sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Abolida a prisão do depositário infiel

Valor Econômico - Legislação & Tributos - 04.12.08 - E2

Supremo derruba prisão de depositário infiel
Fernando Teixeira, de Brasília

Depois de dois anos de votação, o Supremo Tribunal federal (STF) encerrou na tarde de ontem o julgamento que dá fim à prisão por dívida financeira no Brasil. Por unanimidade, os ministros da corte acabaram com a prisão do depositário infiel em três hipóteses: em contratos de alienação fiduciária, em contratos de crédito com depósito e em casos de depositário judicial. A partir de ontem, o único caso de prisão civil ainda em vigor no país passou a ser por falta de pagamento de pensão alimentícia, tema não abordado pelos ministros.
Ruy Baron / Valor
O ministro Menezes Direito, do Supremo, afirmou que corte deve assumir uma posição transformadora na matéria ao votar pelo fim da prisão
O debate sobre a prisão civil foi reaberto no Supremo em 2005, durante o julgamento de um habeas corpus na segunda turma do tribunal, e logo foi levado ao pleno da corte. O ponto em debate era a aplicação do Pacto de São José da Costa Rica, assinado pelo Brasil em 2002 e que proíbe a prisão por dívida. A visão dos ministros foi a de que essa nova regra impede a prisão do depositário infiel no país em qualquer circunstância, pois seu status é superior ao da legislação ordinária que autoriza a detenção.
O processo estava aguardando o voto-vista do ministro Menezes Direito, que endossou a posição assumida pelos ministros da corte desde que o tema voltou a ser avaliado no pleno em 2006. "Adiro à posição de que o Supremo deve assumir uma posição transformadora na matéria, na linha do ministro Celso de Mello, deixando de atribuir status de lei ordinária aos tratados internacionais de direitos humanos", afirmou. No caso, tratava-se de um agricultor em dívida com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) em que ficou depositário de duas mil toneladas de arroz. Depois de realizar retiradas do estoque, ele foi condenado a pagar a diferença, sob pena de prisão. "Avulta-se o direito de não sofrer prisão por dívida" afirmou Menezes Direito, lembrando que há a única exceção para a obrigação alimentar.
Menezes Direito, contudo, não seguiu os demais colegas para estender o fim da prisão aos casos de depositário judicial - em que o juiz indica o devedor ou algum representante como responsável pela garantia da execução. Para o ministro, nesse caso não se trata do descumprimento de uma obrigação civil, mas de uma questão de hierarquia. Ele foi questionado mais tarde pelo ministro Gilmar Mendes, que defendeu a ampliação do novo entendimento: "A regra é a proibição geral, inclusive do depósito judicial. Pode-se até avaliar, como é levantado por alguns juízes, de que isso é uma infração penal contra a administração da Justiça, mas será visto caso-a-caso".
O fim do julgamento da possibilidade de prisão do depositário infiel no Supremo deverá aliviar resistências existentes até hoje em outros tribunais do país na adoção do posicionamento até agora parcial na corte. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), apenas a restrição à prisão no caso de alienação fiduciária foi adotada, com resistências, ainda presentes no caso de depositários judiciais. A quarta turma da corte adotou um placar parcial contra a prisão apenas em agosto deste ano. Nos tribunais locais, até a mudança de posição do Supremo a jurisprudência era favorável à prisão.


Trocando em miúdos

No Brasil, a prisão civil está prevista no inciso LXVII do artigo 5º da Constituição Federal, que estabelece que as duas únicas possibilidades de prisão por dívida são a do devedor de pensão alimentícia e a do depositário infiel - ou seja, a pessoa física que recebe bens ou valores para guardá-los e restituí-los quando for o caso, mas que não o faz. Um exemplo de depositário infiel é o da pessoa que adquire um veículo por meio de um contrato de alienação fiduciária. Nesse caso, o próprio veículo, ainda que esteja em poder do comprador, é dado em garantia no caso de inadimplência. Se as parcelas do financiamento não forem pagas, o veículo deve ser entregue de volta - e se isso não ocorre, trata-se de um depositário infiel. O mesmo ocorre com quem fecha um contrato de crédito agrícola, quando a produção é dada em garantia. Uma terceira possibilidade é a do depositário judicial - servidor do Poder Judiciário que fica responsável por guardar bens ou valores depositados em juízo, como o administrador de uma massa falida, por exemplo.

