quarta-feira, 23 de abril de 2008

Livro virtual

Jornal do Commercio - Tecnologia - 23.04.08 - B-10
Livros virtuais não agradam aos leitores
MARIANA BOROTOLETTI
DA AGÊNCIA ESTADO
Se tantas pessoas trocaram o CD pelo MP3 talvez num futuro próximo substituam o livro por uma versão virtual dele. Isso até existe - são os chamados e-book readers - mas ainda não funcionam 100%. O motivo é simples: nenhum dos grandes fabricantes acertou um modelo que realmente faça as pessoas desejarem o produto, como aconteceu com a criação do iPod. Apesar disso, não falta material para esse futuro dispositivo leitor de livros. As bibliotecas virtuais e lojas de e-books, que permitem baixar não apenas livros inteiros, mas também vídeos, áudios, textos, imagens - e o melhor, como grande parte caiu em domínio público, não é preciso pagar por este conteúdo. Ao se procurar livros virtuais, descobre-se muita coisa na rede. Teresinha das Graças Coletta, ex-responsável pelas bibliotecas da USP, foi uma das desenvolvedoras da biblioteca digital da universidade. Os dois bancos de dados oficiais da USP são o de teses e dissertações (www.teses.usp.br) e o de obras raras (www obrasraras.usp.br). "A idéia de criação dos portais nasceu para que o conteúdo feito com dinheiro público fosse público." Entre as criações independentes da USP está Biblioteca Virtual do Estudante de Língua Portuguesa (www.bibvirt.futuro usp.br), que, ao contrário do que designa o termo biblioteca - "lugar que contém livros" - dispõe de acervo de programas como o Telecurso2000 e vídeos em libras (sinais de linguagem para surdos). Em uma área chamada Vozteca há gravações de vozes de personagens importantes da história brasileira, como Santos Dumont, Vinícius de Moraes e Getúlio Vargas. Em novembro de 2004, foi lançado pelo Ministério da Educação o portal www.dominiopublico.gov.br. Simples de navegar, o site permite o download de obras famosas de Leonardo da Vinci e livros inteiros de Machado de Assis. "O site é acessado por muitos tipos de pessoas: de donas de casa a estudantes, passando por pesquisadores", afirma a bibliotecária Sabrina Amorim, de 28 anos, responsável-substituta do site. "Atualizamos o acervo todos os dias: ou chegam coisas novas ou procuramos com parceiros."Domínio público. De acordo com a legislação brasileira, toda obra passa a ser de domínio público a partir do 70º aniversário de morte do seu criador. O professor e advogado especializado na área de direitos autorais, Guilherme Carboni, de 39 anos, explica que o objetivo de entrar em domínio público "é compartilhar com outros uma obra particular. É a comprovação do direito de acesso à cultura para todos", defende. Bibliotecas de verdade também estão aos poucos se tornando digitais. Parte delas já está na internet, como a Biblioteca Nacional do Brasil (www.bn.br/bndigital) e o Instituto Moreira Salles (www.ims.com.br). O pioneiro de livros online em domínio público é o Projeto Gutenberg (www.gutenberg.org). Embora estrangeiro, o site dispõe de uma versão em português. Aliás, existem outros portais internacionais (em inglês) que investiram pesado em digitalização. O Rare Book Room (www.rarebookroom.org), por exemplo, tem obras raríssimas, como a Bíblia de Gutenberg. Acervo. Não é complicado criar um acervo digital. Existem até portais inteiros dedicados a ensinar a fazer uma biblioteca, passo a passo. O único problema pode estar no momento de digitalizar obras. Atualmente, o processo é caro, minucioso e, dependendo da mídia a ser digitalizada, é necessário um tratamento especial. "Você preserva o livro, o áudio e ainda assim os torna acessíveis. O legal dessas iniciativas é poder disponibilizar tudo para todos", entusiasma-se o jornalista Alessandro Martins, de 34 anos, autor do blog Livros e Afins (www.alessandromartins.com) e um entusiasta do livro em versão eletrônica. Pelos comentários que recebe dos leitores, nota-se muita reclamação quanto ao incômodo em ler na tela. "É o que mais escuto. Falta uma engrenagem nessa máquina, talvez um objeto tão confortável quanto o livro, com mais capacidade de compartilhamento e interação. No ritmo em que as coisas estão, aposto que teremos algo assim em cinco anos."Não foi por falta de tentativa. A Amazon lançou o Kindle, a Panasonic criou o Words Gear e a Sony, o Reader Digital Book. Nada emplacou: ou eram grandes, ou pequenos, ou desconfortáveis - mas como diz Martins, é questão de tempo para que eles apareçam. Material para usar neles, como vimos, é o que não falta - e sem pirataria.

