quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Questionamento do ranking do ENEM

Folha de São Paulo, 13/09/2009 - São Paulo SP

Para que serve mesmo esse ranking?

É preciso lembrar, em primeiro lugar, que o Enem é feito para avaliar o ALUNO, e não a escola

ROSELY SAYÃO COLUNISTA DA FOLHA

Um casal, ao escolher a escola para suas filhas que iniciariam o ensino fundamental, optou por priorizar alguns critérios em sua decisão. Entre eles, a qualidade das relações interpessoais dos alunos entre si e destes com seus professores e a proximidade com a residência da família para poupar as crianças de um longo período no trânsito. Depois de uma exaustiva procura, encontraram uma escola que satisfazia às suas demandas. Essa família constatou, no decorrer de alguns anos, que a escolha fora acertada: as crianças gostavam, na medida do possível, de frequentar a escola e aprendiam, os professores realizavam bem sua tarefa, o convívio no espaço escolar era salutar. Tudo foi bem até que a escola passou a frequentar os primeiros lugares no ranking do Enem. Na visão dessa família, tudo mudou a partir de então, e a escola perdeu suas principais e melhores características porque trabalhava quase que exclusivamente para manter sua classificação no ranking: os alunos foram colocados sob constante pressão, os professores passaram a focar seu trabalho nos melhores alunos, a escola inchou. A última notícia que tive desses pais foi a de que estavam considerando a mudança de escola para suas filhas.

Outro casal fez um percurso totalmente diferente. Depois de estudar com dedicação o ranking de escolas, decidiu matricular o filho no ensino médio de uma das escolas que figuravam entre os primeiros lugares. Tentaram várias delas e se frustraram. Não conseguiram vaga para o filho pelos mais diversos motivos: em uma, foram informados de que o filho não tinha perfil para lá estudar; em outra, que o filho não tivera boa formação básica; em uma terceira, que o filho até era bom estudante, mas que a competição era acirrada e que outros candidatos haviam se saído muito melhor. Esse casal guarda, até hoje, uma culpa: a de não ter conseguido oferecer ao filho uma boa escola segundo os parâmetros do ranking. Para que serve mesmo esse ranking? O que ele revela? O que ele esconde? O que ele distorce? Para considerar o tal ranking é preciso lembrar, em primeiro lugar, que o Enem é feito para avaliar o ALUNO, e não a escola que ele frequenta, e isso faz toda a diferença quando analisamos os resultados comparativos colocados em forma de classificação.
Um excelente resultado da escola pode ser indicativo, por exemplo, de uma instituição que não admite alunos medianos na relação com os estudos. E, caros pais, a maioria dos filhos são alunos medianos. Como a maioria de nós foi. Em segundo lugar, é preciso lembrar também que a amostragem de alunos por escola que fazem o Enem não segue padrão nenhum. Isso significa, na prática, que a média de escolas com menos de 200 alunos é equiparada à de outras com mais de mil, por exemplo. Significa também que apenas bons alunos de algumas escolas podem prestar o exame e, desse modo, colocar a escola nos primeiros lugares. E devo dizer que, para algumas escolas, vale tudo -tudo mesmo- para alcançar os primeiros lugares e, desse modo, ter visibilidade e procura de alunos. Conversei com um aluno que não prestou o Enem porque a escola que ele frequenta -fora de São Paulo- ofereceu um churrasco para alguns alunos no mesmo dia do exame e ele preferiu comparecer a esse evento, é claro. Que incrível coincidência, não é mesmo?

