com fontes do mercado, a Abril Educação está em negociações avançadas para a compra de um outro sistema de ensino, que deve ser anunciada ainda este ano. Um dos focos da companhia é a praça do Nordeste, onde o Ser tem forte atuação.

Questionado sobre essas aquisições, o presidente da Abril Educação, Manoel Amorim, informou que não comenta rumores de mercado.

O grupo educacional pretende destinar para aquisições R$ 235 milhões, o equivalente a 67% dos recursos levantados na abertura do capital. Hoje, cerca de 317 mil alunos estudam com as apostilas do Anglo e do Ser. A previsão é que até o próximo ano esse número salte para 500 mil, segundo estimativas do mercado.

Atualmente, a companhia também está prospectando empresas de sistemas de ensino de cursos técnicos e escolas com alto nível de qualidade de ensino. "Não temos interesse em faculdades. Nosso foco é a base, ou seja, a formação anterior ao ensino superior. Acreditamos que é preciso ter uma boa formação na base para o aluno cursar uma universidade ou um curso profissionalizante", disse Amorim, em sua primeira entrevista após o IPO, cujo período de silêncio terminou em 1º de setembro.

Os cursos técnicos profissionalizantes são outra frente de atuação da companhia, que há cinco meses é dona da ETB - Escolas Técnicas do Brasil. A ideia nesse caso é criar franquias de escolas técnicas com a bandeira ETB. "Há um mercado potencial de 3 mil escolas técnicas privadas. Queremos vender as franquias para essas escolas que podem se transformar em ETB. Nós vamos continuar vendendo o material didático para eles", explicou Amorim.

A empresa também está apostando em duas novas áreas: idiomas e educação a distância. Em julho, a Abril Educação adquiriu 6% do capital da Livemocha, empresa americana de ensino de línguas estrangeiras em que as aulas são ministradas por meio da web. No mundo, 10 milhões de pessoas acessam o site da Livemocha, sendo que 2,5 milhões estão no Brasil. Outro tipo de curso que pode ser ministrado à distância são os preparatórios para concurso público. A ideia é oferecer essa modalidade a partir do próximo ano.

"Temos várias frentes de atuação que podem ter sinergias comerciais e reduzir custos", disse Amorim. Neste ano, por exemplo, a empresa conseguiu diminuir em 13% o custo com compras de papel para o Anglo, uma vez que negocia grandes volumes de papel para suas editoras de livros didáticos Ática e Scipione. No último programa de venda de livros escolares do governo federal, a Abril Educação fechou a venda de mais de 50 milhões de exemplares de livros, que somaram R$ 297 milhões.

Apesar de o governo comprar uma grande quantidade de livros didáticos, Amorim acredita que daqui cinco anos o negócio de sistema de ensino terá uma maior representatividade no lucro da Abril Educação.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Mestrado profissional

Valor Econômico – EU & Fim de Semana – 02.09.2011 – p. 12-13
 
O mestrado profissional é uma bonança para as empresas, organizações do terceiro setor e instituições públicas. É um dos melhores cursos para capacitar os futuros dirigentes da economia, do Estado e da sociedade. Mas preciso explicar concisamente seu lugar na pós-graduação stricto sensu, que se distingue porque é avaliada e tem selo de qualidade conferido pela Capes, enquanto a pós-graduação lato sensu, maior em cursos e alunos, não passa por crivo análogo. Por isso se afirma que a pós-graduação stricto sensu, composta de mestrado e doutorado, é o único nível de ensino em que o Brasil pode se orgulhar de enfrentar a comparação internacional.

O mestrado se diferencia, desde 1998, em acadêmico e profissional. O mestrado acadêmico, que titulou 35 mil alunos em 2009, visa a formar um pesquisador que geralmente trabalhará no ensino superior ou num centro de pesquisa. Na verdade, espera-se que o mestre acadêmico prossiga até o doutorado, que completaria sua formação de pesquisador. Enquanto não chegar lá, ele está incompleto.

Assim, lembrando que um doutoramento demora de quatro a cinco anos, em tese o número de mestres formados no ano X deveria igualar-se ao de doutores titulados em X+5 (por exemplo, os mestres acadêmicos de 2000 deveriam estar se doutorando em 2005). Mas não é assim. Possivelmente se doutora apenas entre um terço e metade dos mestres acadêmicos. Já o mestrado profissional é um produto terminal, concluído. O mestre profissional, como o acadêmico, faz pesquisa durante os estudos - mas, ao contrário do acadêmico, pode parar aí. Sua meta é conhecer a importância da pesquisa na sua profissão, aprender onde encontrar a pesquisa futura e a aplicá-la em seu ofício: localizar a ciência e a tecnologia novas e convertê-las em inovação. Os dois mestrados têm metas distintas. O problema é que, se metade dos mestres acadêmicos não completa o doutorado, também para esses o mestrado acadêmico é um produto profissional.

