segunda-feira, 26 de julho de 2010

Centros de memória corporativa

Valor Econômico - EU & Carreira - 23.07.2010 - D10


Mercado de trabalho: Empresas investem na valorização de seu patrimônio cultural e contratam profissionais especializados em museologia, história, arquivologia e biblioteconomia.
Centros para recuperar a memória corporativa criam oportunidades


Por Jacilio Saraiva, para o Valor, de São Paulo
23/07/2010

Régis Filho/Valor

Cláudia Calais, da Fundação Bunge, é responsável por gerenciar o acervo e organizar exposições, visitas e palestras

Cada vez mais empresas têm se preocupado em criar centros de memória para guardar documentos, objetos, fotos e imagens que contam a história da organização. Assim, um novo mercado de trabalho começa a ganhar força, principalmente para profissionais das áreas de museologia, história, arquivologia e biblioteconomia. Os núcleos têm equipes enxutas e, no Brasil, pelo menos 15 corporações como Bunge, Unilever e Bosch mantém investimentos com essa finalidade.

Para Dalva Marques, diretora da Asap, consultoria que recruta executivos de média gerência, os profissionais que trabalham em centros de memória empresariais começam a ganhar maior visibilidade no mercado. "Mais organizações estão enxergando as iniciativas de valorização da história empresarial como parte de uma estratégia para mostrar valores culturais, sociais e históricos", analisa. "Os colaboradores se identificam e os acervos podem fazer parte de uma política de retenção de talentos. Ao mesmo tempo, é possível atrair pessoas alinhadas com essa cultura organizacional."

Os profissionais precisam ser capazes de atuar na gestão de informações e de ações internas como orientação a pesquisas, organização de visitas, exposições, palestras e até iniciativas de integração de novos funcionários. Segundo Lygia Rodrigues, diretora da Grifo Projetos Históricos, que desenvolve projetos para a Unilever e para o Metrô de São Paulo, as empresas que desenvolvem centros de informação histórica são, geralmente, de grande porte, têm mais de 30 anos de atividade e estão em um estágio avançado na área de responsabilidade social corporativa. Até o fim do ano, a Grifo espera fechar até três novos contratos de formação e manutenção de centros corporativos.

O Centro de Memória Bunge, de uma das principais empresas de agronegócio e alimentos do país, reúne mais de 600 mil imagens, 1,3 mil caixas de documentos, 3 mil peças de filmes e 100 horas de depoimentos de funcionários. "O acervo conta a trajetória da indústria e do agronegócio brasileiros, com informações sobre arquitetura, design, marketing e propaganda, a partir da história da Bunge", explica Cláudia Calais, gerente de responsabilidade social da Fundação Bunge, que coordena a unidade. O investimento anual para a manutenção do centro é de cerca de R$ 700 mil.

Para dar conta do recado, Cláudia montou uma equipe de três profissionais: uma museóloga, que coordena o núcleo; uma documentalista, com especialização em historiografia e arquivologia; e uma analista de assuntos institucionais, com formação em comunicação social, planejamento e marketing. Além da gerência do material, o grupo organiza exposições, visitas e palestras. No ano passado, foram 11 visitas e 494 pedidos de pesquisas atendidos. Este ano, a Bunge organizou um encontro que reuniu 15 centros de memória de grandes grupos para discutir como os equipamentos podem ser usados como ferramenta de gestão empresarial. Estão previstos outros dois eventos em 2010.

Na Unilever, uma equipe de sete pessoas - a maioria historiadores com formação em arquivologia - trabalha no Centro de História Unilever, criado em 2001 com a ajuda de uma empresa especializada em projetos históricos. "Os funcionários realizam um trabalho permanente de pesquisa e levantamento de documentos para garantir o registro das principais iniciativas da empresa e de suas marcas", explica Agatha Faria, gerente de comunicação externa. Toda a documentação recebe um tratamento que vai desde a descrição em um banco de dados eletrônico até o acondicionamento de acordo com a origem dos itens. São mais de 65 mil documentos entre anúncios impressos, comerciais de TV, peças promocionais, embalagens, fotografias, jingles, vídeos institucionais e depoimentos de profissionais.