Em terceiro lugar, esse ranking provoca a falsa ideia nos pais de que a responsabilidade de oferecer uma boa educação escolar aos filhos é deles, ou seja: quem pode pagar altos valores de mensalidade, consegue vaga nas escolas colocadas nos primeiros lugares e reside nos bairros próximos a essas escolas, entre outros fatores, consegue oferecer boa formação escolar ao filho. Falso: a responsabilidade de dar educação escolar de qualidade às crianças e aos jovens é das escolas. De todas elas. Não é dos pais, de suas escolhas e de suas possibilidades na vida. O ranking do Enem -aliás, de qualquer tipo- é um bom negócio para algumas poucas escolas e sempre será assim porque sempre teremos apenas 20 nos primeiros lugares, um bom negócio para a mídia, um bom negócio para o ensino privado. E, enquanto apostarmos no ensino privado e não cobrarmos um bom ensino público frequentado pela maioria de nossos estudantes, continuaremos a ter problemas em educação e, consequentemente, em outras áreas em curto e médio prazo. O ranking não é bom para os alunos -muitos deles podem cursar seu ensino médio com sentimento de derrota antecipada-, não serve para a melhoria de qualidade da educação em nosso país, não é uma boa referência para os pais. Por que insistimos tanto em usar o ranking, mesmo? Ah! Ficamos apegados à ideia de vencedores e campeões. Pena que isso não valha nada para a maioria que vive a vida como ela de fato é. ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
Valor Econômico - Especial - 19.08.09 - A14

Entrevista: Ex-presidente da Fifa diz que a indústria do futebol sustenta globalmente 1 bilhão de pessoasObras da Copa vão ficar para o Brasil, diz Havelange

Chico Santos, do Rio
19/08/2009

Leo Pinheiro/Valor

João Havelange: "Se pudéssemos fazer em todos os setores da atividade o que faz o futebol, o mundo não seria o mesmo"
A voz é firme e clara, assim como os passos e as respostas. "O futebol toma conta no mundo e dá de comer a praticamente 1 bilhão de pessoas. Não há indústria, não há ninguém que faça isso". Jean-Marie Faustin Goedefroid de Havelange, 93 anos completados no dia 8 de maio, ex-nadador e carioca de ascendência belga, construiu toda a sua carreira no futebol e foi protagonista de grande parte da história do esporte mais popular do mundo. João Havelange, como foi "rebatizado", sepultou definitivamente o romantismo amador da primeira metade do século passado e inseriu o esporte no mundo dos negócios.

Ainda encontrou tempo para ficar por 58 anos na direção de uma só empresa, a Viação Cometa, cargo acumulado com a presidência da Confederação Brasileira de Desportos (CBD), hoje Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que exerceu de 1958 a 1974, ano em que assumiu a presidência da entidade que comanda o futebol mundial, a Fédération Internationale de Football Association (Fifa), ficando no cargo até 1998. Hoje é presidente de honra da entidade.

"Administrar é não deixar faltar recursos", resume em entrevista concedida ao Valor no elegante escritório do centro do Rio, de onde gerencia seu patrimônio. Ele conta como viabilizou a participação brasileira na Copa de 1958, a primeira conquistada pelo país, como multiplicou as receitas das copas do mundo, critica os dirigentes dos clubes brasileiros e repele mudanças nas regras do futebol evitar erros de arbitragem. "A força do futebol está no erro", sustenta. A seguir, trechos da entrevista:

Valor: Conte qual é o seu pensamento como empresário.

João Havelange: O meu pensamento é o seguinte: administrar é não deixar faltar recursos. Se o senhor tiver os recursos, a sua missão é facilitada e o senhor chega a um final feliz. Se o senhor não tiver os recursos, dificilmente atingirá os seus objetivos. Quando eu cheguei à CBD em 1958, ela não tinha praticamente nada. Tinha o futebol e 24 esportes amadores. Hoje, todos aqueles esportes saíram e a CBD transformou-se em Confederação Brasileira de Futebol, a CBF. Tínhamos diante de nós uma Copa do Mundo (Suécia) e eu não tinha um recurso, a não ser um certo crédito nos bancos pela posição que eu tinha como administrador de uma grande empresa (Viação Cometa). Com isso, eu fazia o que na época chamávamos de papagaios (promissórias) e assinava como responsável. Não é todo mundo que faz isso. Quando nós fomos para a Copa do Mundo...

Valor: Mas o senhor não foi à Suécia, foi?

