segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Nova Lei 12.101 sobre entidades beneficentes

Valor Econômico - 02.12.09 - p. E1

Lei da Filantropia traz regras mais severas


Adriana Aguiar, de São Paulo
02/12/2009

A nova Lei da Filantropia, em vigor desde segunda-feira, trouxe regras mais severas para o processo de certificação de entidades beneficentes de assistência social. O certificado garante a isenção de contribuições previdenciárias patronais, além de outros benefícios fiscais, que fazem uma diferença significativa para o caixa dessas organizações.

A principal mudança está na norma para o funcionamento das entidades de assistência social propriamente dita. De acordo com a lei, as entidades terão que comprovar, daqui para frente, que todas as suas atividades são 100% gratuitas. Isso deve gerar um grande problema para o setor, segundo a advogada Flávia Regina Souza, sócia da área de Terceiro Setor do Mattos Filho Advogados, pois muitas cobram pequenas taxas ou um valor de custo pela assistência prestada.

As entidades filantrópicas ligadas à educação - obrigadas a comprovar, até então, que pelo menos 20% da sua receita anual efetivamente recebida era aplicada em gratuidade - não poderão mais incluir livremente no percentual os valores gastos com programas de apoio a alunos bolsistas, como transporte, uniforme e material didático. A nova lei limitou em 25% do total que é aplicado em gratuidade para os programas de apoio. Ou seja, se a entidade alega aplicar 20% em gratuidade, o percentual fica limitado a apenas 5%. No entanto, a norma prevê que essa adaptação poderá ser feita gradativamente.

Para a advogada Flávia Souza, a mudança trará impacto principalmente para as entidades de ensino médio e básico, que já possuem uma sistemática arraigada de conceder poucas bolsas de estudo e investir mais em projetos assistenciais. Isso não deve fazer diferença, no entanto, para as entidades de ensino superior, que em geral seguem a legislação do Programa Universidade para Todos (Prouni), norma que já regula a atuação dessas entidades.

No caso das entidades de saúde, porém, a lei dá mais um subsídio para atingir a meta mínima de 60% dos atendimentos feitos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), como um dos critérios para se obter o certificado. Agora, além das internações, também poderão ser contabilizados os atendimentos ambulatoriais.

Os pedidos de certificação, que até então eram solicitados no Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) - um órgão paritário com membros do governo e da sociedade -, agora passam a ficar a critério do ministério ligado à atividade da organização. As entidades, no entanto, terão mais tempo para renovar seus certificados. Agora, eles terão validade máxima de cinco anos, a depender da regulamentação específica. Na antiga lei, o prazo era de três anos.

A advogada da Confederação dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen), Anna Gilda Dianin, afirma que a entidade ainda deve aguardar a regulamentação da lei para se posicionar sobre a possibilidade de questionar as mudanças na Justiça. "Ainda é prematuro falar na possibilidade de entrar com uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) contra dispositivos da nova lei", afirma. Para ela, só o dia a dia na utilização da norma poderá dizer o real impacto dela na concessão das certidões.

Já a advogada Flávia Souza, que assessora diversas entidades filantrópicas, entende que essas restrições são passíveis de contestação judicial. Ela afirma que uma lei ordinária não poderia limitar o que está disposto na Constituição Federal. Isso porque o parágrafo 7º do artigo 195 prevê que essas entidades beneficentes são isentas de contribuição para a seguridade social, desde que cumpram requisitos da lei, e uma norma ordinária não poderia limitar essa isenção. Uma discussão semelhante ainda aguarda decisão de mérito no pleno do Supremo Tribunal Federal, na Adinº 2028, impetrada pela Confederação Nacional de Saúde-Hospitais, Estabelecimentos e Serviços (CNS) contra o artigo 1 da Lei nº 9732, de 1998, ao também tratar de critérios de gratuidade para a concessão da certidão.

Efeito meramente devolutivo dos embragos à insolvência civil

Notícias Superior Tribunal de Justiça
Embargos à insolvência devem ser recebidos apenas no efeito devolutivo

Os embargos opostos ao pedido de declaração de insolvência civil devem ser recebidos apenas no efeito devolutivo – hipótese em que a parte vencedora pode promover desde logo a execução provisória da sentença. A decisão é da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), provocada por um recurso em que um devedor de São Paulo reclamava ambos os efeitos (devolutivo e suspensivo) na apelação interposta de sentença que declarou sua insolvência.

Segundo o STJ, é correto o entendimento proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo que equiparou embargos à insolvência aos embargos à execução, opostos por devedor solvente, para fins de aplicação da regra estabelecida pelo art. 520, inciso V, do Código de Processo Civil (CPC). A regra determina que a apelação será recebida somente no efeito devolutivo, quando interposta de sentença que rejeitar liminarmente embargos à execução ou julgá-los improcedentes.