Desde o ano passado, o centro da Unilever mantém um sistema integrado ao Serviço de Atendimento ao Cliente (SAC) da companhia, que direciona contatos feitos em busca de informações históricas. Em 2009, foram feitas mil consultas. "Os centros de memória têm um papel importante, pois contribuem para que as instituições preservem e compartilhem um legado de conhecimento com a sociedade."

Para Sandra Reis, coordenadora do Centro de Memória Bosch, do grupo Bosch, em Campinas (SP), o objetivo da empresa com a formação da unidade, em 2003, era resgatar e organizar seu patrimônio cultural. O centro faz parte do Instituto Robert Bosch, braço social da companhia no país. Emprega uma cientista social com especialização em arquivos e uma estagiária de história. "O trabalho foi pioneiro entre as regionais da Bosch fora da Alemanha", afirma.

O núcleo tem 2,5 mil peças de audiovisual, 50 mil imagens no acervo iconográfico, 1,5 mil plantas e cartazes e 52 depoimentos de colaboradores e ex-empregados. A Bosch, que atua nos setores de tecnologia automotiva, industrial, de construção e bens de consumo, planeja ainda usar a unidade em atividades de integração de novos funcionários, treinamentos e encontros com fornecedores.

A Natura, Eletrobrás e a Algar Telecom (ex-CTBC) também já têm centros de memória próprios. Outras empresas estudam a criação de complexos do gênero. "Estamos avaliando o melhor formato e espaço", revela Maria Helena Monteiro, vice-presidente de relacionamento e administração da SulAmérica. A partir de 2007, a companhia começou a organizar seu acervo com a ajuda de uma bibliotecária. O conjunto reúne cerca de 100 pastas de fotos e documentos, que contém desde a primeira apólice emitida pela seguradora até relatórios anuais. A SulAmérica tem 114 anos de mercado.

Diretoria jurídica nas empresas

Valor Econômico - EU & Carreira - 21.07.2010 - D10

Gestão: Com abertura de capital e aumento de fusões, cargo ganha destaque no alto escalão das companhias e exige mudança no perfil de profissional.

Diretores jurídicos passam a atuar de forma estratégica

Por Rafael Sigollo, de São Paulo
21/07/2010

Davilym Dourado/Valor

Fernando Merino, diretor jurídico da CSN, faz parte do conselho de administração e da diretoria executiva da organização

Do mesmo modo que o setor de recursos humanos deixou de exercer apenas funções de apoio e operacionais para atuar de maneira mais estratégica, a área jurídica cada vez mais vem seguindo este caminho dentro das organizações. Assim, o perfil desses profissionais, especialmente os que ocupam cargos de comando, mudou. De acordo com especialistas, o diretor jurídico de uma empresa hoje deve ter uma visão de negócios, ser mais generalista e interagir com os outros gestores.

Para atender a demanda, muitos advogados estão se especializando em contabilidade, finanças e, principalmente, administração. "O cargo necessita de um gestor de assuntos jurídicos, não de um técnico. Portanto, é preciso ter linguagem clara, senso de urgência e proximidade com o negócio", afirma Eduardo Baccetti, sócio da 2GET, consultoria especializada no recrutamento de executivos. Ele próprio é formado em direito, tem pós-graduação em administração, passou por diversos escritórios de advocacia e atuou em grupos nacionais e multinacionais antes de se tornar headhunter.

Baccetti ressalta que os escritórios de advocacia costumam dar suporte ao departamento jurídico das empresas em questões mais específicas e, embora exista uma grande diferença de perfil entre os dois tipos de advogado, essa transição está se tornando cada vez mais comum. "Quem busca o mundo corporativo tem em média dez anos de carreira, já atingiu certa robustez atuando em bancas e não vê muitas chances de crescer a médio prazo."