Havelange: Não fui por uma razão muito simples: se eu fosse, quem iria assinar os papagaios para mandar o dinheiro? Então, foi o vice-presidente, que era o Paulo Machado de Carvalho. Eu precisava de mais alguns recursos e consegui, antes que o time chegasse à Suécia para iniciar a Copa, dois jogos na Itália, um em Milão, contra a Inter (Internazionale), e outro em Florença, contra a Fiorentina. E com esse recurso é que o time chegou lá e o Paulo, indiscutivelmente, foi excepcional, como comando, como tudo.

Valor: O JK (presidente Juscelino Kubitschek) não deu uma colaboraçãozinha?

Havelange: Aí é que eu quero chegar: eu imaginei pedir a ele para fazer uma medalha, uma espécie de moeda de ouro com tantos quilates, na Casa da Moeda. De um lado, colocar o emblema da República, e do outro, o emblema da CBD. E o presidente Juscelino deu ordem à Casa da Moeda e nós fizemos 10 mil medalhas, ou moedas. Como a chancela da Casa da Moeda garantia a quantidade de ouro que tinha, eu ia a vários bancos e entregava pacotes de mil medalhas. Como era ouro, eles me creditavam imediatamente. Assim, consegui os recursos.

Valor: O ouro tinha liquidez...

Havelange: Exatamente. Os bancos mandavam para as agências e sempre havia alguém que queria comprar. E foi dessa maneira que eu fiz a Copa de 1958. O tempo passou, tivemos mais uma Copa do Mundo, em 1962 (Chile), e fizemos a mesma coisa. Em 1966 (Inglaterra) foi diferente, enfim, chegamos a 1970 (México). Aí os recursos já eram diferentes.

Valor: O Brasil já tinha dois títulos mundiais na bagagem.

Havelange: O cartão de visitas apresentado era outro... Depois da CBD fui eleito para a Fifa. Quando lá cheguei, eu estaria mentindo se dissesse que encontrei 20 dólares em caixa. Eu levava um programa que, na insistência, não foi aceito pelo Comitê Executivo. E para executar esse projeto, já que a Fifa nada tinha, eu tive a felicidade de ter duas reuniões, uma com a Adidas e outra com a Coca-Cola Internacional. E os dois se associaram a mim nesse programa. E aí, começaram a chegar os recursos. E eu pude modificar imediatamente a maneira de administrar a Fifa. Eu quero que o senhor atente bem para isso: a primeira Copa que eu presidi, já estava indicada onde deveria ser, foi em 1978, na Argentina. Tinha 16 equipes. Elas disputaram 32 jogos em 25 dias. E a receita final, bruta, foi US$ 78 milhões. Quatro anos depois, na Espanha, a receita passou para US$ 84 milhões. Aí eu consegui do Comitê Executivo a permissão para modificar para a Copa de 1986, que seria no México, de 16 para 24 times. Com 24, nós teríamos 54 jogos e, em vez de 25 dias, jogaríamos em 30 dias. O resultado: passamos de US$ 84 milhões para US$ 500 milhões de receita. Na continuidade, fiz um novo estudo e passei de 24 para 32 seleções. A Copa de 1990, na Itália, foi ainda disputada por 24 seleções, mas nos Estados Unidos já foram 32, jogando 62 partidas em 30 dias. E, pasme, saímos de US$ 80 milhões (1978), ou de US$ 500 milhões (1986), para US$ 2,2 bilhões. Na sequência, que foi a França, em 1998, fomos a US$ 2,8 bilhões. E hoje uma Copa do Mundo rende US$ 4 bilhões. Hoje, temos patrocinadores de campo quando tem a Copa do Mundo, e eles estão presentes também nas outras competições da Fifa. São 15 patrocinadores. E o pagamento dos que estão no campo é de US$ 75 milhões cada um. Tem a televisão, que dá mais a US$ 2,2 bilhões. E temos de 1,4 milhão a 1,5 milhão de assistentes, que correspondem a quase US$ 1 bilhão de receita. Então, uma Copa do Mundo tem hoje uma receita de US$ 4,2 bilhões.

Valor: É um negócio poderoso...