Segundo o relator, ministro João Otávio de Noronha, “a insolvência civil é uma ação de cunho declaratório/constitutivo, tendente a aferir, na via cognitiva, a insolvabilidade do devedor, condição esta que, uma vez declarada judicialmente, terá o efeito de estabelecer nova disciplina nas relações entre o insolvente e seus eventuais credores. “Tal premissa não há de ter, entretanto, o efeito de mudar em contestação os embargos disciplinados nos art.755 e seguintes do CPC”, assinalou.

“Se por um lado é incontroverso o caráter declaratório/constitutivo da ação de insolvência civil, por outro lado, também não pairam dúvidas quanto ao propósito do legislador de, dado o inequívoco potencial de executividade do procedimento, abreviar o trâmite processual, com reflexos positivos no plano da efetividade da jurisdição, sem descuidar dos direitos do devedor”, ponderou o ministro. Tais atributos estariam evidenciados não apenas na redistribuição do ônus da prova, mas também na maior abrangência da matéria passível de ser ali deduzida, que poderá abarcar, além daquelas próprias dos embargos à execução do devedor, a negação mesmo da insolvência.Eresp 727245

Educação dos jovens melhora, mas desigualdade continua

Valor Econômico - 4, 5 e 6.12.09 - Brasil - A2
Jovens agora estudam mais no Brasil, mas têm educação desigual, diz Ipea


04/12/2009
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A situação educacional de brasileiros com idade entre 15 e 29 anos é um misto de avanços, problemas e desafios, de acordo com estudo divulgado ontem pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O documento tem como base dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2008, que indica um total de 49,7 milhões de jovens no país - 26,2% da população.

O Ipea destaca como principal avanço o fato de os jovens, atualmente, conseguirem passar mais tempo em sala de aula e terem maior escolaridade do que os adultos. Em 1998, a média de anos de estudo entre pessoas de 15 a 24 anos era 6,8. No ano passado, a média era de 8,7 anos de estudo entre jovens de 18 a 24 anos. No grupo de 25 a 29 anos, a média chegou a 9,2 anos - 3,2 anos de estudo a mais do que entre a população acima dos 40 anos.

Mas o estudo alerta que o processo de escolarização da maioria dos jovens brasileiros ainda é marcado por oportunidades limitadas e que, no país, prevalecem expressivas desigualdades educacionais entre ricos e pobres, brancos e não brancos, e moradores de áreas urbanas e rurais e das diferentes regiões.

A pesquisa também destaca que apenas a metade dos jovens brasileiros de 15 a 17 anos frequenta o ensino médio na idade adequada e que 44% ainda não concluíram nem mesmo o ensino fundamental. Nas regiões Nordeste e Norte, as taxas de frequência (36,4% e 39,6%, respectivamente) são bem mais baixas do que no Sudeste e Sul (61,8% e 56,5%, respectivamente).

O acesso ao ensino superior é ainda mais restrito, com frequência de apenas 13,6% dos jovens de 18 a 24 anos. Uma boa parcela dos que têm mais de 18 anos - cerca de 30% - conseguiu completar o ensino médio, mas sem buscar a continuidade de estudos no ensino superior.

O Ipea ressalta também que a proporção de jovens fora da escola cresce de acordo com a faixa etária: 15,9%, entre os jovens de 15 a 17 anos; 64,4%, de 18 a 24 anos; e 87,7%, de 25 a 29 anos.

Um destaque positivo apontado na pesquisa é que o maior nível de escolaridade também se reflete na menor taxa de analfabetismo entre os jovens. Na faixa de 15 a 17 anos, a queda foi de de 8,2%, em 1992, para 1,7%, em 2008, e, na faixa de 18 a 24 anos, foi de 8,8% para 2,4%, no mesmo período. Entretanto, de acordo com o estudo, a redução do analfabetismo entre jovens nos últimos dez anos não foi acompanhada da diminuição das disparidades regionais, sobretudo no Norte e Nordeste.

Habilidade negocial do operador jurídico

Consultor Jurídico
"Nem todo conflito deve virar um processo"

Por Fabiana Schiavon e Lilian Matsuura
Recém-eleita para o cargo de presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo, o IASP, a advogada Ivette Senise Ferreira defende a ideia de que a conciliação e a arbitragem são o futuro da Justiça. Quanto mais operadores do Direito aderirem à prática, menos pilhas de processos irão se formar em tribunais e varas. Para a advogada, tanto a Constituição como as escolas de Direito incentivam o sistema de litígio em que tudo vira processo.