A crise econômica e o Poder Judiciário

Valor Econômico - Legislação & Tributos - 04.12.08 - E2

A crise e o desafio do sistema judiciário
Paulo Guilherme de Mendonça Lopes

Depois de anos de crescimento econômico acelerado, o mundo enfrenta agora uma crise que, na sua extensão, só encontra precedente na grande depressão de 1929. Os primeiros efeitos chegaram abruptamente. O crédito bancário secou, a moeda encolheu, as bolsas de valores derreteram, assim como os preços das commodities.

O crescimento foi impulsionado no ambiente da globalização da economia mundial. As trocas comerciais e financeiras entre as nações intensificaram-se com o avanço da tecnologia, principalmente da internet. O mercado de serviços jurídicos, nesse período, teve que se adaptar, a fim de suprir as necessidades de sua clientela. Houve um grande incremento da advocacia consultiva empresarial, assim como foi grande o influxo de modelos contratuais importados do sistema anglo-saxão dos Estados Unidos e do Reino Unido. O sistema financeiro nunca foi tão complexo, lidando com os instrumentos da comunicação instantânea e um mercado de ações cujos tentáculos deram a volta no globo, em endereços inéditos como a China.
Agora, as bolsas de valores em baixa e a desconfiança em alta fizeram despertar a advocacia contenciosa. O Poder Judiciário é chamado a solucionar questões que se tornam mais agudas quando a descapitalização é generalizada. Entram em campo os especialistas em litígios - o profissional do direito talhado para a solução de conflitos e para ajudar os juízes a entenderem, em bom português, os conceitos e termos em língua estrangeira utilizados nos contratos. São os intérpretes habilitados para adaptar ao sistema jurídico brasileiro estruturas contratuais e negociais que por vezes são absolutamente estranhas e desconhecidas em nossa cultura - quando não incompatíveis.
A crise que se avantaja a cada dia já começa a trazer aos tribunais brasileiros a discussão de matérias novas ou pouco usuais. São as matérias afetas ao direito societário, ao mercado de capitais, à responsabilidade - ou não - das empresas de classificação de risco ou de auditoria, aos intermediários financeiros, às operações de derivativos (tóxicos ou atóxicos) e de exportação de mercadorias etc. O direito internacional privado, que serviu para unir parceiros, nessa hora é invocado para rever relacionamentos e acertos ditados pelo novo cenário.
O novo influxo de processos e suas características - muito diferentes das crises anteriores, quando o Brasil era menos integrado ao contexto econômico mundial - representa um grande desafio para o setor contencioso da advocacia e para o Poder Judiciário. As crises anteriores tiveram origem em atos do governo federal, na intervenção do Estado na economia. A atual, ao contrário, tem origem somente nas relações privadas. Naquelas crises discutiram-se institutos jurídicos de todos conhecidos de longa data, quais sejam, a validade e os limites da intervenção do Estado na economia, na relação entre partes privadas e entre elas e o governo - como as tablitas, os confiscos e o tabelamento de preços -, a questão do direito adquirido ou da expectativa de direitos, a crise dos alugueres decorrentes de congelamento de preços etc. Todos os assuntos tratados baseavam-se em doutrina e em institutos jurídicos que já eram conhecidos e, como as crises se repetiam, a doença e o remédio eram sempre os mesmos. Todas essas crises tiveram origem em um mesmo problema: a inflação crônica que atingia a nossa economia.
A nova crise, como já se demonstrou, é, na sua gênese, muito diferente das anteriores. Tem ela sua causa e origem na quase falência do sistema financeiro mundial causada não por governos, mas por clientes privados dos bancos. Serão, agora, levados ao Poder Judiciário contratos que só são inteligíveis para homens de negócios, relações contratuais absolutamente desconhecidas, que não foram objeto de estudos doutrinários por doutrinadores nacionais - ou, se foram, contam-se nos dedos de uma mão o número de estudos existentes -, não existindo qualquer jurisprudência sobre eles. A tradução, do português para o português, a ser levada a cabo pelos advogados que atuam na área contenciosa revelar-se-á um trabalho hercúleo.
A Justiça brasileira contemporânea muda a cada ano. Há novos marcos regulatórios - como a nova Lei de Falências, as importantes reformas no Código de Processo Civil, um novo Código Civil e a Lei de Arbitragem que ajuda a desafogar o Poder Judiciário -, mas ainda há muito a fazer nesse campo. Por parte do poder público, no entanto, não se viu qualquer iniciativa substancial para resolver a crise, até agora insolúvel, do Judiciário. Os processos continuam se arrastando por anos. Esse conjunto de fatores soma-se ao novo quadro para formar o atual desafio aos operadores do direito - tanto juízes quanto advogados. Superá-lo é uma imposição imperativa. Não solucioná-lo poderá implicar em um desastre. À crise em curso se juntará um efeito colateral pior e mais duradouro, que é a crise de confiança nas instituições jurídicas.
Paulo Guilherme de Mendonça Lopes é advogado e sócio do escritório Leite, Tosto e Barros Advogados