Separação das contas pessoais das empresariais

Jornal do Commercio - Jornal do Lojista - 24.04.08 - B-18
Aprenda a separar as contas pessoais das empresariais
Dora RamosFundadora e contadora da Fharos Assessoria Empresarial
Quando chega a hora de fazer o balanço da companhia, muitos administradores sofrem porque não conseguem chegar aos números esperados. No Brasil, segundo dados divulgados pelo Serasa, só no ano de 2007, 2.721 empresas foram à falência. Associando esses dados à minha experiência de mais de duas décadas no mercado contábil, afirmo que aproximadamente 60% desses casos se devem à mistura que os empreendedores fazem da vida financeira pessoal com a empresarial. Apesar de terem certeza que contabilizaram todos os lucros e despesas corretamente, a maioria não encontra o capital que parece ter desaparecido pelo caminho. Com o intuito de facilitar os diversos cálculos que são obrigados a fazer, alguns empresários costumam colocar as contas pessoais no mesmo cálculo das contas da empresa. O problema é que, muitas vezes, o pró-labore, como é conhecida a remuneração do trabalho realizado pelo proprietário da empresa, é utilizado de maneira abusiva ou, até mesmo, ingênua pelos donos de empresas que reclamam não ter capital de giro disponível ou que seu empreendimento não gera lucros.A dúvida que a maioria das pessoas possui é de como determinar, de maneira justa, o salário do próprio cargo que ocupa e conseguir separar os gastos pessoais dos gastos da empresa, além de fazer com que a mesma possua capital de giro. Existem algumas maneiras de se definir esse valor, e uma delas é o empresário buscar saber quanto ganha em média no mercado um profissional que desempenha as mesmas funções, considerando, claro, sua própria experiência e qualidade do desempenho das atividades. Para que o processo aconteça da maneira correta, o empresário deve tentar definir esse valor a partir da média oferecida no mercado. Também é interessante que se faça uma busca em empresas similares que possuam empresários que desempenham as mesmas funções.Além de tudo isso, é importante que o empresário elabore uma lista, relacionando todos os seus gastos pessoais (prestações, conta a pagar, cartões de crédito, escola dos filhos, gasolina, lazer, alimentação etc.). O resultado dessa lista deve ser o mínimo a ser considerado como o pró-labore, integrando assim o valor das despesas e dos custos fixos da empresa.Para que essa mudança seja efetiva, o empresário precisa manter a consciência de que os valores recebidos pela empresa são de propriedade da própria empresa, não dele. Ao misturar sua vida financeira pessoal com a vida financeira da empresa, o gestor contribui de maneira significativa para a desorganização administrativa do empreendimento, além de não conseguir estabelecer um planejamento organizado para sua própria vida pessoal. Os valores e as necessidades se misturam, e fica difícil conseguir separar o primordial do supérfluo.Os lucros da empresa não representam os lucros pessoais do empresário, mas, ao mesmo tempo, ninguém trabalha de graça. Toda e qualquer pessoa tem direito a receber uma remuneração pelos serviços que presta, inclusive o dono do negócio. Para que ele tenha sua remuneração aliada ao crescimento de sua empresa, é importante que identifique, com neutralidade, o valor de seus esforços dentro da sua própria organização.Site: www.fharos.com.br

Gilmar Mendes no STF

Valor Econômico - Política - 23.04.08 - A8
Posse de Gilmar Mendes reforça papel propositivo do Supremo
Juliano Basile