O equívoco é fazer do mestrado profissionalizante e do acadêmico dois cursos diferentes, quando deveriam ser dois títulos

Alguns pesquisadores sustentam que todo mestrado deveria ser profissional, ao menos em certas áreas. José Ricardo Bergmann, vice-reitor acadêmico da PUC-Rio, defendia isso para as engenharias. Aliás, o mestrado profissional (MP) não precisa ser inferior ao acadêmico (MA). Muitos MAs se limitam à revisão da literatura ou a um resumo de textos. Já o MP deve exigir não apenas o domínio da literatura científica, mas sua aplicação a um problema específico que assim seja resolvido. É verdade que a Capes, desde a gestão Abílio Baeta Neves, tenta aumentar o MP, mas com resultados ainda insuficientes. Como diretor de avaliação da Capes (2004-8), empenhei-me nisso, começando pelo seminário Para além da Academia: a Pós-Graduação a Serviço da Sociedade e concluindo com o grupo de trabalho da professora Dora Dessen, cujas contribuições foram aproveitadas numa portaria ministerial de 2009 que estimula o MP - embora, a meu ver, com exageros.

Mas o fato é que o MP cresce bem menos do que é desejado e necessário. Em 2004 se titularam 1.903 mestres profissionais e, em 2009, 3.102: expansão significativa em termos absolutos, pequena em termos proporcionais. Falta muito para que, em sua maioria, as engenharias, tecnologias e ciências aplicadas formem MPs - podendo, depois, os que tiverem vocação de pesquisa prosseguir para um bem-vindo doutorado.

Por que essa dificuldade de avançar num rumo que a agência de avaliação e fomento da pós-graduação, a Capes, tanto deseja? Há um óbice fundamental, que nenhuma pressão da diretoria da agência ou do MEC vai resolver. O incentivo ao MP não deu os frutos almejados. De 2004 a 2009, embora aumentasse o número absoluto dos MPs, em termos proporcionais o MP passou de 7,1 a 7,9% do total de mestrados defendidos, e isso apesar de todo o empenho da presidência da Capes e sua diretoria de avaliação e, mais recentemente, de uma portaria do ministro da Educação. Por quê?

Primeiro, para se aprovar um curso de doutorado, pesa mais se ele for o desdobramento de um curso de mestrado acadêmico (e não profissional). Ora, ter um curso de doutorado permite que um centro universitário se torne universidade, o que lhe confere várias prerrogativas, inclusive a de criar cursos de graduação sem prévia permissão ministerial. Pelo menos um bom MP de administração foi assim convertido em acadêmico, para depois se aprovar o respectivo doutorado e o centro universitário virar universidade.

O segundo problema é que, se nada impede um programa de pós-graduação de ter um curso de MP e um de MA, isso duplica o trabalho burocrático na gestão dos dois - que terão alguns professores, disciplinas e produção em comum e outros, separados. Haja fichas a preencher, políticas diferentes e mesmo opostas a conduzir...

O que fazer? Avaliando as políticas que ajudei a desenvolver, entendo que houve não digo um erro, porque aprendemos com ele, mas um rumo que deve ser revisto. O equívoco é fazer de MP e MA dois cursos diferentes, quando deveriam ser dois títulos. Em vez de dois processos, dois produtos. Basta um único curso de mestrado, que formará quer mestres acadêmicos, quer profissionais. Num curso de engenharia ou administração, se tenderá a formar mais MPs; em filosofia, mais MAs. Mas isso não precisa estar engessado na estrutura do curso, nem mesmo na seleção dos alunos. A formação será mais rica se o aluno puder, ao longo da pesquisa, perceber qual trabalho será mais adequado a ele.

Obviamente, cada área fixará suas prioridades. Na minha área, a filosofia, que é muito teórica, MPs podem ser traduções comentadas de clássicos ou a redação bem fundamentada de códigos de ética para empresas ou organizações. Isso pode ser mais difícil do que estudar uma passagem de Aristóteles, porque o autor de um código de ética precisará ter passado pelo grande filósofo grego... Por isso mesmo, o MP não pode ser uma solução barata para a obtenção do título de mestre. Daí, detalhe importante, que não se justifique a pressão do governo para concluir o MP em dois anos: seu aluno tem menos tempo livre, pois geralmente já está no mercado de trabalho, ao passo que muitos dos mestrandos acadêmicos estudam em tempo integral, com bolsa.