Havelange: Exato. Então, o senhor me permita a falta de modéstia, mas foi de um trabalho, de um estudo que fizemos quando chegamos. Ninguém havia pensado nisso e ninguém havia feito. A gente, na empresa, procura dar o melhor, mas também ter o melhor, e o melhor é a receita. Este mesmo princípio eu apliquei na Fifa que hoje se tornou um dos grandes poderes do mundo.

Valor: O seu pai tinha negócios na área de armamentos, mas o senhor foi trabalhar em uma empresa de ônibus...

Havelange: Eu me formei em direito com 20 anos, em 1930, e perdi meu pai em 1934. Após estagiar em escritórios de advocacia, fui aprender a trabalhar. Pude entrar na Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira, que ainda existe hoje (unidade de aços longos da ArcelorMittal). Lá eu aprendi a receber clientes no balcão, aprendi a catalogar, a escrever à máquina, aprendi a fazer correspondência, aprendi a visitar clientes e, depois de quatro anos, pedi demissão porque queria uma outra situação. Com o passar do tempo, fui convidado pelos proprietários da Cometa para ir para a empresa. Isso foi em 1940 e eu fui como advogado trabalhista. Fiquei dois anos nessa posição. Depois, fui a diretor, ficando dois anos. E agora vou dizer uma coisa que vai lhe surpreender, porque isso já não existe: fiquei 58 anos como presidente, 62 anos na mesma empresa.

Valor: Então o senhor saiu de lá em 2002?

Havelange: Exatamente. E foi aí que aprendi o que era administração. Eu não sou motorista, eu não sou mecânico, eu não troco pneu, eu não mexo em chassi... Mas havendo recursos para se ter uma boa administração, a gente procura ter os melhores.

Valor: O senhor inovou, contratou psicólogos para cuidar dos motoristas, preocupado com a segurança...

Havelange: Os motoristas tinham que fazer um exame como faz o aviador.

Valor: E qual foi a marca da sua gestão?

Havelange: Para o senhor ter uma ideia, só um detalhe: o ônibus tem dois pneus na roda de trás. Quando o pneu de dentro furava, o motorista tinha de tirar a roda de fora, tirar o pneu furado, ir buscar no ônibus o novo pneu, colocar, colocar o de fora e guardar o furado. Na Cometa tudo era feito em 17 minutos. Eu chamo isso administração. É um detalhe que parece não ter importância, mas tem. Se o cara fica parado duas horas para fazer aquela tarefa não é bom. Incomoda o passageiro, ele reclama. Foi com esse espírito, esse pensamento e essa vontade que eu fui para a Fifa quando eleito presidente. E o futebol hoje é um dos poderes do mundo e eu vou dizer porquê: 250 milhões. Se o senhor multiplicar isso por quatro dentro de uma família, dá 1 bilhão, não é? Então, o futebol toma conta no mundo e dá de comer a praticamente 1 bilhão de pessoas. Não há indústria, não há ninguém que faça isso. Hoje, vejo que o futebol é um poder, é desejado, é aplaudido e é criticado, naturalmente, como tudo que a gente faz na vida. Mas é um exemplo a ser seguido.

Valor: Como o senhor conseguiu conciliar a presidência da Cometa com CBD e, depois, com a Fifa?

Havelange: Primeiro, eu tinha o respeito de todo o mundo. Dava para fazer. Se tivesse que vir, eu vinha (ao Brasil), e sempre estava bem assessorado para continuar o trabalho, uma diretoria de alto gabarito e de qualidade.

Valor: O futebol tornou-se um dos maiores negócios do mundo, mas no Brasil os clubes empobreceram. Por quê?

Havelange: O senhor disse bem, os clubes brasileiros empobreceram, os europeus, não. Porque nós temos péssimas administrações. O sujeito hoje é dirigente, é diretor e ainda é torcedor. Não é administrador, e este é o grande problema. E depois, a lei federal deveria mudar. O senhor viu agora o que aconteceu no mundo? Um baque tremendo! Quantas pessoas altamente qualificadas foram presas porque tinham responsabilidades e falharam? No dia em que isso acontecer no futebol - o sujeito é presidente, mas responde com os seus bens, pode sofrer um processo e ir para cadeia-, o senhor vai ver que tudo vai mudar.