Gilmar Mendes assume hoje o comando do Supremo Tribunal Federal (STF) no período mais inovador da história recente da Corte. Em seus últimos julgamentos, o Supremo tem feito alertas constantes ao Executivo e ao Legislativo para que tomem medidas práticas para resolver os principais problemas do país. Mais do que isso: a cada sessão, o tribunal se mostra mais preocupado com grandes temas do que com processos individuais. Eles julgam casos aparentemente simples pensando nas repercussões que a decisão poderá ter para milhares de causas semelhantes. Com isso, os ministros do Supremo estão cada vez mais saindo do varejo para atuar no atacado.
O resultado dessa nova postura é que não existe mais sessão monótona no STF. A partir de casos ordinários, os ministros estão tomando decisões com repercussões gerais para a sociedade. Na semana passada, por exemplo, houve dois exemplos claros desta postura propositiva do tribunal. Na segunda-feira, durante uma sessão extraordinária destinada apenas a aliviar a pauta, os ministros discutiam um caso simples: o pagamento de cirurgia a um cidadão que foi baleado no Recife. O STF possui milhares de decisões em que não manda o Estado pagar este tipo de operação por uma razão objetiva: se o fizer, os Estados podem simplesmente ir a falência. O caso seria julgado "no piloto automático", tanto que, na sessão, participavam apenas seis dos onze ministros. Não havia nem o mínimo de oito, necessário para se discutir questão constitucional. Porém, numa discussão surpreendente, os ministros decidiram condenar o governo de Pernambuco a pagar a cirurgia e a fazê-lo pela contratação de um médico especialista da Universidade de Yale tido como o único no mundo capaz de fazer com que o paciente possa voltar a respirar sem aparelhos. Ao decidir dessa forma, os ministros chamaram a atenção dos demais governadores para que não abandonem a questão da segurança pública nos Estados, pois podem sim ser chamados a custear as operações.
Em outra discussão na quarta-feira, os ministros quase inverteram toda a jurisprudência do tribunal com relação a medidas provisórias. O STF tradicionalmente não se pronuncia sobre os dois requisitos para o governo baixar MPs - a urgência e relevância do assunto -, pois sempre entendeu que este é um assunto político e, portanto, deve ser tratado pelo Executivo, com a votação posterior do Congresso. No entanto, ao julgar uma ação do PSDB contra a concessão de R$ 5,4 bilhões em créditos extraordinários por meio de MPs, cinco ministros disseram que não havia urgência nem relevância após examinar o que seria financiado. O julgamento foi interrompido, mas falta apenas um voto para o tribunal dar um alerta ao Executivo para não faça MPs sem relevância e urgência.
Há duas semanas, a inovação partiu do próprio Mendes. Ao votar uma das questões mais polêmicas em curso no STF - quem tem poder de regular a prestação dos serviços de saneamento - Mendes, defendeu uma terceira via, nunca antes suscitada nesta questão. A dúvida era saber se a competência para regular o saneamento era dos Estados ou dos municípios. Em alguns casos, houve propostas para que a regulação ficasse a cargo de regiões metropolitanas, já que existem cidades que se uniram de tal forma que o serviço é prestado pela mesma concessionária. Mendes, porém, propôs um prazo de 24 meses para que o Estado do Rio se reunisse com municípios e regiões metropolitanas e juntos decidissem a questão. Se a proposta de Mendes for aceita ela irá concretizar uma prática absolutamente nova na Corte: ao invés de o Supremo dizer sim ou não à determinada ação, ele passará a estipular prazos e dizer como a questão deve ser resolvida. Normalmente, o tribunal responde apenas aceitando ou negando o pedido de uma das partes. Mas, em casos recentes, o STF tem ido além e determinado como a questão deve ser resolvida, propondo prazos e formas alternativas de solução.