Para desatolar a Justiça, Ivette acredita que a mudança deve começar pelo currículo dos cursos de Direito, com a introdução de disciplinas optativas que ensinem técnicas de moderação de conflitos.

Formada pela faculdade de Direito da USP em 1957, Ivette decidiu se especializar em Direito Penal em um doutorado da Faculdade de Direito de Paris. Na década de 80, voltou ao Brasil para advogar, mas logo ficou encantada pela carreira acadêmica, a qual se dedica até hoje.

Em 1998, Ivette Senise foi nomeada diretora da Faculdade de Direito da USP, tornando-se a primeira mulher a ocupar o posto. O pioneirismo foi acompanhado por uma coincidência: pela primeira vez, a vice-diretora e a presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto também eram mulheres. Mãe de quatro filhas e avó de dez netas, ela recorda os tempos difíceis para as mulheres que saiam de casa para trabalhar mas que tinham de continuar a atender as obrigações de dona de casa, esposa e mãe. "A mulher passou a estudar, se preparar e, com o conhecimento viu que ela é tão capaz quanto o homem", diz ela.


Ao longo da carreira, as circunstâncias transforamram Ivette Senise em uma especialista em ensino jurídico. Foi Coordenadora da Comissão de Exame de Ordem da OAB e conselheira do Centro de Integração Empresa-Escola, entidade especializada em oferecer estagiários para o mercado. Atualmente é a vice-diretora da Escola Superior da Advocacia, da OAB-SP. Qualidade do ensino jurídico no Brasil: "O esforço deve vir de cada faculdade, que precisa saber a dose exata de matérias que têm efeito profissionalizante e outras que simplesmente aguçam o conhecimento", explica.

Com a posse marcada para 12 de janeiro, Ivette pretende manter a plataforma de ação da atual gestão, que modernizou o IASP com novos departamentos e debates sobre os temas em evidência, como a Lei do Mandado de Segurança, a Lei de Imprensa e, mais recentemente, o marco regulatório civil da internet, que está em discussão aberta à população na rede.

Leia a entrevista

ConJur — A senhora foi a primeira diretora da Faculdade de Direito da USP e a segunda mulher a tomar posse na IASP. O que representa a chegada das mulheres aos cargos de direção?
Ivette Senise Ferreira — Assumir essas posições foi a comprovação de uma mudança que foi se realizando paulatinamente. Na época em que eu estava na faculdade, a situação era muito diferente, mas desde o final do século passado, as mulheres já tinham conquistado um espaço, e era muito raro achar um nicho em que ainda houvesse preconceito contra as mulheres.

ConJur — Por que a mulher demorou a conquistar boas posições?
Ivette Senise — O que faltava era uma abertura nos postos de direção. Em geral, as mulheres eram admitidas, sejam nos escritórios, nos tribunais, nas organizações, nas empresas, mas poucas chegavam ao cargo de direção. Isso não ocorria por preconceito, mas porque a mulher chegou tarde nesse mercado de trabalho. Por exemplo, na faculdade a abertura se deu muito tarde. Só no fim do século passado, a primeira mulher começou a lecionar Direito. Mesmo na faculdade, não é simples chegar ao topo. É um percurso longo, trabalhoso e muitas mulheres param no caminho. Há muitas mulheres livres-docentes na faculdade, mas são poucas as que chegam como professora titular, porque a concorrência com o homem é forte e as mulheres ainda têm um pouco de medo de competir em pé de igualdade. Para a mulher, é mais difícil se dedicar. Eu mesma quando fiz os meus concursos na faculdade, tinha que dividir a docência, com os estudos e a vida doméstica, de mãe, de esposa, de dona de casa.

ConJur — As mulheres hoje querem chegar lá? A realidade mudou?
Ivette Senise — O ambiente já tinha mudado. Foi interessante quando houve a coincidência de três mulheres assumirem cargos de direção, ao mesmo tempo. Foi um fato inédito que marcou a passagem para uma nova era que inicia. Quando eu tomei posse na diretoria da faculdade, a vice-diretora era mulher e também foi eleita, pela primeira vez, uma mulher para o centro acadêmico, que antes só havia sido dirigido por rapazes. Mas, você vê que eu fui a primeira e última mulher no cargo. Por quê? Porque é preciso uma série de condições que propiciem que isso aconteça. Hoje, há mulheres já satisfeitas com o que fazem, acham suficiente atuar na livre-docência, por exemplo. Agora, as mulheres que batalham e que vão à luta, que dão atenção integral com determinação, elas querem chegar lá sim.