Para Fernanda Siqueira, consultora sênior da área legal da Hays, o mercado se sofisticou e quem atua na área hoje precisa ter um viés de liderança. "O tempo daquele advogado antigo, que só entendia de leis, já passou. As empresas querem um facilitador para seus negócios, com pensamento estratégico. São profissionais muito bem preparados, com ótima formação acadêmica e fluência em idiomas", diz.

Na opinião de Fábio Salomon, headhunter da divisão legal da Michael Page, as organizações que mais abriram vagas para diretores jurídicos recentemente são as multinacionais de porte médio e as grandes nacionais. "Esta é uma faixa de mercado que está se posicionando para crescer por meio de fusões, aquisições, parcerias e abertura de capital", afirma. Segundo Salomon, todos esses movimentos exigem uma área jurídica moderna e bem estruturada. "Existem companhias com um faturamento enorme, mas que nunca tiveram essa figura internamente. Muitas estão fazendo agora o 'start up' do jurídico estratégico", afirma.


Salários mais altos estão nos setores de mineração, siderurgia e financeiro

De São Paulo

A remuneração base de um diretor jurídico de uma grande empresa parte de R$ 25 mil mensais em média e pode chegar até R$ 40 mil. Já a parte variável pode render de quatro até dez salários a mais por ano. Tudo depende da indústria, do tipo de empresa - capital aberto ou fechado; nacional, multinacional ou familiar - e se a atuação é regional, nacional ou global. "Tradicionalmente, o diretor jurídico é mais bem remunerado em companhias de capital aberto nos setores farmacêutico, financeiro, de mineração e de siderurgia", diz Eduardo Baccetti, da 2GET. Fábio Salomon, da Michael Page, destaca, porém, que as maiores mudanças estão acontecendo no agronegócio, nas seguradoras e no setor de tecnologia. "São segmentos que estão valorizando mais o cargo e exigindo executivos seniores", diz.

A Lenovo, por exemplo, uma das maiores fabricantes de computadores pessoais do mundo, contratou recentemente a advogada Renata Amano para o cargo de diretora jurídica. Com 15 anos de carreira - sendo a maior parte na área corporativa - ela chegou com a missão de reestruturar e dar agilidade ao departamento, que era comandado por um profissional de fora do Brasil. "O jurídico reativo não tem futuro e é uma barreira para desenvolvimento dos negócios. Queremos atuar de forma mais participativa, local e estratégica na companhia", afirma.

Maurício Khouri, que tem mais de 20 anos de carreira e desde 2008 é o responsável pelo jurídico da agência e operadora de viagens CVC, afirma que a área era vista como um mal necessário nas corporações. "A maioria nem tinha um departamento interno e os advogados preferiam trabalhar em escritórios. Hoje, o movimento é inverso", diz. Para Khouri, os mais jovens já entenderam as novas exigências do mercado. "Eles sabem que, além do domínio da matéria, precisam ter um perfil empreendedor, desenvolver uma visão de negócios e falar inglês ou espanhol."

Na opinião de Fernando Merino, diretor jurídico da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional) e professor do Insper, a nova geração de advogados é muito bem qualificada, ainda que a graduação incentive a "carreira solo" e ignore técnicas de gestão. "A diferença, portanto, acaba sendo a postura, a vontade de aprender e a disposição em executar", diz.

Há dois anos no cargo, depois de passar por Credit Suisse, JPMorgan e Merrill Lynch, Merino já fez contratações para o departamento e acredita que aprender a rotina das bancas e trabalhar em grandes projetos é fundamental para quem pretende se tornar um diretor jurídico. "Tento trazer esse perfil para a minha equipe e administrá-la de maneira dinâmica, atrelando bônus a metas coletivas e individuais, além de buscar formas de reduzir custos e melhorar a eficiência."