O novo presidente é um dos líderes desta nova tendência de um Supremo cada vez mais propositivo e menos inerte. É também o principal nome no país quando se fala em "controle constitucional". Ou seja, na possibilidade de o STF assumir o papel de dar as diretrizes aos demais tribunais do país nos grandes temas nacionais. Mendes é o pai das principais ações utilizadas para se pular instâncias e levar questões relevantes diretamente ao Supremo. A partir de um grupo de estudos criado por ele na Casa Civil, quando era subchefe de Assuntos Jurídicos do então presidente Fernando Henrique Cardoso, que foi criada a Argüição por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). Este tipo de ação permite que se recorra diretamente ao STF para obter uma decisão final para problemas reconhecidamente controversos. Foi através de uma ADPF que o Supremo determinou a suspensão de parte da Lei de Imprensa, em fevereiro deste ano. Foi também por uma ADPF que o tribunal suspendeu a tramitação de todas as ações que tratam da constitucionalidade do Plano Real.
Essas ações têm no gene discussões levadas a cabo por Gilmar Mendes. O hoje presidente do Supremo chamou juristas como Ives Gandra Martins, Arnoldo Wald e Celso Bastos (já falecido) para participarem da redação dos primeiros anteprojetos de lei que permitiram a institucionalização da ADPF. Também foi Mendes quem atuou na definição das leis que regem a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) e a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin). A primeira pode ser utilizada pelo presidente da República para pedir diretamente ao STF que reconheça determinada lei ou prática governamental como constitucional. No ano passado, o governo usou uma ADC para pedir o reconhecimento da cobrança de ICMS na base de cálculo da Cofins - uma discussão que vale R$ 60 bilhões aos cofres do Tesouro Nacional. Já as Adins podem ser utilizadas por partidos políticos e associações e já foram propostas mais de 4 mil dessas ações no tribunal desde a Constituição de 1988. Foi através de uma Adin que o Democratas pediu o fim dos aumentos na Contribuição Social sobre o Lucro Líquido e no Imposto sobre Operações Financeiras - medidas utilizadas pelo governo para compensar o fim dos R$ 38 bilhões anuais de arrecadação com a CPMF.
O novo presidente do STF não está sozinho nessa tendência de reforçar o papel da Corte como definidora de temas no atacado. Em levantamento feito pela revista eletrônica Consultor Jurídico, os onze ministros foram questionados se ao decidir eram: legalistas (formais e de acordo com a lei), jurisprudencialistas (valorizam as decisões construídas no plenário) ou doutrinadores (buscam novas abordagens e trabalham mais na tese jurídica do que no caso concreto). Ao todos, oito dos onze ministros afirmaram ter perfil "doutrinador". Ficaram de fora apenas Ellen Gracie, Joaquim Barbosa e Menezes Direito.

