sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Aquisição de terras por estrangeiros

Jornal Valor Econômico
Aquisição de imóveis rurais por estrangeiros

Sérgio Guerra
02/09/2010

Somente agora, após dois anos do parecer CGU/AGU nº 01/2008-RVJ ser lavrado pela Advocacia-Geral da União (AGU), confirmou-se aquilo que autoridades públicas federais brasileiras cogitavam em termos de restringir a compra de terras brasileiras por empresas nacionais formadas por capital estrangeiro.

Sob o argumento de melhor defender a soberania nacional, a preservação dos nossos recursos naturais, e de que havia "divergência" entre pareceres anteriores daquele órgão sob a ótica da mutação constitucional, o "novo" parecer da AGU - datado de 03 de setembro de /2008 e só agora adotado pelo Advogado Geral da União, de forma vinculativa para toda a administração pública federal - conclui haver restrições legais à aquisição de imóveis rurais por pessoas jurídicas brasileiras com maioria do capital social detida por estrangeiros.

Qual foi o caminho trilhado pelo ilustre parecerista para propor essa restrição?

No Brasil a aquisição de imóveis rurais por empresas estrangeiras foi restringida pela Lei nº 5.709, de 1971. Essa norma também sujeitou ao regime ali estabelecido pessoas jurídicas brasileiras das quais participassem, a qualquer título, pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas e que tivessem a maioria do seu capital social e residissem ou tivessem sede no Exterior.

Além de questões técnicas, com essa lei as pessoas jurídicas estrangeiras só poderiam adquirir imóveis rurais destinados à implantação de projetos agrícolas, pecuários, industriais, ou de colonização, vinculados aos seus objetivos estatutários, e desde que aprovados pelo Ministério da Agricultura, ouvido o órgão federal competente de desenvolvimento regional na respectiva área.

Para que se possibilitasse o controle dessas obrigações, a referida norma estabeleceu que os cartórios de registro de imóveis deveriam manter cadastro especial das aquisições de terras rurais, contendo memorial descritivo do imóvel, com área, características, limites e confrontações e transcrição da autorização do órgão competente.

Outro limite imposto ao investidor era a de que a soma das áreas rurais pertencentes a pessoas estrangeiras não poderiam ultrapassar a um quarto da superfície dos municípios onde se situassem. Ademais disso, pessoas da mesma nacionalidade não poderiam ser proprietárias, em cada município, de mais de 40% desse limite.

Essa norma, de 1971 - portanto editada sob a vigência da Constituição de 1967, com a redação da Emenda Constitucional de 1969 -, conviveu com o texto original da Constituição Federal de 1988, que tratou genericamente da matéria no artigo 171.

Na redação original da Constituição Federal de 1988 havia distinção entre empresas sediadas ou não no país, e entre empresas de capital nacional e as que assim não se classificassem. Era com base na aludida norma federal (Lei nº 5.709, de 1971) que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) atuava no controle da aquisição de imóveis rurais no Brasil por empresas criadas com capital estrangeiro.

Considerando que o artigo 171 da Constituição Federal de 1988 foi expressamente revogado pela Emenda Constitucional nº 06, de 1995, suprimiu-se a quebra de isonomia entre empresas brasileiras. A própria definição de "empresa brasileira", a partir da EC nº 06, de 1995, passou a ser aquela estabelecida sob a égide das leis brasileiras, com sede e administração no Brasil, como claramente constou na Exposição de Motivos 37/95 justificadora da citada emenda constitucional.

Essa vinha sendo a orientação jurídica governamental, por se basear no Parecer da Consultoria da União, GQ-181, de 17 de dezembro de 1998, que reexaminou outro parecer proferido em 1994, sob o nº AGU/LA-04/94, e vinculou toda a administração pública.

A linha adotada naquele parecer se concentrou na premissa de que a Constituição de 1988, apesar da revogação do aludido artigo 171, trata da questão relativa à participação de estrangeiros ou de capital estrangeiro em vários dispositivos, ora de maneira específica, ora genérica, ora absoluta, ora dependente de legislação infraconstitucional (art. 222: propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens; parágrafo 3º do artigo 199: assistência à saúde no país; e art. 192: sistema financeiro nacional).