Valor: A chamada Lei Pelé (nº 9.615/98, que acabou com o passe, o vínculo desportivo do jogador ao clube) contribuiu para os problemas dos clubes no Brasil?

Havelange: Para mim contribuiu e muito. Quando ele fez a lei eu o chamei e disse "se eu fosse você não apresentaria porque você vai trazer um grande prejuízo para todos". Antigamente, quando o passe do jogador era vendido, o clube dava a ele 15% do valor da venda. E quem fazia o contrato com o novo clube era o jogador, não era nenhum indivíduo. Hoje em dia está tudo nas mãos de pessoas. Há pouco tempo eu li que um jogador ia para não sei para onde. Havia três empresários, cada um tinha um terço do passe dele. Antes se falava em escravatura. Isto é que é uma escravatura, o senhor me perdoe.

Valor: É propriedade de pessoas...

Havelange: Exatamente. Hoje o diretor diz que o passe é dele, não é do Fluminense (por exemplo). O passe do jogador deve ser do clube, é propriedade do clube, não pode ser seu e nem meu. O clube é que dá o emblema, dá a camisa, dá a coloração. Se não superarmos isso, vamos continuar descendo.

Valor: E a realização da Copa na África (2010)?

Havelange: Antes de deixar a Fifa percebemos que nunca na história nada se passou na África, nenhum evento, nada. Então, procuramos o presidente (Joseph) Blatter (substituto de Havelange na Fifa) e deixamos pronto para que em 2010 a Copa do Mundo fosse para a África. O senhor veja o que isto representa! Eles estão fazendo estádios, estão se organizando, estão se disciplinando... A Copa das Confederações foi feita e correu tudo perfeito. Se nós pudéssemos fazer em todos os setores da atividade humana o que faz o futebol, o mundo não seria o mesmo.

Valor: Qual a importância econômica e social para o Brasil da realização da Copa de 2014?

Havelange: Já que estou falando com um jornal econômico, vou dar um dado: não sei se o senhor sabe que a França recebia por ano 60 milhões de turistas. É o turista que chamamos classe A e B, que gasta US$ 1.000 por viagem. Então, o turismo fazia entrar na França US$ 60 bilhões. Tivemos então a Copa do Mundo na França em 1998. Depois dela essa média saltou para 70 milhões de turistas, ou seja, a Copa deu para a França US$ 10 bilhões por ano. É assim que tem que ser analisado. "Mas eu vou gastar dinheiro no estádio"! Ele fica, não vai ser posto no chão. "Vou gastar no aeroporto"! Ele também fica, para o bem de todos.

Valor: Muitos criticam, tanto na CBF quanto na Fifa, o fato de não haver um limite para as reeleições. Como o senhor vê isso?

Havelange: Não vamos misturar política com outras coisas. Todo mundo quer sentar no futebol porque sai o nome no jornal. Mas tem que saber trabalhar. O Blatter chega ao escritório todo dia às 8 horas e sai às 18. Eu, quando estava lá, também. Durante os 24 anos que fiquei, foi sempre por eleição. Na primeira, eu tive uma disputa com outro candidato. Nas outras (eleições), foi por aclamação. É porque gostavam!

Valor: Como o senhor vê as reclamações de que as regras do futebol evoluem muito lentamente, não acompanham a tecnologia?

Havelange: O senhor vai estranhar a minha resposta. A força do futebol é o erro. Eu vou dizer porquê. Copa do Mundo de 1986, no México. Eram 24 seleções, 54 jogos. Só se fala de um jogo, Argentina e Inglaterra, porque Maradona fez um gol com a mão. Copa de 1966 na Inglaterra: até hoje se discute o terceiro gol dos ingleses contra os alemães na final (há sérias dúvidas sobre se a bola realmente entrou). O vôlei, quando eu joguei, o mais alto tinha 1m80, hoje tem 2m10. Então, a regra tinha que mudar. No futebol eu queria que uma regra mudasse, era aumentar a baliza para os lados e para cima. O Aimoré (Moreira, ex-goleiro e ex-treinador) devia ter 1,75 m. Hoje, o Dida quanto tem? Dois metros e pouco. Então, eu havia imaginado aumentar o gol em uma bola para cima e meia bola para cada lado. Fomos verificar. O senhor veja que pensar é uma coisa e executar é outra. Se isso acontecesse o senhor teria que inutilizar grande parte dos campos da Europa porque não havia como recuar. A maioria dos estádios não tinha pista em volta, então não dava para mexer.