Class action para o mercado de capitais

Valor Econômico - Legislação & Tributos - 23.04.08 - E1

Anteprojeto de lei cria no Brasil versão da 'class action' americana
Cristine Prestes,
de São Paulo
Uma idéia está surgindo entre os advogados que atuam no mercado de capitais brasileiros: a criação, no Brasil, de um instrumento semelhante à "class action" americana, que permitiria aos investidores que se julgassem lesados por empresas ingressassem na Justiça com pedidos de indenização que reparassem os danos sofridos. A possibilidade, ainda que distante, pode surgir caso o chamado Código Brasileiro de Processos Coletivos saia do papel. O anteprojeto de lei faz parte de um pacote de 12 propostas elaboradas pela Sociedade Brasileira de Direito Processual (SBDP) que concluem a reforma infraconstitucional do Poder Judiciário e que devem ser colocadas em consulta pública em maio para serem levadas ao Ministério da Justiça no fim deste semestre.
Pela proposta, a legislação que estabelece as regras para as ações civis públicas é alterada para incluir no rol de partes legitimadas a propor este tipo de demanda na Justiça "qualquer pessoa física, para a defesa dos interesses ou direitos difusos, desde que o juiz reconheça sua representatividade adequada". Na prática, significa que se um investidor que se sentir prejudicado vai à Justiça e propõe ao juiz uma ação civil pública que, caso seja aceita e julgada, sua decisão passa a valer para todos os prejudicados.
Hoje, ainda que exista a possibilidade de investidores buscarem seus direitos em conjunto na Justiça, há limites de atuação. Isto porque ou o investidor entra sozinho no Judiciário para pedir ressarcimento pelos prejuízos causados a ele pela empresa - e, conseqüentemente, sua ação perde força e se mistura a inúmeras outras, que tratam dos mais diversos assuntos, na Justiça dos Estados - ou procura o Ministério Público e tenta convencer promotores sobrecarregados em meio a investigações de todo o tipo de que seu prejuízo é o mesmo de outras centenas de investidores, justificando a abertura de uma ação civil pública para pedir na Justiça o ressarcimento de todos eles. Além destas duas possibilidades, há ainda a de criação de uma associação de investidores lesados, cuja legitimidade para buscar na Justiça os direitos de um grupo passa pelo crivo do juiz.
O litígio em conjunto de investidores contra empresas, no entanto, não tem sido comum no Brasil. O advogado Lionel Zaclis, autor de uma tese de doutorado sobre o tema e autor do livro "Proteção Coletiva dos Investidores no Mercado de Capitais", afirma que de 1989 até hoje foram propostas apenas nove ações civis públicas relativas a direitos de investidores no Brasil - entre elas a proposta pelo Ministério Público do Estado de São Paulo contra a Avestruz Master, cujos investidores perderam R$ 350 milhões aplicados na criação dos animais, imbróglio que dura desde 2005.
Enquanto isto, neste mesmo período de tempo foram milhares, segundo Zaclis, as "class actions" promovidas por investidores na Justiça americana. Segundo ele, a "class action" pode ser proposta na Justiça americana por um único investidor que se considerar lesado, e caso o juiz aceite os argumentos de que trata-se de um caso coletivo, publica-se um edital para que os investidores que não têm interesse na ação se manifestem na ação. Os que não o fizerem colherão os resultados da ação - seja ele positivo ou negativo. Um caso emblemático, conta, é o de duas corretoras de valores de Nova York que lesaram investidores em centavos por lote de ações - algo imperceptível durante algum tempo, a não ser para um advogado especialista no mercado de capitais que se descobriu lesado em US$ 70,00 ao longo de cinco a seis anos. O advogado ingressou na Justiça pedindo que sua ação fosse certificada como "class action" pois haviam seis milhões de investidores na mesma situação - cujo desvio somava US$ 400 milhões. A ação foi aceita e as corretores condenadas a indenizar os investidores. "Se ele fosse à Justiça sozinho o juiz jamais aceitaria a ação", afirma.
A tarefa, no Brasil, é bem mais complexa. O escritório Grebler Advogados, que defende 2.500 cotistas do Clube de Investimentos Investvale - clube de investimentos dos empregados e aposentados da Vale criado na privatização da mineradora -, estuda alternativas para garantir a recuperação do valor real das cotas vendidas, indenização e correção monetária aos investidores supostamente lesados. Segundo o advogado Gustavo Grebler, especialista em mercado de capitais do escritório, a "class action" teria a vantagem de, ao facilitar o acesso dos investidores à Justiça, promover alterações nas companhias para que passem a operar dentro das normas. "Isto porque o valor da reparação estabelecido pela Justiça excede o valor obtido com o descumprimento das normas", afirma. Ou seja, as ações acabam por ter um efeito pedagógico no mercado de capitais.
Grebler afirma que um estudo identificou que de todas as "class actions" promovidas nos Estados Unidos, 47% referem-se à defesa de direitos coletivos de investidores do mercado de capitais - as chamadas "securities class actions". Em 1995, este tipo de ação acabou passando por alterações para que se evitasse o ingresso na Justiça de processos consideradas aventuras jurídicas, mas que levavam as empresas a fecharem acordos com os investidores supostamente lesados para evitar que os litígios se tornassem públicos.
O secretário-geral da Sociedade Brasileira de Direito Processual, Petrônio Calmon, um dos autores dos 12 anteprojetos de reforma infraconstitucional, diz que o objetivo da proposta é melhorar o instrumento da ação civil pública. Isto porque a lei atual foi criada para permitir que associações litiguem em prol de grupos supostamente lesados, mas são poucos os casos de sucesso destas entidades no Brasil. "As associações não pegaram no Brasil, tudo hoje é direcionado ao Ministério Público", diz. "O anteprojeto amplia o uso da ação civil pública, mas não acredito que vá existir um número muito maior de ações do que já existe hoje", afirma.