ConJur — A senhora sentiu resistência quando assumiu o cargo?
Ivette Senise — Houve pouca resistência. Soube de alguns comentários infelizes de um ou outro professor. Mas eu fui eleita praticamente pelos homens, porque é a congregação que elege, com os representantes dos docentes e dos funcionários, formada na grande maioria por homens. Nós tínhamos na congregação pouquíssimas mulheres, nem 10%. Isso mostra que já havia uma mudança de mentalidade dentro da faculdade.

ConJur — O que representa a chegada da mulher ao topo do mercado de trabalho?
Ivette Senise — Representa o reconhecimento de que não existem diferenças essenciais entre um homem e uma mulher, a não ser uma diferença de papéis que cada gênero exerce na sociedade. Desde que o mundo é mundo, o homem, por suas características, inclusive físicas, era a pessoa que saia e ia batalhar, ia arrumar comida, ia arrumar o dinheiro, ia arrumar o sustento. E a mulher era a provedora do lar, a criadora dos filhos, e muitas vezes se acomodavam nesse papel. No inicio do século, a mulher começou a abrir a mentalidade e perceber que ela tinha que participar da sociedade. Um fator que propiciou isso foram as guerras. Nos países que participaram dos conflitos armados, os homens saiam, iam guerrear fora, e as mulheres ficavam com o papel de provedora da casa. Arrumavam um jeito de trabalhar, de conciliar. A mulher começou então a estudar, se preparar e, com o conhecimento viu que ela é tão capaz quanto o homem, embora fossem pessoas diferentes, com outras características pessoais e físicas

ConJur — Marido e filhos aceitam que a mulher dedique um tempo ao trabalho e ao estudo?
Ivette Senise — O homem se convenceu de que não dá para ele sustentar sozinho uma casa. Depois de muitos anos de casamento me divorciei, mas durante a minha carreira toda, dividi a família com a profissão. O meu marido era da mesma área. Quando o casal tem a mesma profissão, o mesmo âmbito, os mesmos relacionamentos, os mesmos interesses, é mais fácil. E os filhos sempre aceitaram, porque desde que eles nasceram eu nunca parei de trabalhar, estudar. A minha filha, a menor delas, achou estranhíssimo saber que a mãe de uma amiga dela ficava o dia inteiro em casa. Ela chegou em casa e disse: “Você acredita que a mãe da minha amiga fica o dia inteiro em casa, ela não trabalha, ela não faz nada.” Hoje as minha quatro filhas são casadas, têm filhos e trabalham. Todas são ótima profissionais e conseguiram conciliar perfeitamente vida doméstica com vida profissional.

ConJur — A participação da mulher na advocacia cresceu muito mais do que no Judiciário. Por que?
Ivette Senise — No Judiciário a abertura se deu muito mais lentamente, porque tem uma imagem mais conservadora perante a sociedade. É ele que garante os direitos, põe os pingos nos “is”, por isso o ingresso é mais difícil. Tanto que nós não tivemos ainda em São Paulo, mulheres no mais alto nível, como na presidência da organização, porque elas ingressaram muito tarde e dentro da carreira o processo é lento. Em algumas áreas, as mulheres chegaram antes, como na Justiça do trabalho, no Ministério Público. É uma evolução paulatina que vai acabar chegando lá. Nós tivemos recentemente na presidência do Supremo a ministra Ellen Grace, a primeira mulher a assumir a presidência de um tribunal superior no país.

ConJur — A Justiça precisa ser, necessariamente, lenta?
Ivette Senise — Não. A decisão não pode sair no calor da discussão, porque o Judiciário, além de garantir a imparcialidade, tem que sopesar os dois lados, as duas partes. Mas também não vamos exagerar, porque hoje a demora nos processos é insustentável. Isso se deve a várias causas também, como o aumento da demanda. Tenho uma filha juíza e sei bem como é o dia a dia dela. Ela atua no interior de São Paulo, em Barretos, e não faz outra coisa. Chega em casa à noite e não para de estudar processos e fazer sentenças. Ela também tem filhos. Quer dizer, no interior a vida é mais fácil, mas é sobre-humano o trabalho que eles recebem.

ConJur — Por que a Justiça ficou tão lenta?
Ivette Senise —A Constituição Federal é um pouco falha nisso. Ela abriu de tal modo o acesso à Justiça e garantiu tantos e tantos direitos que qualquer coisa você pode reclamar. Qualquer coisa que não gostar, que te prejudicar, você pode entrar na Justiça. O Judiciário inchou nas demandas, e o número dos julgadores não acompanhou na mesma proporção.


