sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Nova regulamentação do consórcio de bens

Valor Econômico - Legislação & Tributos - 30.10.08 - E2
A regulamentação do sistema de consórcio e a alienação fiduciária
Melhim Namem Chalhub
O sistema de consórcio para a aquisição de bens acaba de ser regulamentado pela Lei nº 11.795, de 8 de outubro deste ano, que o define como "a reunião de pessoas naturais e jurídicas em grupo, com prazo de duração e número de cotas previamente determinados, promovida por administradora de consórcio, com a finalidade de propiciar a seus integrantes, de forma isonômica, a aquisição de bens ou serviços, por meio de autofinanciamento."

Trata-se de um instrumento que, ao longo de quase meio século, consolidou-se em nosso país como um importante catalisador do desenvolvimento econômico e social, e que há muito reclamava um regime jurídico próprio, com uma clara definição da operação e dos direitos e obrigações das partes envolvidas, entre outros aspectos.
Com efeito, até o advento da Lei nº 11.795, o consórcio era regulamentado por atos normativos infralegais que não tratavam da matéria de maneira sistematizada, dando margem a uma certa insegurança jurídica decorrente de interpretações distorcidas, que eventualmente até violavam o princípio da função social do contrato em decisões judiciais que privilegiavam o interesse do indivíduo em detrimento do grupo. A Lei nº 11.795 vem suprir essa lacuna, dispondo sobre a estrutura geral da operação e seus elementos fundamentais, delimitando os direitos e obrigações do consorciado, do grupo e da empresa administradora e tratando das demais especificidades desse negócio peculiar.
A administradora não é a titular do negócio, mas apenas uma prestadora dos serviços relacionados à consecução da função do consórcio - e, nesse sentido, a nova lei deixa claro que a administradora atua "na defesa dos direitos e interesses coletivamente considerados." O negócio é estruturado sob a forma mutualista e, assim, sua função econômica se realiza no limite das forças do grupo. O interesse coletivo, portanto, tem prioridade em relação ao do indivíduo, como explicita o parágrafo 2º do artigo 3º da lei, que estabelece que "o interesse do grupo de consórcio prevalece sobre o interesse individual do consorciado".
Ao priorizar o interesse coletivo, a nova lei corrige uma grave distorção do procedimento de execução da garantia, contida na Lei nº 9.514, de 1997, que regulamenta o contrato de alienação fiduciária de bens imóveis. É que, como se sabe, a forma contratual adotada nas operações de consórcio é a do mútuo com garantia fiduciária. Nessa espécie de contrato, o não-pagamento da dívida enseja a venda do imóvel em leilão, visando a obtenção dos recursos necessários à satisfação do crédito. Sucede que o parágrafo 5º do artigo 27 da Lei nº 9.514 isenta o devedor do pagamento de um eventual saldo residual caso não se obtenha, com a venda do imóvel, quantia suficiente para pagamento integral da dívida; por esse dispositivo legal, o credor é obrigado a absorver o prejuízo.
A regra, sem dúvida, põe em risco o equilíbrio do contrato e, sobretudo no caso dos consórcios, caracterizaria violação do princípio da função social do contrato. Ora, se o valor de revenda do imóvel não cobrir o do crédito e, mesmo assim, o grupo for obrigado a dar quitação ao consorciado inadimplente, este obteria uma vantagem injustificável, em detrimento da comunidade que compõe o grupo, pois o prejuízo teria que ser suportado por todos os demais consorciados.
A nova lei corrige essa distorção no âmbito da operação de consórcio, ao dispor que o consorciado é responsável pelo pagamento integral do valor da sua participação, devendo pagar inclusive o saldo residual apurado após o leilão caso o imóvel seja revendido por valor inferior ao da dívida. De acordo com o parágrafo 6º do artigo 14 da Lei nº 11.795, "o oferecedor de garantia por meio de alienação fiduciária de imóvel ficará responsável pelo pagamento integral das obrigações pecuniárias estabelecidas no contrato de participação em grupo de consórcio, por adesão, inclusive da parte que remanescer após a execução dessa garantia".
Essa questão já foi antes levantada - a de que o perdão da dívida não deveria ser aplicado a operações de financiamento de finalidade empresarial e de consórcio, só podendo ser admitido para algumas situações socialmente justificáveis, como, por exemplo, os financiamentos habitacionais de cunho assistencial, idéia que chegou a ser aproveitada no Projeto de Lei nº 1.070, de 2007, da Câmara dos Deputados. A regra da Lei nº 11.795 adota a idéia, mas resolve o problema apenas em parte, pois é restritiva e aplica-se somente à operação de consórcio. É, entretanto, um exemplo que deveria ser seguido pelo legislador, pois a aplicação generalizada do perdão da dívida - como previsto nos parágrafos 5º e 6º do artigo 27 da Lei nº 9.514 - representa um grave risco de crédito e pode inibir o financiamento de outras atividades produtivas.
Melhim Namem Chalhub é advogado, professor e autor dos livros "Negócio Fiduciário e Da Incorporação Imobiliária", pela Editora Renovar, e "Direitos Reais", pela Editora Forense

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