Prisão civil e STF

Valor Econômico - Legislação & Tributos - 23.04.08 - E2
O Supremo, os direitos humanos e a prisão civil
Renato Stanziola Vieira

Já não há quem duvide que existe algum fundamento na célebre frase de Edward Hughes segundo a qual a Constituição, em último grau, é o que o Supremo diz que ela é. Diuturnamente países dotados de Suprema Corte (Estados Unidos, Canadá, Argentina) ou Tribunal Constitucional (Alemanha, Portugal, Espanha, Itália) se submetem às decisões das cortes que, em matéria constitucional, têm o chamado privilégio - ou pecado capital dos sistemas jurídicos - de errar, ou acertar, por último.
Por trás desta sedutora divisão de responsabilidades na condução dos assuntos de cada república, mal se esconde outro truísmo lembrado pela teoria constitucional: interpretar a Constituição é reformulá-la, alterá-la mediante a dação de sentido que advém do uso da linguagem. O sentido, pois, de cada norma jurídica que decorre de análise e, portanto, decisão judicial, vem, por que não dizer como antítese de Montesquieu, da boca do juiz. A lei não existe senão depois de sua interpretação.
Dentre tantos exemplos de protagonismo judicial, pode-se colher, no Brasil, a alvissareira - ainda que já tardia - sinalização de mudança de entendimento na Suprema Corte acerca das hipóteses de cabimento da prisão civil em casos de dívida por depósito de bens - artigo 5º, inciso LXVII, da Constituição Federal. Como os entendimentos dos ministros Marco Aurélio Mello (Habeas Corpus nº 87.585), Gilmar Mendes (Recurso Extraordinário 466.343) e, agora mais recentemente Celso de Mello (Habeas Corpus nº 85.757) deixam fora de dúvida, a evolução em curso na corte tende a privilegiar o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana e, por isso, convencer a sociedade acerca da distinção de tratamento que merecem os tratados negociais assumidos pelo Brasil, e os tratados afetos a matéria que envolva direitos humanos. Mais que uma evolução na jurisprudência, a consolidação dessa linha de pensar significa uma revolução.
A mudança do paradigma em curso no Supremo Tribunal Federal (STF), dê-se-lhe ou não os atributos de vinculação obrigatória e eficácia geral, constituiu-se como precedente fundamental a ser publicizado a todos os que proclamam a efetividade máxima das normas jurídicas protetivas dos direitos humanos; quer estejam positivadas formalmente na Constituição, quer integrem o bloco de constitucionalidade por decorrência da via de acesso do parágrafo 2º, do artigo 5º, e após a Emenda Constitucional nº 45, de 2004, também por força do parágrafo 3º do mesmo artigo da Constituição. Enfim, já o disse Konrad Hesse em lição repetida e nem sempre compreendida, aos que tenham vontade de Constituição.
E como disse o ministro Celso de Mello em passagem emblemática que, acredita-se com tristeza, ainda não é compreendida por muitos integrantes do Poder Judiciário brasileiro: "Assiste, desse modo, ao magistrado, o dever de atuar como instrumento da Constituição - e garante de sua supremacia - na defesa incondicional e na garantia real das liberdades fundamentais da pessoa humana, conferindo, ainda, efetividade aos direitos fundados em tratados internacionais de que o Brasil seja parte. Essa é a missão socialmente mais importante e politicamente mais sensível que se impõe aos magistrados, em geral, e a esta Suprema Corte, em particular."
Já não era sem tempo de se ver a Constituição em contexto global, sob a luz da proteção dos direitos humanos
A novidade do entendimento a se formar no nosso mais alto tribunal tem raiz filosófica bem conhecida, qual seja, aquela segundo a qual pelo fato de o ser humano ser um ente com fim em si, não se conceber possa servir de objeto à felicidade alheia. Dignidade (Würdigkeit) não se compadece com a noção de preço (Wert) e, por isso, para a satisfação de bem material não se concebe a supressão da liberdade individual de quem quer que seja. Incrível que, como salientado pelo ministro Celso de Mello, desde a "Lex Poeteria Papillia", no século V a.C já fosse assim, tenha sido preciso levar séculos para se intuir tal realidade.
E é salutar que os ministros da Corte Suprema, atentos à evolução da humanidade, fundamentem o acertado entendimento com base na normatividade constitucional que advém de tratado e pacto de direitos humanos subscritos pela República Federativa do Brasil em seu exercício soberano há já mais de quinze anos, como é a situação, respectivamente, do Pacto de San José da Costa Rica, artigo 7º, e do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, artigo 11.
Já não era sem tempo de se ver a Constituição em contexto global, ao menos sob a luz da proteção dos direitos humanos e à necessária prevalência da norma que proteja, com maior amplitude, o ditame da dignidade da pessoa humana. Disse-o bem o Ministro Gilmar Mendes, a partir de lições de Peter Häberle: "É necessário assumir uma postura jurisdicional mais adequada às realidades emergentes em âmbitos supranacionais, voltadas primordialmente à proteção do ser humano."
Assiste-se, neste momento, com positiva expectativa, ao exercício de sábia humildade dos integrantes da Suprema Corte que, com lances de mestres, têm provocado seus pares a rediscutir a prisão civil decorrente de depósito infiel com vistas a melhor se garantir os inalienáveis direitos do homem.
A mudança que se avizinha assume distinta perspectiva jurídica e ética, pois na medida em que se deve assumir a deferência constitucional que os tratados de direitos humanos merecem, tutela-se com eficácia desejável a própria dignidade da pessoa humana. Não há desacordo moral que possa impedir ou nublar a visão do último intérprete sobre a proteção desse direito positivo.
Renato Stanziola Vieira é advogado criminalista, mestre em direito constitucional pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo e sócio do escritório Andre Kehdi e Renato Vieira Advogados

Registre as histórias, fatos relevantes, curiosidade sobre Paulo Amaral: rasj@rio.com.br. Aproveite para conhecê-lo melhor em http://www2.uol.com.br/bestcars/colunas3/b277b.htm

Eis o veículo (Motorella) que tenho utilizado para andar na ciclovia da Lagoa e ir ao trabalho sem suar