ConJur — E há meios de resolver o problema?
Ivette Senise — Há algumas boas iniciativas como a do Superior Tribunal de Justiça que resolveu suspender as ações individuais de reclamação dos planos econômicos. Seria um absurdo julgar ação por ação, cerca de 8 mil processos. O Conselho Nacional de Justiça também está acertando nesta questão, porque está procurando meios e modos de diminuir a carga ou juntar e resolver as coisas que são iguais. Eu acho que nem tudo deve ir ao Judiciário. Nós lá no IASP estamos criando uma câmara de conciliação e arbitragem. Muito litígio podia ser evitado. Um pouco da culpa pela nossa alta litigiosidade é dos nossos cursos de Direito, estruturados em uma época em que realmente se decidiu pelo litígio sempre. Hoje, há coisas que são perfeitamente possíveis de resolver sem apelar para o Judiciário. Isso foi tentado na área penal com os Juizados Especiais Criminais. Ao invés de mover uma ação penal, as partes reclamavam para o juiz que fazia uma conciliação e resolvia a coisa de modo rápido. Na Justiça cível, comercial, tributária, seria muito útil insistir um pouco mais em formas alternativas como conciliação, arbitragem e mediação.

ConJur — Essas formas alternativas de solução de conflito poderiam ser muito útil para empresas que têm demanda de massa, como as de telefonia, por exemplo?
Ivette Senise — Exatamente. O IASP está sugerindo que os contratos entre particulares sejam feitos já com essa cláusula, que uma demanda até um determinado valor seja resolvido por meio de conciliação e arbitragem, com árbitros aprovados pelas duas partes.

ConJur — A senhora acha que a população poderia ser mais conscientizada sobre esses outros meios?
Ivette Senise — Estamos fazendo isso, inclusive em nível acadêmico. Participei agora, recentemente, de um seminário que a OAB e a Faap organizaram em que eles justamente assinalaram a importância da mediação e da arbitragem, não só nacional, mas internacionalmente. A mesa redonda de que eu participei manifestou-se no sentido de estimular as faculdades a incluírem nos seus currículos as técnicas de mediação e arbitragem, talvez como matéria optativa, mas de forma que os interessados possam ter acesso ao tema.

ConJur — Um desembargador do TRF-3 informatizou o seu gabiente e acabou com os armários. Ele tem vários padrões de sentenças e seus assessores as aplicam de acordo com o caso concreto. Para ele, o papel do juiz é gerenciar. A senhora concorda?
Ivette Senise — Não é tudo que você pode resolver. Às vezes, o valor ou a coisa é de tal importância que realmente precisa da intervenção do juiz. Mas há coisas que podem perfeitamente entrar num sistema como o desse desembargador. Os advogados não gostam. Eles querem que o juiz dê uma atenção especial ao seu caso. Na Justiça Federal toda a área previdenciária já está informatizada e essa técnica funciona bem. São casos sempre iguais, de aposentadorias, não existem muitas controvérsias. E que já há uma jurisprudência estabilizada, há índices de correção que podem ser colocados na internet e consultados. Já na área civil, numa briga de família, por exemplo, não pode de jeito nenhum deixar de ouvir todo mundo, ver todo mundo, sopesar. Na área criminal também, há casos que são casos fáceis, acidentes de transito, coisas assim, podem ser agilizadas. Outras coisas que dependem de detalhes, exames periciais, indícios, o juiz tem que ser mais cuidadoso. Então, eu acho que é uma ferramenta útil, mas não é para tudo.

Conjur — O que senhora acha do sistema de cotas?
Ivette Senise — Em vez de estabelecer cotas, o que deveria ser feito, é um esforço governamental para a melhoria do ensino básico público, para que todos tenham as mesmas chances de ingressar em um curso superior público. Isso acontecia no passado. Todos que querem e são capazes têm direito a uma educação superior. Eu fiz escola pública e a maioria dos meus colegas de faculdade vinham de escolas públicas, eram poucas as particulares. Hoje a situação se inverteu. É a base que deve se alargar. Porque não dá para resolver com cotas, que prejudicam pessoas que não são muito diferentes daquelas que são beneficiadas pelas cotas. As cotas são uma política totalmente aleatória que não produz bons resultados.

Conjur — O Ministério da Educação deveria ter um rigor maior na hora de permitir a abertura de novas escolas de Direito?
Ivette Senise — Não há dúvida. Houve um período negro na história do Ministério da Educação que permitiu a abertura indiscriminada de faculdades pelo Brasil inteiro, sem atentar para a qualidade das escolas, justamente para engordar as estatísticas, dizendo que nós temos muitos alunos. Internacionalmente isso funciona, mas alimentou a abertura de escolas que não tinham realmente condições de funcionar e que eram empresas de fachada.