O parecer anterior - agora revisto pela AGU - havia concluído que a matéria relativa ao tratamento a ser dado ao capital estrangeiro encontrava-se, também, de maneira genérica, referida no artigo 172 da Constituição Federal, que, a qualquer momento, poderia ser regulamentado pelo Congresso Nacional criando restrições ao capital estrangeiro no país. Por isso, era regra no âmbito federal não ser necessária autorização do Congresso Nacional no caso de aquisição ou arrendamento de propriedade rural por empresa brasileira, controlada por pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras.

Esse posicionamento estava valendo até a chegada do novo parecer da AGU, cabendo ressaltar que a sua validade é, apenas, no âmbito interno da administração pública. Nas palavras do ilustre autor do parecer: "apesar de sua inegável relevância, (o parecer) será limitado e incapaz de enfrentar todas as dimensões do problema."

Assim, em que pese a existência do novo parecer repristinando a Lei nº 5.709/71, e a possibilidade de "novos pareceres" desafiadores da segurança jurídica, a qualquer momento o Congresso Nacional poderá alterar as regras quanto a aquisição de terras por empresas brasileiras com capital estrangeiro. De fato, com a revogação do artigo 171 pela Emenda Constitucional nº 06, de 1995, a matéria foi deixada à discricionariedade do Poder Legislativo, que poderá discipliná-la por meio de ato normativo ordinário.

Sérgio Guerra é professor titular de direito administrativo da FGV DIREITO RIO


Aquisição de terras brasileiras por estrangeiros passa a ser limitada

Nesta segunda-feira (23/08) foi publicado no Diário Oficial da União (DOU) o parecer da Consultoria-Geral da União (CGU) que limita a venda de terras brasileiras a estrangeiros ou empresas brasileiras controladas por estrangeiros. O parecer da CGU fixa nova interpretação para a Lei nº 5.709/71 e foi aprovado pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. O texto segue a mesma linha da decisão da Corregedoria Nacional de Justiça, que, no último dia 13 de julho, determinou aos cartórios de registro de imóveis de todo o país que informem, trimestralmente, às corregedorias dos tribunais de justiça todas as compras de terras por empresas brasileiras controladas por estrangeiros. A medida foi adotada pelo corregedor nacional de Justiça, ministro Gilson Dipp, em resposta ao requerimento da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal.Com as medidas chega ao fim a discussão que se arrasta desde a promulgação da Constituição Federal em 1988, sobre se deveria ou não haver controle das compras de terras por empresas nacionais controladas por pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras. Com a nova interpretação, as compras de terras serão registradas em livros especiais nos cartórios de Imóveis. Todos os registros de aquisições feitas por empresas brasileiras controladas por estrangeiros deverão ser comunicados trimestralmente às corregedorias de Justiça dos Estados e ao Ministério do Desenvolvimento Agrário.Fonte: Agência CNJ de Notícias

Valor Econômico - Legislação & Tributos - 19.07.2010 - E2
Aquisição de terras por estrangeiros
Ricardo Medina Salla 19/07/2010