Merino conta que aceitou comandar a diretoria jurídica da CSN devido à complexidade das operações e ao projeto da organização de modernizar a área. "Faço parte do conselho de administração e da diretoria executiva da companhia. Meu departamento está envolvido em todas as decisões estratégicas", afirma.

Prova disso é que Merino participou com sua equipe de todas as negociações em relação à tentativa de compra da portuguesa Cimpor e da venda de 40% da Namisa (Nacional Minérios S.A.), subsidiária da CSN, para um consórcio de investidores japoneses e coreanos. "Em outros tempos, o jurídico só entraria em cena depois do negócio fechado", afirma. (RS)

Trabalho Escravo

Valor Econômico - Especial - 26.07.2010 - A14

Trabalho: Em fazenda do Paraná, alojamento não tinha nem banheiro
Trabalho escravo resiste também no Sul e no Sudeste


Marcos de Moura e Souza, de Palmas (Paraná) e São Paulo
26/07/2010
Claudio Belli/Valor

Um contêiner foi transformado em alojamento e era usado pelos trabalhadores no interior da fazenda da Madepar
Num barracão de 11 metros por 3 metros, sujo e improvisado, 19 beliches estão amontoados da entrada até os fundos. Há apenas duas janelas e uma porta de compensado de madeira numa das extremidades. Mesmo durante o dia, o ambiente fica na penumbra. O telhado é de zinco. Não há luz elétrica, banheiro ou qualquer tipo de aquecimento. No inverno, as temperaturas chegam quase a zero grau. Banhos são num vão de terra a céu aberto onde escorre um fio d'água gelada ou num quadrado improvisado com lona e sem porta. À noite, como não há colchões para todos, alguns dividem a mesma cama. Pelo menos dois adolescentes dormem com adultos.

Foi assim que integrantes do Ministério Público e da Procuradoria Regional do Trabalho do Paraná encontraram, no início deste mês, um alojamento de trabalhadores rurais contratados para podar uma plantação de pinheiros pinus numa fazenda na cidade de Palmas, no sudoeste do Paraná.

Claudio Belli/Valor

Além do contêiner principal, outro menor também tinha beliches
A área pertence à Madepar S.A. Indústria e Comércio (cujo nome fantasia é Madepar Agroflorestal). Ela integra um grupo ao qual pertencem a Madepar Papéis para Embalagem e a Madepar Laminados, todas sediadas no mesmo endereço na cidade de São Paulo.

Nos dias 8 e 9, uma equipe formada por auditores do trabalho, um procurador e policiais federais entraram nas fazendas da Madepar Agroflorestal em Palmas e autuaram a empresa por exploração de trabalho em condições análogas à escravidão. A operação se estendeu até sexta-feira passada. O Valor acompanhou os dois primeiros dias dos trabalhos a convite do Ministério do Trabalho e Emprego e da Procuradoria Regional do Trabalho do Paraná e se comprometeu a publicar a reportagem somente após o término da blitz.

Depois de anos registrando casos de trabalho análogo à escravidão quase exclusivamente nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, autoridades passaram a intensificar suas ações em regiões onde até então havia poucos registros da prática. No ano passado, pela primeira vez desde 1995, a região Sudeste teve o maior número de resgatados - 1.079 casos de um total de 3.769 em todo o país. No Sul, o Paraná foi o principal alvo, com 15 operações realizadas no ano passado (ficando atrás só do Pará e do Mato Grosso).

"Sempre houve trabalho escravo aqui no Paraná, no Rio Grande do Sul, em São Paulo, no Rio. A questão é que o foco da fiscalização foi por muito tempo o Amazonas, Pará, Tocantins, Maranhão e áreas onde havia incidência mais visível dessa prática", diz Luercy Lino Lopes, procurador da Procuradoria Regional do Trabalho do Paraná, que participou da ação na área da Madepar. "Há alguns anos começamos a nos dar conta que a realidade daqui é a mesma da do Pará." Lá, carvoarias costumam estar no centro das irregularidades; no Paraná, erva-mate e madeira.