Conjur — Essas faculdades continuam funcionando?
Ivette Senise — Na OAB a gente acompanhava a formação dessas faculdades. Elas organizavam as equipes com professores titulares que não eram os que davam aula. Emprestavam livros de outras faculdades para quando a equipe do MEC fosse visitar dizer que tinham uma boa biblioteca. Coisas horríveis aconteciam. Com isso, o ensino foi decaindo. Hoje o MEC se convenceu de que realmente havia uma falta de fiscalização não só na abertura, como depois no funcionamento. Com um esforço muito grande feito pela Comissão de Ensino jurídico da OAB, eles aceitaram que a entidade participasse da fiscalização. Com subseções no interior inteiro, a OAB pode acompanhar de perto. Hoje a OAB ajuda a fiscalizar as faculdades, tanto que há várias iniciativas de suspender vestibulares, diminuir a quantidade de alunos nos vestibulares, de ameaçar de fechar. Acho que não fechou nenhuma. Mas pelo menos ameaçar de fechar se elas não tomassem certas providências.

ConJur — As boas faculdades preparam o advogado para o mercado de trabalho?
Ivette Senise — O esforço deve vir de cada faculdade, que precisa saber a dose exata de matérias que têm efeito profissionalizante e outras que simplesmente aguçam o conhecimento. O curso de direito proporciona tantas aberturas para tantas profissões. O bacharel pode inclusive se dedicar à vida acadêmica e ser só professor. Tanto que o MEC deixou as faculdades à vontade para organizar os seus próprios currículos, com exigência de algumas matérias básicas. Com isso, a faculdade pode fazer um currículo diferenciado, de acordo com a região em que ela está, ou com o nível de alunos que ela tem. Isso dá uma abertura para que os cursos possam adequar melhor seus currículos. Mas não podemos deixar de fora uma parte das matérias que não se destina a preparar para a profissão, mas dar uma base cultural para a pessoa, como filosofia do direito, sociologia.

ConJur — Especialistas acreditam que os juízes chegam preparados para decidir, mas não para administrar o tribunal. O currículo deveria ter aulas de adminisração?
Ivette Senise — Não concordo. Acho que deveria haver um curso de especialização para aqueles que tivessem por vocação a administração. Porque nem todos vão ser administradores. Em um conjunto com mais de uma centena de juízes, só meia dúzia vai ser de administradores. Não adianta forçar as coisas nesse rumo. Mas para quem for administar o tribunal, sempre existe a possibilidade de aprender na prática. Eu nunca fiz curso de administração, mas pratiquei na faculdade de Direito da USP a agora, no Iasp.

ConJur — O que seria importante incluir no currículo das faculdades?
Ivette Senise — Os novos caminhos que se abrem, como as técnicas de conciliação e arbitragem. Várias faculdades já incluíram também essas novas disciplinas que surgiram com a modernidade, Direito Ambiental, Direito da internet, Direito da Informática, Direito de Comércio Exterior. Mas existem muitas disciplinas optativas que poderiam ser oferecidas como vantagem para alargar o campo profissional. Não dá para abrigar tantas disciplinas em 5 anos. E hoje em dia também são tantos conhecimentos que eu até dizia para os meus alunos: “Olha, não pense que a gente vai poder dar tudo aqui para vocês, hein”, mas há meios de indicar bibliografias para que eles se aprofundem.

ConJur — A cada dia vemos juízes mais jovens. Um juiz de vinte e poucos anos está preparado para exercer a profissão?
Ivette Senise — Com o requisito de três anos de experiência, a situação melhorou um pouquinho. O que acontece é que depois que a pessoa se estabiliza em uma profissão, não vai mais querer fazer um concurso. Então essas vagas públicas acabam nas mãos dos menos experientes. Além da exigência de experiência mínima, outro remédio é o tribunal mandar os iniciante primeiro passar por um curso na Escola da Magistratura, que é mais ou menos de preparação da vida profissional deles nos seus pontos essenciais. Depois, eles são enviados para as comarcas pequenas, que presumivelmente devem ter menos problemas.

ConJur — Quais são seus planos para dirigir do Iasp?
Ivette Senise — A minha vai ser uma gestão de continuidade, já que sou a atual vice-presidente e participei nesses três anos de todos os trabalhos de remodelação do Instituto. Foi uma gestão excelente. A presidente Maria Odete Bertasi inovou muita coisa no Instituto, reavivou uma série de coisas que estavam paradas, abriu bons cursos. Juntas, nós alteramos alguma coisa do estatuto, criamos essa câmara de conciliação e arbitragem. Trouxemos vida nova às publicações, ao boletim informativo.