GM não seguiu lição da Toyota

Valor Econômico - Especial - 05, 06 e 07.12.08 - A14

Empresa não seguiu lição da Toyota, diz pesquisador
De São Paulo
O maior erro da General Motors foi não ter seguido corretamente os ensinamentos da Toyota, na opinião de José Roberto Ferro, pesquisador do setor automotivo e presidente do Lean Institute Brasil, uma entidade criada para disseminar no Brasil o sistema de produção enxuta inspirado no modelo Toyota.
Para Ferro, falta ainda à direção mundial da GM humildade para entender a cultura dos japoneses, que desde a década de 70 revolucionaram o modelo de produção em linha de montagem, criado por Henry Ford há mais de 100 anos.
"Falta à GM mudar seu modo de pensar para o jeito simples da Toyota", diz o pesquisador. Para ele, a Ford teve um pouco mais de humildade de reconhecer que seus executivos estavam no caminho errado e, assim, foi buscar um profissional fora do mercado (Alan Mullaly, que saiu da Boeing).
Para citar exemplos de diferença de conduta entre as duas maiores montadoras do mundo - GM e Toyota-, Ferro aponta o departamento de compras, que representa 80% dos custos de um automóvel.
Segundo ele, para a Toyota, é clara a relação de longo prazo que deve ser construída com o fornecedor. "A empresa sabe que um carro não pode, por exemplo, sair sem assentos", diz. Já na GM, a relação, segundo ele, beira o confronto. "Na GM, o fornecedor significa custo; por isso, a empresa tenta baixar o preço do assento. Conseqüentemente, o fabricante da peça é visto como problema, algo que atrapalha", completa.
Para Ferro, a filial brasileira da GM, conseguiu, porém, mais êxito do que a matriz na busca por um modelo de gestão voltado a ferramentas adequadas e orientação dos trabalhadores para um sistema de produção enxuta.
Outra diferença entre as duas companhias, na opinião do pesquisador, está nas pessoas. A Toyota trabalha vendo as pessoas como seres comuns. Tanto que seus altos executivos raramente aparecem publicamente.
Já a GM se preocupou mais em escalar o que entende como gênios, segundo ele. No lugar do estímulo ao trabalho em equipe, a montadora americana se preocupou mais em exibir os talentos, afirma. Outra virtude da Toyota, explica Ferro, é expor os problemas claramente, o que estimula os funcionários a não esconder nada.
Apenas no último trimestre, a GM queimou US$ 6,9 bilhões do seu caixa. O valor de mercado da companhia está em US$ 1,8 bilhão e o patrimônio líquido está negativo em quase US$ 60 bilhões. (MO)

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Eis o veículo (Motorella) que tenho utilizado para andar na ciclovia da Lagoa e ir ao trabalho sem suar