Valor: E a ideia de colocar um chip na bola para saber onde ela vai quicar?

Havelange: Eu sou contra. Acho que o árbitro está ali para isso. O futebol mudou, mas sua força continua sendo o erro. O senhor vai para o café e discute, quer quase agredir porque isso e aquilo. O dia que o senhor tirar isto, é feito ir ao Teatro Municipal de casaca, bater palmas e voltar para casa.

Valor: Qual foi a maior alegria que o futebol deu para o senhor?

Havelange: Naturalmente, a Copa de 1958. O Brasil nunca tinha ganho. Eu cheguei à CBD... naquela época diziam que eu era nadador e não entendia nada de futebol, é um direito de cada um, mas com o método que eu levei, nós fomos campeões. Em 1966 (o Brasil perdeu o tricampeonato) me criticaram muito, mas eu vou lhe lembrar: presidente da Fifa, um inglês (sir Stanley Rous) dizia que o futebol nasceu na Inglaterra e que a Inglaterra era que sabia de futebol. Mas nunca tinha sido campeã. Copa do Mundo na Inglaterra: O único time que não saiu de Londres foi a seleção inglesa. Quando o Brasil foi jogar os três primeiros jogos, contra a Bulgária, contra a Hungria e contra Portugal, dos três árbitros e seis bandeirinhas, sete eram ingleses e dois alemães. Acabaram com nosso o time (violência). E quem foi campeão? A Inglaterra, com a Alemanha de vice. Fui criticado, fui maltratado, quase me agrediram, mas o que ninguém quer é analisar, porque o futebol é uma paixão e o senhor tem que respeitar essa paixão, mesmo que ela seja contra si. Mas não é porque essa paixão lhe vem contra que o senhor tem que mudar a regra.

Valor: Como o senhor vê a economia brasileira e o governo do presidente Lula?

Havelange: Não é porque o presidente está no exercício, mas nós temos que reconhecer que em um momento de crise mundial um dos países que menos sofreram foi o Brasil. Dentro do problema houve um equilíbrio. Nós praticamente não sentimos as ondas de 50 metros. Ficamos só nas marolas. E eu acho que isto é um exemplo a seguir. Não é que ele deva se perpetuar, mas, indiscutivelmente, é um exemplo a ser seguido.

Escolas de negócios focam em líderes socialmente responsáveis

Valor Econômico - EU & Carreira - 14.09.09 - D8

Ensino executivo: Presidente do IMD fala sobre o papel das escolas de negócios na formação dos comandantes pós-criseLíderes precisam ser socialmente responsáveis

Por Rafael Sigollo, de São Paulo
14/09/2009

Davilym Dourado/Valor

De acordo com John Wells, apenas trazer lucros já não é suficiente para os executivos. "O jeito com que se alcança bons resultados tem um profundo efeito na saúde de longo prazo das empresas"
A liderança responsável é um conceito que ganhou força depois da crise e se tornou fundamental para o sucesso dos negócios no longo prazo. Isso significa que apenas apresentar bons resultados já não é mais suficiente. É preciso saber de que forma eles foram conseguidos. Essa é a opinião de John Wells, presidente da escola de negócios suíça IMD, uma das mais importantes do mundo.

Em recente passagem pelo país, ele conversou com o Valor , entre outros temas, sobre os atuais desafios e paradoxos da liderança. No primeiro tópico, inclui-se agir agressivamente - "mas com humanidade" - a fim de se fazer rápidos e corajosos ajustes para enfrentar as novas condições do mercado. Já no segundo, Wells destaca que as questões econômicas, sociais e ambientais são complexas, cada vez mais globais e vai ser necessária uma grande liderança para enfrentá-las. "Apesar disso, a confiança em nossos líderes e instituições está desabando", afirma. Confira a seguir os principais trechos:

Valor: O senhor assumiu há pouco mais de um ano o cargo de presidente do IMD. Como tem sido estar a frente de uma das mais reconhecidas escolas de negócios do mundo em um cenário de crise, turbulências e desconfiança como o que vivemos desde 2008?