Claudio Belli/Valor

O chuveiro era improvisado e sem portas
O que contribuiu para ampliar o alcance das ações e redirecionar os olhos das autoridades foi a alteração do Artigo 149 do Código Penal pela Lei 10.803, de 2003. A lei detalhou quatro condutas que, juntas ou isoladamente, passaram a configurar trabalho análogo à escravidão. São elas: submeter o trabalhador a trabalhos forçados, submeter o trabalhador à jornada exaustiva, sujeitar o trabalhador a condições degradantes de trabalho e restringir a locomoção do trabalhador em razão de dívida para com o empregador ou preposto. Antes da lei, o conceito de escravidão no Brasil levava em conta apenas os casos de trabalho forçado e escravidão por dívida.

"Com esse alargamento do conceito, não ficamos mais presos nos casos da Amazônia e do Norte, onde havia muita servidão por dívida e trabalho forçado, e onde dependíamos fundamentalmente de denúncias", diz Marcelo Campos, auditor fiscal do trabalho e assessor da Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego. "Isso permitiu que fôssemos atrás de outras regiões e de outras atividades econômicas."

Foi assim que autoridades passaram a fazer blitze em plantios de café, de morango e de uva, em áreas de colheita de erva-mate e nas fazendas do setor sucroalcooleiro no Sul e no Sudeste. Em 2002, um ano antes da aprovação da lei, o ministério não havia feito nenhuma operação nos Estados do Sul; em 2009 foram 24. No Sudeste, o salto foi de 1 para 18. Em todo o Brasil, o número de operações saiu de 30 para 156. O número de resgatados subiu de 2.285 para 3.769. Em 1995, quando o ministério começou a rastrear o trabalho escravo, apenas 84 pessoas foram retiradas da condição de escravo.

Nos últimos anos, o traço em comum na maioria das autuações passou a ser a degradação. "No ano passado, encontramos em Bituruna, aqui no Paraná, trabalhadores contratados para colher erva-mate alojados num curral. No mês passado, em Santa Catarina, encontramos outro grupo, que dormia num chiqueiro de porcos", lembra a auditora fiscal do trabalho Luize Surkamp Neves, coordenadora do Grupo Especial de Fiscalização Móvel, que combate trabalho escravo na região Sul. Foi ela quem liderou a operação em Palmas.

Segundo Campos, a situação de degradação - junto ou não com outras condutas previstas no Artigo 149 - aparece em todas as mais de 45 condenações de empregadores julgados pela prática de trabalho escravo no Brasil. As condenações decorrem das ações de fiscalização. Além das autuações administrativas, as operações também podem gerar ações penais aos empregadores. Explorar trabalho escravo é crime punível com pena de dois a oito anos de prisão.

No caso das fazendas da Madepar, além de alojamentos classificados pelos auditores como impróprios, o que a equipe encontrou foram trabalhadores sem equipamento de proteção, dizendo que tinham de pagar para obter ferramentas e providenciar colchões; fornecimento de água com potabilidade duvidosa; falta de banheiros; trabalhadores sem registro em carteira; e, além disso, cinco menores fazendo um tipo de trabalho proibido para sua idade.

"Há uns quatro anos trabalho com pinus, mas esse é o pior lugar que já fiquei", diz Rodrigo Almeida, de 19 anos. Ele tinha começado a trabalhar dois dias antes da operação e estava alojado no barracão improvisado de madeira. Outros dormiam em um contêiner com beliches. "Tinham me falado que tinha alojamento, só não disseram como era." Mario, 27 anos, completa: "O pior é o 'apertamento' e a falta de luz." Contratados por um dos intermediadores de mão de obra da região, Rodrigo e Mário disseram que ganhariam R$ 32 por dia para uma temporada de 15 dias, sem registro em carteira e sem equipamentos de trabalho. "Comprei bota, coberta, prato, garfo, faca. Capacete e luva a gente não usa", conta Rodrigo.