ConJur — Quais são as atividades do Iasp hoje?
Ivette Senise - Nós publicamos duas vezes por ano uma revista com artigos de peso e bimestralmente enviamos um boletim dando conta de nossas atividades. Todo os anos temos um grande encontro e um concurso de monografias. Criamos o Departamento de Elaboração Legislativa, com várias comissões, uma para cada área do direito, onde são produzidos pareceres e debates. Tudo é consumado em uma resolução, enviada ao congresso, parlamentares e outros interessados. Quando houve a supressão da Lei de Imprensa, fizemos um debate com jornalistas no Instituto. Também fizemos uma mesa redonda com um dos autores da lei para discutir a nova Lei do Mandado de Segurança.

ConJur — O que está em pauta hoje lá?
Ivette Senise — Ainda estão em pauta a Lei do Mandado de Segurança, Lei de Imprensa e o Marco Regulatório da Internet. Como esta matéria está em audiência pública, fazemos um dabete e, em seguida, manifestamos nossa posição.


ConJur — Como a senhora entrou na área do Direito?
Ivette Senise — Sempre gostei de ler e estudar assuntos que dizem respeito aos problemas jurídicos, a questão da liberdade, a questão dos direitos humanos. E também gosto muito de dar aula. Mesmo durante a faculdade eu dava aulas particulares de línguas que eu gosto muito, dava aula de português, dava aula de francês. Então, eu achei que eu estava talhada para entrar em uma faculdade de ciências humanas mesmo, por isso escolhi Direito. Na faculdade, me interessei muito pela área penal e internacional, que são temas fascinantes. Logo depois de formada, eu e meu ex-marido decidimos estudar na França e acabei escolhendo a área penal. Já casada, acabei engravidando ainda lá, o que prejudicou um pouco o meu doutoramento, porque eu não tinha com quem deixar o bebê. Aí eu voltei com o bebê para o Brasil e vim acabar o meu doutoramento aqui. Advoguei na área penal logo que me formei, mesmo antes de me formar. Inclusive trabalhei um ano na penitenciária feminina fazendo advocacia para as mulheres. Quando voltei da França eu fui trabalhar no escritório do meu marido que fazia advocacia civil.

ConJur — Depois de dois anos na França, com foi a volta para o Brasil?
Ivette Senise — Fui me estabelecendo aqui e percebi que eu podia estudar e, ao mesmo tempo, trabalhar. Aí fui engrenando com o trabalho de advogada, comecei a dar aulas na PUC-SP e, assim, construindo uma carreira acadêmica até chegar a professora titular. Advoguei até chegar ao cargo de professora titular e diretora, porque eu tive que optar por tempo integral. Depois que eu sai da diretoria não voltei a advogar, então continuei só dando aula e fazendo outras coisas. Fui do Conselho da OAB, coordenadora do Exame de Ordem, sou vice-diretora da Escola Superior da Advocacia, conselheira do CIEE (Centro de Integração Empresa-Escola), que oferece programas de estágio. Também fui convidada para ser conselheira do conselho de Estudos Avançados da Fiesp, do conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio e do conselho do Iasp, onde acabei sendo convidada para a vaga de vice-diretora.

Conjur — Como é o ingresso na carreira acadêmica? O acesso é difícil?
Ivette Senise — As minha primeiras aulas foram na PUC, eu era assistente do professor Montoro que dava introdução a ciência do Direito, Foi quanto eu comecei minha carreira de docente. Depois, fui convidada pelo professor Paulo José da Costa para ser assistente dele na faculdade de direito, porque ele sabia que eu tinha feito especialização em direito penal na França e ele estava precisando de alguém para ajudá-lo. Dei aulas por dois anos de graça, como docente voluntária, o que foi ótimo porque ganhei bastante experiência. Quando abriu concurso eu entrei e, já dentro da universidade, fui progredindo na carreira. Fui fazendo cursos, apresentando trabalhos e vencendo cada etapa. É uma vida inteira de muito estudo, pesquisa e trabalho.

Dano moral à pessoa jurídica

Jornal Valor Econômico
Empresas buscam na Justiça indenização por danos morais

Civil: Casos de difamação, protesto indevido e falsificação de produtos são levados ao Judiciário

Arthur Rosa, de São Paulo
07/12/2009
Não é só a pessoa física que pode sofrer dano moral. Empresas estão indo à Justiça buscar reparações por abalos sofridos com difamação, protesto indevido de título e falsificação de produto. Em uma decisão incomum, a catarinense Anjo Química do Brasil, fabricante de tintas e solventes, obteve na Justiça indenização por danos morais de R$ 400 mil da concorrente Renner Sayerlack (Tintas Renner). A indústria provou no processo - transitado em julgado - que seu nome e seus negócios foram prejudicados pela divulgação ao mercado de informações sobre uma autuação fiscal lavrada pela Receita Federal.