John Wells: Este período tem sido muito excitante. Obtivemos um ótimo desempenho e fomos classificados como o melhor MBA do mundo pela revista "The Economist" e vice-líder mundial pelo "Financial Times" nos cursos de educação executiva. Nós somos uma pequena escola de negócios baseada em Lausanne, Suíça, mas muito internacional. A cada ano atendemos mais de mil empresas e instituições de mais de cem países para desenvolver conhecimentos e habilidades de executivos de elevado potencial. Nossos clientes de primeira ordem são parceiros de aprendizado, ou seja, 200 das maiores corporações globais enfrentando crescentes desafios na liderança de empreendimentos internacionais. Nós atuamos com eles em seus assuntos mais críticos, o que nos posiciona na vanguarda, e eles nos ajudam a subsidiar nossas pesquisas que focam os temas mais atuais. Estar a frente do IMD tem sido também muito desafiador, pois a crise afetou materialmente grande parte desses parceiros de aprendizado. A pressão sobre eles acaba recaindo também sobre nós.

Valor: A crise mudou a maneira de pensar e de ensinar das escolas de negócios?

Wells: Mais da metade do nosso tempo envolve responder a necessidades específicas de parceiros de aprendizado, o que nos permite nos ajustar rapidamente as suas necessidades. Além disso, aprendemos muito com esse tipo de atividade e incorporamos o conhecimento em nossos programas abertos e de parceria. Isto significa que nós nos mantemos relevantes. Tão logo a crise se instalou, passamos a atuar com equipes de altos executivos da maioria de nossos parceiros no desenvolvimento de planos de ação. Como resultado da crise, nosso mix de negócios mudou drasticamente. Passamos a lidar mais com programas de reestruturação e desenvolvimento de novos modelos de negócios. Gestão de risco também é um tópico importante. Enquanto respondíamos às necessidades do mercado no curto prazo, a magnitude da crise e suas causas mais importantes nos levaram a refletir sobre nosso papel no desenvolvimento de executivos a longo prazo.

Valor: Como uma crise afeta a procura por educação executiva?

Wells: A procura por programas de MBA tipicamente aumenta em uma crise, já que os indivíduos usam essa oportunidade para reavaliar suas carreiras e desenvolver suas habilidades. Já a procura das companhias por programas de desenvolvimento de executivos varia dependendo de quanto o setor onde elas atuam foi afetado. O tipo de trabalho que fazemos com as empresas também muda. Há mais ênfase na reengenharia da redução de custos do que na expansão dos negócios. Não prevemos um grande restabelecimento em 2009, embora as atividades permaneçam fortes no Oriente Médio, China e comecem a melhorar nos EUA. Suspeitamos que vamos precisar esperar pelo segundo semestre de 2010 até que o processo de recuperação esteja verdadeiramente em marcha.

Valor: O que se pode fazer para que a crise não se repita?

Wells: Estar comprometido com o conceito de liderança responsável. Os programas de MBA são realizados sempre com um coaching, de modo que os alunos possam entender seus reais valores, estar mais atentos aos seus comportamentos e administrar suas equipes com mais responsabilidade. Neste ano, os alunos de MBA tiveram que trabalhar com pequenas empresas sul-africanas e melhorar sua produtividade. Isso encoraja os participantes a desenvolver um senso mais forte de responsabilidade em relação à sociedade. Realizamos também conferências para debater com líderes de negócios e com os responsáveis pelas regras de governança o que pode ser feito.

Valor: Quando o senhor fala de liderança responsável, o que quer dizer exatamente?

