sexta-feira, 2 de julho de 2010

Estratégia do Tesouro para capitalizar estatais

Valor Econômico - EU & S.A. - 30.06.2010 - D9

Mercado de capitais: Tesouro busca pelo menos R$ 20 bilhões para capitalizar empresas.
Governo federal turbina estatais com ações em bolsa


Por Danilo Fariello e Fernando Travaglini, de Brasília

O Tesouro Nacional tem pela frente a meta de levantar pelo menos R$ 20 bilhões para capitalizar suas estatais na bolsa, se consideradas as previsões para aumento de patrimônio apenas de Petrobras, Telebrás, Eletrobrás e Banco do Brasil. Com esse desafio, a União desenvolveu uma engenharia financeira inédita, em que o Tesouro funciona como uma espécie de holding, buscando uma estrutura ótima de suas operações societárias e aumentando a eficiência da política fiscal, na avaliação de profissionais do mercado financeiro.

Nesse sentido, tornaram-se comuns operações como conversão de créditos em participações ou uso de ativos de determinadas empresas para aplicar em outras. "O Tesouro começa a adotar na renda variável a mesma complexidade de gestão de ativos que teve na renda fixa nos tempos de juro mais alto", diz um analista financeiro do setor privado.

A operação mais notável de heterodoxia financeira em processos de capitalização é percebida nas discussões que envolvem o aumento de participação na Petrobras, com a conversão de barris de petróleo a serem extraídos no futuro em recursos no presente. Para Telebrás, são R$ 3,22 bilhões previstos. No Banco do Brasil, mais R$ 1,7 bilhão. Por isso, o Tesouro também passou a dispor de estratégias até então percebidas apenas em controladoras de grandes sociedades anônimas, que têm preocupação similar em preservação de caixa e retorno anual.

Nos últimos meses, R$ 4,8 bilhões foram injetados na Eletrobrás sem necessidade de burocracias ou ofertas públicas demoradas por meio de um instrumento chamado "adiantamento para futuro aumento de capital". Com esse recurso, o Tesouro melhora o balanço da empresa, aumenta sua capacidade de alavancagem e garante sua fatia em futura oferta primária.

Mas a ginástica financeira do Tesouro foi ainda mais longe ao usar, por exemplo, ações da própria Eletrobrás e de outras estatais que possuía em fundos setoriais para capitalizar o BNDES, aprovado no dia 29 de abril.

Dois decretos presidenciais, publicados no fim de abril permitiram tais operações. O primeiro previu que a União transferisse R$ 2,7 bilhões (de um total de R$ 4,8 bilhões) em adiantamentos da Eletrobrás ao BNDES. Outro decreto autorizou o BNDESPar a trocar R$ 1,3 bilhão em ações do Banco do Brasil, de uma carteira total de R$ 1,9 bilhão, por ações da Eletrobrás em posse da União. O reforço de R$ 4 bilhões elevou a capacidade de o banco de desenvolvimento oferecer empréstimos em cerca de R$ 36 bilhões.

Essa nova fase de complexidade na gestão de ativos de renda variável por parte do Tesouro começou com a Medida Provisória 487, de 23 de abril, que instituiu duas mudanças fundamentais na administração das ações e direitos das empresas estatais.

A primeira alteração permite a troca de ações de propriedade da União por papéis detidos por entidades da administração pública indireta, como fundos constitucionais ou fundos de garantia.

Essa previsão foi fundamental no processo de emissão de ações do Banco do Brasil, ao permitir a transferência de quase 150 milhões de ações de fundos governamentais ao Tesouro Nacional, para que ele continue detentor direto de mais de 50% das ações ordinárias do banco estatal (hoje em 52%). Mas a participação total indireta da União no capital do banco deve cair de 67% para 57%.

A segunda grande mudança introduzida pela MP 487 abrange a forma como a União pode participar ou realizar aumentos de capital de suas empresas. A União pode agora abrir mão de seu direito de preferência em processos de capitalização, desde que seja mantido o controle. Esse direito pode, ainda, ser cedido a um fundo privado cujo governo seja cotista único, como é o caso do Fundo Soberano. Por fim, a MP autorizou o Tesouro a girar créditos em processos de aumento de capital de estatais.

No caso da Eletrobrás, a operação do Tesouro ao transferir os adiantamentos ao BNDES ainda garantirá a manutenção da União com a fatia atual da empresa de energia. Armando Casado de Araújo, diretor de relações com investidores da Eletrobrás, explica que, mesmo transferindo ao BNDES adiantamentos equivalentes a R$ 2,7 bilhões, o Tesouro permaneceu com valor equivalente a R$ 2,1 bilhões, quantia que será suficiente para que a União mantenha a participação com a futura oferta.

Em um outro arranjo institucional que deve melhorar a gestão de ações de estatais pelo governo, o Tesouro transferiu ao Fundo Soberano Brasileiro (FSB) o direito de preferência na oferta pública do Banco do Brasil. O FSB deve comprar 62,5 milhões de ações na oferta pública do banco pública, o equivalente a cerca de R$ 1,7 bilhão, 10% dos ativos do fundo. A oferta do BB deve movimentar quase R$ 10 bilhões.

Segundo analistas do mercado, o principal objetivo do governo neste momento é ampliar o poder de fogo das estatais sem colocar dinheiro vivo, já que a administração pública está amarrada por metas de superávit fiscal. "A estratégia está em linha com a política atual, hoje se quer investir, mas de uma maneira que não comprometa as contas fiscais", diz um operador privado do mercado.

Somadas, as operações de Petrobras, Telebrás, Eletrobrás e Banco do Brasil, podem levantar mais de R$ 100 bilhões no mercado. O governo, que teria de entrar com parte relevante desse capital por ser acionista majoritário das companhias, vem criando artifícios para girar cerca de R$ 20 bilhões, sem colocar capital novo, e manter os controles acionários.

A engenharia financeira, no entanto, desagrada ao mercado em certos aspectos. A primeira crítica é à incerteza gerada nesses processos. Até a semana passada, ninguém sabia se o governo colocaria ou não capital na operação do BB. Somente nos últimos dias houve comunicado confirmando o exercício de preferência pelo FSB na oferta. Outra crítica diz respeito à transparência dessas operações, por exemplo, sobre em quais termos e preços o Tesouro trocou adiantamentos da Eletrobrás com o BNDES. O Tesouro também não divulga o volume total de adiantamentos para futuro aumento de capital em carteira.

Há também o risco de diluição da participação dos minoritários, por conta do uso dos adiantamentos. Estimativa feita pelo banco de investimento Barclays Capital aponta perda do potencial econômico dos minoritários da Eletrobrás em 23,5%, enquanto as participações poderiam ser diluídas em 18,3%.

Procurado diversas vezes para explicar as operações de troca de ações e ativos, além da participação do FSB na capitalização do Banco do Brasil, o Tesouro, por meio de sua assessoria de imprensa, disse que não poderia fazer comentários por se tratar de ações de companhias abertas.

O governo possui participação majoritária em 45 empresas, sendo 23 sociedades de economia mista e 22 públicas. Além disso, é acionista minoritário em 76 companhias e tem metade da empresa binacional Itaipu.

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