As irregularidades nas fazendas criaram um quadro considerado pelas autoridades como degradante. Além de serem obrigados a pagar multas e encargos, os empregadores podem ter o nome incluído, por no mínimo dois anos, na lista de exploradores de trabalho escravo organizada pelo ministério. Isso pode levar a uma suspensão total de crédito público e privado no período. E implica o risco de perder contratos com empresas signatárias do Pacto para a Erradicação do Trabalho Escravo.

Ao todo, as blitze na Madepar resgataram 67 trabalhadores, entre eles cinco adolescentes. Parte deles trabalhava na manutenção dos plantios de pinus e parte na colheita de erva-mate. A empresa teve de pagar R$ 108.609,99 em verbas rescisórias; R$ 169.000,00 em indenizações por danos morais (de R$ 1.000 a R$ 5.000 para cada um) e R$ 240.000,00 por dano moral coletivo. Com o pagamento do FGTS, dos valores devidos à Previdência e multas pelos 55 autos de infração lavrados, os valores poderão passar de R$ 650 mil, disse Lino Lopes. Parte disso foi pago em dinheiro na dia 23 aos resgatados no escritório da empresa na cidade de General Carneiro, Paraná.

Se não aceitasse fazer o pagamento e recorresse à Justiça, a Madepar correria o risco de ter seus bens congelados no valor da cobrança e ver a conta final multiplicada. Segundo o Ministério do Trabalho e a procuradoria, a maioria dos empregadores autuados por sujeitar trabalhadores à condição análoga opta por acertar as contas durante as autuações.

As condições dos trabalhadores resgatados nas fazendas da Madepar não são muito diferentes das existentes em outras áreas rurais flagradas na região, segundo os auditores. Entre as semelhanças está a terceirização de mão de obra. A empresa, segundo seu advogado Gilberto Dil Prá, estava trabalhando com três ou quatro empreiteiros - termo usado no Paraná e em Santa Catarina para agenciadores ou intermediadores de mão de obra. A prática no meio rural, segundo o ministério, é proibida por lei de 1973, mantida pela Constituição de 1988.

"No Brasil, o trabalho escravo está associado à intermediação de mão de obra e no Sul isso se vê em quase todos os flagrantes. E a intermediação vem acompanhada em 100% das vezes de precarização", diz Lino Lopes. Para Campos, do Ministério, a solução está em mudar o comportamento do empregador. "Ele precisa ter certeza de que esta prática não é um bom negócio." Para o governo e grupos de direitos humanos, uma mudança crucial está na Câmara dos Deputados. O projeto de emenda constitucional (PEC) 438 prevê a expropriação e destinação para reforma agrária de toda área rural flagrada com mão de obra escrava. O projeto já passou pelo Senado


Trabalhadores resgatados acham que a vida melhorou

De Palmas (PR)

Numa das idas e vindas pelas estradas das fazendas da Madepar durante a blitz, os auditores se depararam com um garoto de calção, camiseta e chinelo. O menino se desesperou. Não sabia se corria pela estrada ou se tentava se esconder entre as árvores. "Parecia um bicho acuado", contou depois ao Valor um dos auditores que o encontrou. A equipe logo descobriu que ele estava trabalhando ao lado de adultos na poda da plantação de pinus. Descobriu também que ele não estava só. Ao retornarem a um alojamento já fiscalizado, os auditores encontraram outros quatro meninos e a mesma reação. Alguns correram e tentaram se esconder dentro do abrigo. Mais tarde, um deles se explicou à auditora Luize Surkamp Neves, que coordenou a operação nas fazendas: "O patrão falava que, se a gente fosse encontrado, a culpa era nossa".