É crescente o número de casos que chega às mãos dos ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que reconheceram, por súmula, que a pessoa jurídica pode sofrer dano moral - o novo Código Civil (artigo 52), editado em 2002, acabou confirmando a jurisprudência. Mas o volume ainda é pequeno se comparado à avalanche de ações ajuizadas por pessoas físicas. No total, a corte superior contabilizou no ano passado 11,3 mil processos que, de alguma forma, debatiam dano moral. Nos últimos dez anos, foram 67 mil ações. "O trato entre pessoas jurídicas é mais respeitoso. É menor a possibilidade de se gerar danos morais", diz a ministra Nancy Andrighi, relatora de várias ações que chegaram ao STJ. "Mas noto um aumento no número de casos de cinco anos para cá."

Como é vedado aos ministros reapreciar fatos e provas e interpretar cláusulas contratuais, o STJ apenas altera os valores de indenizações fixados nas instâncias locais quando se trata de quantia irrisória ou exagerada. Ao apreciar recurso especial apresentado pela Renner Sayerlack, a ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, entendeu que o valor fixado pela primeira instância, mantido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), estava adequado.

"A circunstância de a notícia ter sido divulgada por empresa que atua no mesmo ramo de atividade incrementa significativamente o grau de culpa do ofensor, que pode se beneficiar diretamente com a derrocada comercial da ofendida em decorrência do dano de imagem que lhe foi causado. Assim, ganha relevo o caráter pedagógico da indenização, que deve ser fixada em patamar suficiente para desencorajar, no futuro, a prática de condutas", disse a ministra.

A notícia da autuação fiscal sofrida pela Anjo Química foi divulgada por e-mail, que circulou entre distribuidores, revendedores e clientes da empresa. Muitos pedidos foram cancelados. A concorrente Renner Sayerlack argumentou, no entanto, que em nenhum momento divulgou qualquer informação sobre a fabricante catarinense. E que a mensagem apresentada na petição inicial era um documento de uso interno. Nela, a empresa teria apenas manifestado, internamente, preocupação com o aumento da fiscalização da Receita Federal na região. "A notícia gerou desconfiança geral da clientela. Os negócios da empresa foram prejudicados pelo concorrente", diz o advogado Eduardo Heitor Porto, do escritório Arnaldo Rizzardo, Porto & Turra Associados, que defendeu a Anjo Química.

Apesar de só a pessoa física ter emoções e sentimentos, o Judiciário entende que, em muitos casos, abalos à honra objetiva da empresa - reputação comercial - podem resultar em prejuízos e gerar danos morais. Uma das situações mais comuns é o protesto indevido de título. Neste caso, juízes têm entendido que a prova do dano fica dispensada, como acontece em casos de devolução de cheque ou apresentação antecipada de pré-datado - objetos de duas súmulas publicadas este ano pelo STJ. Os enunciados estabelecem que, nessas hipóteses, fica caracterizado automaticamente o abalo moral. "O protesto é a publicidade de um inadimplemento, que abala a reputação da empresa. Por isso, juízes acabam presumindo o dano em caso de protesto indevido", diz a advogada Andrea Felici Viotto, do escritório Timoner e Novaes Advogados.

Empresas que tiveram marcas ou produtos copiados também buscam no Judiciário reparações por danos morais, além dos prejuízos materiais. A Souza Cruz obteve indenização de R$ 10 mil de uma gráfica gaúcha que imprimiu papéis de cigarro e embalagens que imitavam as marcas Trevo e Colomy. Mesmo alegando que produzia para terceiros, a gráfica foi condenada, em primeira instância, a pagar um valor "simbólico" à indústria fumageira. O Tribunal de Justiça gaúcho, no entanto, negou o direito à indenização, por considerar que não havia provas de lesão à reputação comercial da multinacional, apesar de constatada a contrafação. Foram encontradas três mil embalagens que imitavam as marcas da multinacional.

No STJ, a Souza Cruz conseguiu restabelecer a indenização por danos morais. Os ministros da Terceira Turma, por unanimidade, entenderam que o fabricante teve seu direito de identidade lesado pela falsificação de seus produtos". Para os magistrados, "a contrafação é verdadeira usurpação de parte da identidade do fabricante. O contrafator cria confusão de produtos e, nesse passo, se faz passar pelo legítimo fabricante de bens que circulam no mercado".

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