Wells: Liderança responsável é não apenas entregar resultados bons, mas também fazê-los do jeito certo. O objetivo de qualquer empresa é ter uma performance sustentável superior. Mesmo assim, muitas empresas falham por não conseguirem se adaptar a um mundo em constante mudança. A inércia é uma doença fatal. Liderança responsável demanda estratégias e estruturas ágeis. O jeito com que se alcança um bom resultado tem um profundo efeito na saúde de longo prazo das empresas. Neste sentido, é sempre útil apelar para os simples princípios de honestidade e de clareza.

Valor: O senhor pode nos dar um exemplo?

Wells: Pegue o caso de um gerente industrial que é promovido por ter gerado maior rentabilidade simplesmente por ter postergado manutenção. Isto é o equivalente a "roubar" da base física de ativos. As empresas devem estar certas de que seus ativos seguem nas mesmas condições do início. O mesmo é válido para os ativos humanos. Alguns gerentes constroem carreiras bem sucedidas explorando membros de suas equipes e atuando pouco para desenvolvê-los. Isto é um "roubo" da base de ativos. Também é simples "roubar" ativos à medida que não se fornece aos clientes a promessa embutida na marca. Veja o exemplo de companhias de seguros que melhoram sua lucratividade não pagando os acidentes. Finalmente, há "roubo" no balanço financeiro. CFOs que escondem lucros nos balanços de anos bons para turbinar anos ruins. O desafio para as empresas é criar sistemas que desencorajem essas práticas.

Valor: Em sua opinião, o que os líderes das companhias podem aprender com esta crise?

Wells: Talvez o mais óbvio seja que crises acontecem. Em toda minha vida profissional presenciei muitas crises financeiras e ainda me surpreendo com o fato de que poucas empresas estão preparadas para elas. Todos sabem que elas vão acontecer, o desafio é prever quando. Algumas pessoas alegam que os líderes não têm tempo para pensar em estratégias durante a gestão de uma crise e devem focar na sobrevivência. Porém, é fundamental continuar investindo nos objetivos de longo prazo. A crise não deve ser desperdiçada e pode, inclusive, acelerar a execução de determinadas estratégias. A regra que normalmente uso é que só se obtém recursos quando não se precisa deles.

Valor: É preciso adotar uma nova postura para liderar?

Wells: Os tempos mudaram e as empresas também devem mudar. Esperança não pode ser uma estratégia. O problema não desaparecerá somente porque o ignoramos. Líderes devem promover rápidos e corajosos ajustes para enfrentar as novas condições de mercado e evitar seguidas pequenas correções. Devem agir agressivamente, mas também com humanidade. Mais frequentemente do que se imagina, empresas enfrentam crises não porque houve algum evento econômico externo, mas porque elas simplesmente falharam em ajustar suas estratégias a tempo. Crises são uma boa oportunidade para se tentar novas soluções. Os clientes estão abertos a novas ideias e é mais fácil mudar internamente. Também é útil envolver suas equipes não somente na geração de ideias, mas também no encaminhamento das soluções. Este tipo de atitude melhora o moral, diminui a ansiedade e oferece maior capacidade para mudanças. É fundamental para o líder se comunicar de forma mais efetiva dentro da empresa e buscar maneiras para motivar os colaboradores.

Valor: Quais serão os maiores desafios dos líderes quando a crise for totalmente superada?

Wells: O mundo nunca precisou tanto de liderança. Os desafios econômicos, sociais e ambientais são complexos, cada vez mais globais e vai ser necessária uma grande liderança para enfrentá-los. Apesar disso, a confiança em nossos líderes e instituições está desabando. A confiança nos políticos está em um dos piores níveis e uma recente pesquisa com investidores nos EUA indicou que a maioria deles não acredita no que o CEO fala. Indivíduos em posições de liderança devem trabalhar para reconquistar essa confiança.

Registre as histórias, fatos relevantes, curiosidade sobre Paulo Amaral: rasj@rio.com.br. Aproveite para conhecê-lo melhor em http://www2.uol.com.br/bestcars/colunas3/b277b.htm

Eis o veículo (Motorella) que tenho utilizado para andar na ciclovia da Lagoa e ir ao trabalho sem suar