Os menores entre 14 e 15 anos haviam sido chamados para trabalhar por um dos intermediadores de mão de obra contratado pela Madepar, apelidado de Noca. Era a ele que os garotos se referiam como patrão. Um dos meninos relatou que dividia o mesmo colchão - na verdade, uma espuma desgastada e suja - com o pai, porque não havia no alojamento uma cama só para ele. A legislação permite alguns trabalhos entre 16 e 18 anos, mas não trabalhos que lidem com instrumentos cortantes e perigosos, como a poda das árvores.

Além da exploração de mão de obra infantil, os auditores encontraram trabalhadores alojados numa cabana de madeira, cujo banheiro era o mato. A água era retirada de uma mina, também usada pelo gado. Em outro ponto das fazendas, um contêiner pintado de verde e com rodas funcionava como dormitório. Quatro quartos com três treliches cada. A distância entre as camas de cada treliche fugia totalmente às normas técnicas, segundo os auditores. A água usada pelo grupo vinha de um veio também de qualidade duvidosa. Como vários outros trabalhadores, esses também dizem que recebem por dia - se chove, por exemplo, não trabalham e não ganham -, não recebem equipamentos de proteção, nem têm registro em carteira.

As condições consideradas degradantes pelas autoridades do trabalho, contudo, são vistas com outros olhos pelos trabalhadores da região. "Já melhorou 90% o tipo de vida aqui. A nossa casa é o contêiner. Tem outros que ainda estão embaixo de lona", disse João Quadros, de 42 anos. O grupo de Quadros foi contratado para colher erva-mate - cultura que abastece a demanda constante de mate para chimarrão em todo o Sul. E pelo cúmulo da ironia histórica, começou a trabalhar em 13 de maio.

"Há 20 anos lido com erva. Meus três filhos cresceram comigo e com a minha mulher colhendo erva e até uns anos atrás dormíamos no mato, debaixo de lona", contou. E melhorou, na opinião dele, por força de multas. "Se não tivesse a fiscalização batendo sempre por aqui, a gente estava igual."

Assim como ele, outros trabalhadores ouvidos pela reportagem relataram o que consideram ter sido um avanço no padrão de trabalho na região, apesar das muitas irregularidades. Mario Sérgio Lorenci, 28 anos, é um deles. "No ano passado, fui resgatado de uma fazenda e dei graças a Deus. Eu estava junto com outros seis companheiros numa casa velha; a cozinha era um latão, a geladeira era um varal, a gente tomava banho no açude e o banheiro só no mato. Agora durmo no contêiner. Agora estamos em casa", disse ele.

Lorenci esperava na estrada para falar com a auditora Luize. Foi ela quem o resgatou em 2009, numa operação que lhe garantiu uma indenização de R$ 5 mil. Lorenci estava agora trabalhando como motorista de trator, "baldeando" feixes de erva da mata. Tanto ele quanto Quadros, Mário e Almeida foram resgatados pela operação do início de junho, porque pelas normas técnicas e pelas leis trabalhistas continuavam em plena e flagrante situação de trabalho degradante. Muitas vezes, os trabalhadores fazem as denúncias que levam à operação de fiscalização. No caso da Madepar foi diferente, pois a operação foi baseada em investigações das próprias autoridades. (MMS)

Brasileiros na Argentina

Valor Econômico - 26.07.2010 - B-4

Turismo: País vizinho prevê receber mais de 5 milhões de estrangeiros
Um milhão de brasileiros devem visitar a Argentina


Daniel Rittner, de Buenos Aires
26/07/2010
Lalo de Almeida/Folha Imagem

Estação de esqui em Bariloche: as previsões na cidade são de alta de quase 20% no fluxo de visitantes em relação a 2008, o último ano de movimento forte
Com o real valendo mais de dois pesos e sem medo da gripe suína, que foi controlada neste inverno, os turistas brasileiros invadiram as lojas e os hotéis de Buenos Aires. O ministro do Turismo da Argentina, Enrique Meyer, disse ao Valor que o país espera receber um milhão de visitantes do Brasil em 2010 - um recorde histórico. No ano passado, foram 718 mil. Só em junho, a entrada de brasileiros pelos dois aeroportos da capital argentina superou em 49% a quantidade de igual mês de 2009.