Não é de hoje que o Brasil é um país atraente para "players" estrangeiros do ramo imobiliário e fundos atuantes no agronegócio. Mesmo estrangeiros interessados em pequenos investimentos têm pulverizado suas compras pelas praias brasileiras. Curiosamente, por onde se passa pela humilde costa nordestina, encontram-se placas e mais placas com os dizeres "for sale", sendo de conhecimento geral que grandes áreas à beira-mar já são propriedade de grupos estrangeiros para implantação de complexos turísticos.Antes de investir no exterior, deve-se analisar o ordenamento jurídico do país receptor, focando-se no segmento em que pretende empregar seus recursos. No caso em tela, tratamos exclusivamente da possibilidade e/ou viabilidade de um estrangeiro empregar capital no ramo imobiliário brasileiro, que, como antevimos, cuida-se de um mercado com alto potencial de exploração, pelo menos até agora.Primeiramente, porque a Emenda Constitucional nº 06, de 1995, revogou o artigo 171 da Constituição Federal, trazendo ao Brasil a equiparação das pessoas jurídicas nacionais às pessoas jurídicas brasileiras controladas por capital estrangeiro.Em segundo lugar, porque o artigo 190 da Constituição, a despeito da equiparação, prevê a imposição de limitações legais às pessoas estrangeiras detentoras de bens imóveis em território nacional, as quais, até hoje, não foram empecilho aos investidores de fora.De fato, embora haja equiparação constitucional entre as pessoas jurídicas nacionais e as estrangeiras, há ainda distinções que são feitas em âmbito regulatório, previsto pela própria Constituição. É o caso da titularidade sobre bens imóveis rurais.Conforme estipulado pelo constituinte, a ordem jurídica brasileira dispõe de textos legislativos que regulamentam o setor imobiliário no tocante à participação de estrangeiros, dos quais destacamos as instruções normativas nº 864, de 2008, e nº 1005, de 2010, da Secretaria da Receita Federal. A Lei nº 5.709, de 1971, e o Decreto nº 74.965, de 1974, que a regulamenta, por outro lado, são constantemente questionados pela doutrina, buscando-se entender se foram ou não recepcionados pela Constituição de 1988.As instruções normativas vêm apenas exigir ao investidor estrangeiro que proceda ao cadastramento junto à Receita Federal. Em outros termos, para ser titular de bem imóvel, o investidor deve obter o CPF, se pessoa física, ou o CNPJ, se pessoa jurídica. Aliás, há quem entenda que, em princípio, seriam essas as únicas condições impostas aos estrangeiros para se tornarem proprietários de bens imóveis no Brasil.Isso porque a Lei 5.709 e o Decreto 74.965, que teriam o condão de estabelecer restrições à aquisição de terras rurais por estrangeiros, foram solapados pela Advocacia Geral da União (AGU), quando, em 1998, esta ratificou sua opinião emitida em 1994, de que tais limitações não teriam motivo para existir, por conta da equiparação constitucional das pessoas jurídicas nacionais e estrangeiras. Desde então, as sociedades controladas por capital estrangeiro, que tivessem sede no Brasil, não mais necessitavam de autorizações especiais para a aquisição de terras. E assim vinha sendo até os dias de hoje.Ocorre que, desde a liberalização promovida pela AGU, os números das incursões estrangeiras aumentaram significativamente, fazendo com que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) perdesse o controle das empresas e pessoas físicas que adquiriram terras no Brasil nos últimos tempos. Em vista dessa perda, não só a AGU vinha considerando revogar sua opinião emitida em 1998, como, agora, o próprio presidente da República resolveu intervir, propondo a aprovação de uma emenda constitucional que permitiria a imposição de restrições contundentes à aquisição de terras por estrangeiros.Em declaração malthusiana, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, demonstrou a preocupação do governo com a segurança alimentar, em detrimento da manutenção e captação de recursos internacionais. Na mesma oportunidade, acenou com a possibilidade da emenda constitucional ter efeitos retroativos, com o fim de se restaurar aquisições imobiliárias já escrituradas, em desfavor do compradores estrangeiros.Em linha com a corrente governista, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no dia 13 de julho, decidiu pela retomada da Lei 5.709, recomendando aos cartórios que procedam ao controle da aquisição de terras por empresas brasileiras com participação majoritária de estrangeiros, pessoas físicas ou jurídicas. Dessa forma, antigas restrições, como a limitação de aquisição de terras por estrangeiros a um quarto da extensão territorial dos municípios, devem voltar a valer em breve. De fato, a decisão do CNJ concedeu o prazo de 60 dias às corregedorias locais para adaptarem suas normas, que terão de ser cumpridas pelos oficiais de registro. Adicionalmente, o CNJ determinou aos cartórios que lhe enviassem a relação das terras até hoje adquiridas por estrangeiros, o que poderia demonstrar o início de um planejamento para aplicação de efeitos retroativos pela nova emenda constitucional.Embora não se rechace a regulação dos meios de aquisição de terra, o receio está na forma como essa se fará. As medidas de preservação dos recursos brasileiros devem se dar de maneira ponderada, para não se incorrer no mesmo erro protecionista gravado na história. Se hoje a economia do Brasil vem se destacando entre a de seus concorrentes, é porque soube, em algum momento, mesclar liberação com regulação, feita esta de forma responsável, sem inviabilizar o ingresso de capital externo. Aguardemos o que virá do tão comentado código de conduta proposto pelo Executivo Federal.
Ricardo Medina Salla é sócio do escritório Szazi Bechara Advogados

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Eis o veículo (Motorella) que tenho utilizado para andar na ciclovia da Lagoa e ir ao trabalho sem suar