Isso simplificaria o sistema, tornando-o também mais eficiente na formação de recursos humanos qualificados. A burocracia cairia. Hoje, certos cursos de MP nem sequer são ministrados todos os anos, por falta de alunos. Isso acabaria. Também poderia acabar o preconceito contra o MP. A definição do tipo de mestrado a defender estaria ligada ao desempenho do aluno, em vez de preceder sua seleção. A educação pós-graduada faria mais jus a seu nome, porque educação quer dizer possibilidade de crescimento, de mudança, de alteração de rumos. Sobretudo, conseguiríamos fazer que um grande número de profissionais, que, a despeito da expansão das universidades, não terão emprego em todas elas, ajudem o Brasil melhorando a qualidade do setor produtivo, da administração pública e do terceiro setor. E isso pode ser obtido simplificando-se, e não se complicando, o sistema.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo

Novas codificações

Jornal Estado de São Paulo
A reforma do arcabouço jurídico
 
20 de julho de 2011 | 0h 00
- O Estado de S.Paulo
Por ter se atrasado na modernização do arcabouço jurídico, especialmente com relação ao restabelecimento do regime democrático, à abertura da economia, à estabilização da moeda e aos avanços sociais das duas últimas décadas, o Congresso está sendo obrigado a reformar simultaneamente seis códigos.
As reformas na espinha dorsal da legislação ordinária são necessárias, uma vez que a maioria desses códigos foi editada antes da promulgação da Constituição de 1988, quando eram outras as condições políticas, sociais e culturais do País. Dos 17 códigos que fazem parte do ordenamento jurídico brasileiro, apenas 2 - o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor - foram aprovados depois da redemocratização e da abertura econômica. Entre os demais códigos, o mais esclerosado é o Comercial, que data de 1850.
A sobrecarga de trabalho do Congresso, contudo, está deixando juristas e empresários preocupados. Eles temem que, por causa das inevitáveis implicações técnicas e políticas da reforma simultânea de seis códigos, o Congresso acabe aprovando inovações de modo açodado, sem um debate cuidadoso, suscitando divergências de interpretação nos meios forenses e disseminando com isso a incerteza jurídica nas relações sociais e empresariais.
Dos seis códigos que estão sendo reformados, dois - o de Processo Penal e o de Processo Civil - são decisivos para o bom funcionamento dos tribunais. Na última década, o Congresso aprovou as mudanças constitucionais das quais dependia a modernização do Poder Judiciário. Agora, o desafio é rever a legislação infraconstitucional, reduzindo prazos e diminuindo o número de recursos, com o objetivo de agilizar a tramitação das ações e assegurar uma execução mais rápida das sentenças e acórdãos.
A agilização dos processos e a simplificação do sistema de recursos são fundamentais para que os tribunais possam acompanhar o dinamismo da atividade econômica que - graças à expansão da tecnologia de comunicações - exige decisões cada vez mais rápidas. A modernização da legislação processual também é necessária para dar aos tribunais condições de acompanhar a diversificação da economia.
À medida que os mercados se tornaram diferenciados e a legislação processual não mudou, no mundo dos negócios as empresas, bancos, fundos de investimento e fundos de pensão passaram a optar pelos chamados métodos extrajurisdicionais de resolução de litígios - dos quais a arbitragem é o mecanismo mais conhecido.
Além dos Códigos de Processo Civil e de Processo Penal, dois outros códigos em reforma também estão deixando inquietos os meios empresariais e forenses. Um deles é o Código de Defesa do Consumidor (CDC). Apesar de ser relativamente novo, pois entrou em vigor em 1990, muitos de seus dispositivos ficaram ultrapassados com o avanço da tecnologia. O CDC, por exemplo, não trata do comércio eletrônico.
O outro Código é o Comercial. Por causa de seu anacronismo, os temas mais técnicos em matéria de direito mercantil, societário e falimentar hoje são tratados por leis especiais, como a Lei das Sociedades Anônimas, de 1976, e a Lei de Recuperação das Empresas, de 2005. Já os dispositivos relativos às obrigações contratuais passaram a ser disciplinados pelo Código Civil de 2002. Por isso, entidades empresariais e de juristas estão divididas - algumas defendem a minuta do novo Código Comercial, que foi enviada ao Congresso há um mês, enquanto outras alegam que o mais adequado seria rever as leis especiais, para desburocratizar os negócios, e fortalecer o capítulo do direito das obrigações do Código Civil, para assegurar o cumprimento dos contratos. Os outros dois códigos que estão sendo reformados são o Florestal, que data de 1965, e o Eleitoral, que entrou em vigor naquele mesmo ano, mas foi modificado por leis esparsas.
As reformas simultâneas desses seis códigos é um desafio que o Congresso tem de enfrentar, para adequar o arcabouço jurídico a uma economia mais complexa e a uma sociedade mais dinâmica.

Registre as histórias, fatos relevantes, curiosidade sobre Paulo Amaral: rasj@rio.com.br. Aproveite para conhecê-lo melhor em http://www2.uol.com.br/bestcars/colunas3/b277b.htm

Eis o veículo (Motorella) que tenho utilizado para andar na ciclovia da Lagoa e ir ao trabalho sem suar