"Estamos fazendo 34 ações no mercado brasileiro este ano", destacou o ministro. Meyer refere-se a investidas que vão desde estandes no Salão do Estudante e participações em feiras com operadores de turismo até campanhas promocionais de vinhos e a inclusão de paisagens argentinas em novelas da TV Globo.

No total, a estimativa do governo é receber cinco milhões de turistas estrangeiros em 2010 - 300 mil visitantes a mais do que em 2008, o melhor ano até agora, e 15% acima de 2009 -, o que também significa um recorde.

Mas a crise europeia faz a Argentina redirecionar todos os esforços para a divulgação do país no Brasil. A intenção é convencer a "nova classe média brasileira" a escolher o país vizinho como seu primeiro destino no exterior, comentou o ministro.

O gasto médio dos brasileiros na Argentina é o maior entre os turistas estrangeiros. Chega a US$ 138 por dia - mais que o dobro, por exemplo, do que gastam os alemães. Nada menos que 54% se hospedam em hotéis de alto padrão, de quatro ou cinco estrelas, uma proporção superior à dos turistas americanos, chilenos, italianos ou franceses.

Isso deverá fazer com que os visitantes brasileiros deixem cerca de US$ 1 bilhão na economia argentina em 2010. Percebendo o fascínio dos vizinhos pelas compras, principalmente por causa do real fortalecido, boa parte das lojas na rua Florida, a meca do comércio popular de Buenos Aires, já aceita reais como forma de pagamento - embora seja raro encontrar um estabelecimento que aceite a moeda brasileira fora do centro.

"Não viemos fazer compras, mas as roupas e os restaurantes estão bem mais baratos do que no Brasil", animou-se o microempresário Dalton Furtado Palhares, de Belo Horizonte, que passeava com a esposa na fria tarde de sexta-feira, em um centro comercial no bairro da Recoleta. "Pagamos relativamente pouco pela qualidade que se oferece, mesmo indo aos lugares mais turísticos", disse Palhares, que ficaria seis dias na cidade.

O objetivo do governo argentino, agora, é justamente fazer aumentar o tempo de estadia dos brasileiros no país. Em 2009, a média foi de 6,5 noites e 75% ficaram apenas ou principalmente em Buenos Aires. A estratégia é divulgar destinos no interior para esticar a permanência dos turistas. "Estamos promovendo bastante a Ruta 40, que atravessa a Argentina de norte a sul. Sabemos do gosto que têm os brasileiros pelos automóveis e esse é um passeio extremamente interessante", afirmou a coordenadora do Instituto Nacional de Promoção Turística (Inprotur) para o mercado brasileiro, Marcela Cuesta.

Segundo ela, outra iniciativa que deverá favorecer a ida de brasileiros para o interior são as mudanças recém-implementadas no Aeroparque, o aeroporto central de Buenos Aires. Em março, o terminal aeroportuário passou a receber voos provenientes do Brasil e dos demais países do Mercosul. Antes, só abrigava voos internacionais na ponte aérea a Montevidéu. Todos os demais saíam e chegavam exclusivamente no aeroporto de Ezeiza, a uma hora do centro.

Como os voos domésticos são feitos apenas do Aeroparque, Cuesta ressaltou que agora as conexões para as outras 23 Províncias ficarão mais fáceis e rápidas. Por enquanto, porém, a única companhia que já opera ali é a Aerolíneas Argentinas.

Registre as histórias, fatos relevantes, curiosidade sobre Paulo Amaral: rasj@rio.com.br. Aproveite para conhecê-lo melhor em http://www2.uol.com.br/bestcars/colunas3/b277b.htm

Eis o veículo (Motorella) que tenho utilizado para andar na ciclovia da Lagoa e ir ao trabalho sem suar