quinta-feira, 10 de abril de 2008

Direito e desenvolvimento

Valor Econômico - Legislação & Tributos - 09.04.08 - E2
Desenvolvimento, desigualdade e o papel do direito
Diogo R. Coutinho 09/04/2008

Durante muito tempo muitos economistas foram ensinados a ver a desigualdade como um assunto periférico ou como um mero resultado de processos econômicos. Isso porque o pensamento econômico chamado neoclássico, ao se afastar da discussão a respeito da importância da distribuição de riquezas, central para economistas como David Ricardo e Marx, terminou por enveredar pelo raciocínio segundo o qual o crescimento - aqui entendido como sinônimo de desenvolvimento - não necessitava de um arranjo redistributivo pró-ativo e implementado por meio de políticas públicas.
Hoje se sabe, contudo, que o desenvolvimento de uma dada sociedade não é sinônimo de crescimento do tamanho de sua economia, medido pela variação do Produto Interno Bruto (PIB). Já há alguns anos foram incorporados à noção de desenvolvimento novos componentes, tais como a idéia de sustentabilidade ambiental e a premissa de que países mais igualitários seguem padrões de desenvolvimento de melhor qualidade em relação àqueles países - como o nosso ao logo da década 70 - que deram saltos de crescimento às custas do aumento da desigualdade. Este segundo componente de igualdade do desenvolvimento, tratado por economistas nas mais recentes chamadas teorias do crescimento endógeno, será brevemente discutido aqui em sua interface com o direito.
É sabido que recursos como renda, seguridade social, educação, emprego, saúde e alimentação são distribuídos de maneira desigual no planeta e em nosso país, que ostenta um dos piores índices de desigualdade do mundo, medido pelo coeficiente Gini. Há - e isto é também bem conhecido - inúmeros debates a respeito das formas como se medem as desigualdades, seus impactos sobre o bem-estar e as qualidades e deficiências, prós e contras de políticas que tenham com objetivo sua redução. Estes debates, por sua vez, são informados por visões particulares e ideologicamente informadas do que seja a igualdade.
O desafio é como fazer do direito um vetor de redução de desigualdade e indutor do desenvolvimento
Do ponto de vista do direito, as discussões sobre igualdade, equidade e justiça percorreram um longo caminho, que vem de milênios. Pode-se dizer, contudo, que o jurista brasileiro - isto em grande medida por conta de certas deficiências no ensino do direito em nosso país - não está habituado a pensar a justiça distributiva desde os pontos de vista de sua concepção por meio de um arranjo institucional e de sua implementação por meio de políticas públicas. Com isto quero dizer que estamos, salvo raras exceções, presos a concepções metafísicas de justiça ou então a uma certa retórica muito abstrata - e pouco efetiva - de direitos sociais. Com isto, temos - nós, do direito - dado muito poucas contribuições reais para a redução da desigualdade.
Por isto, está mais do que na hora de pôr o arcabouço jurídico em marcha contra a desigualdade como um projeto político consciente e articulado do ponto de vista de sua implementação, isto é, sob a forma de uma política pública coerente. Dito de outra forma, o desafio que se nos descortina é: como fazer do direito um vetor de redução de desigualdade e indutor do desenvolvimento? Esta pergunta engendra enormes desafios que, por sua vez, descortinam uma interessantíssima agenda de pesquisa. Que ferramentas tributárias (como a tributação progressiva), previdenciárias (a idéia de solidariedade contributiva), regulatórias (como as tarifas de serviços públicos universalizantes em termos de acesso e fruição), financeiras (a gestão igualitária da arrecadação e do gasto públicos), sociais (políticas de saúde, educação, moradia, ações afirmativas), entre outras tantas possíveis, podem ser dirigidas a finalidades distributivas com o mínimo de perda de eficiência econômica? Que transferências entre ricos e pobres se justificam em uma sociedade marcada por um fosso social gigantesco e em busca da redução da pobreza? Que papel tem o Poder Judiciário - muitas vezes bem-intencionado, mas nem sempre consciente dos efeitos econômicos de suas decisões - nesse debate?
O papel do direito no desenvolvimento certamente passa por uma reflexão - teórica e aplicada - crucial sobre a redução da pobreza e da desigualdade por meio de políticas públicas juridicamente conformadas e implementadas. O direito, como arquiteto (concepção e desenho institucional), como instrumento (implementação) e como bússola (reserva ético-moral de valores a serem protegidos) dessas políticas precisa urgentemente ser sofisticado para dar vazão à desafiadora empreitada de redução da desigualdade que nos espera como condição - não única, mas certamente central - para a superação do atraso.
Diogo R. Coutinho é professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador acadêmico da Sociedade Brasileira de Direito Público (SBDP)

Sistema de cotas nas universidades

Valor Econômico - Legislação & Tributos - 03.04.08 - E1
Vestibulandos questionam reserva de vagas na Justiça
Luiza de Carvalho,
de São Paulo
As disputas judiciais em torno do sistema de cotas - que reserva vagas nas universidades a alunos provenientes do ensino público e afrodescendentes - podem ser influenciadas pelo julgamento da ação direta de inconstitucionalidade (Adin) da Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen) que questiona no Supremo Tribunal Federal (STF) o Programa Universidade para Todos (Prouni). Isto porque, embora as ações envolvendo o sistema de cotas refiram-se aos vestibulares, e a Adin do Prouni às bolsas concedidas aos alunos das universidades privadas, ambas abordam a legalidade dos critérios utilizados nas ações afirmativas. Além da ação contra o Prouni, outra Adin ajuizada pela Confenem contra o sistema de cotas nas universidades do Rio de Janeiro aguarda julgamento no Supremo.
Atualmente, 47 das 257 universidades públicas brasileiras adotam o sistema de cotas. O percentual de vagas reservadas varia bastante, já que cada universidade estabelece seu próprio sistema, valendo-se da autonomia universitária. Desde 2003, quando foi adotado, o sistema é alvo de contestações na Justiça, geralmente por alunos não-cotistas que não conseguiram ingressar na faculdade. O caso mais recente é o da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs): neste ano, doze alunos que contestaram as cotas conseguiram se matricular por meio de liminares obtidas no Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região. Nos tribunais e nas varas federais do país, as decisões variam, pois não há jurisprudência sobre o tema.
A questão chegou ao Supremo por meio da Adin movida pela Confenem contra a lei estadual que estabeleceu o regime de cotas na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Só no primeiro vestibular, a UERJ respondeu na Justiça a mais de 200 mandados de segurança. Para o advogado Renato Ferreira, coordenador do Laboratório de Políticas Públicas da UERJ, os argumentos utilizados no voto do ministro Carlos Britto na Adin referente ao Prouni podem ser adotados pelo Judiciário para defender o sistema de cotas nas universidades, pois dizem respeito à manutenção do princípio de igualdade e da autonomia universitária. "O voto sinaliza uma pacificação judicial das cotas", diz Ferreira.
Mas, para o advogado João Geraldo Piquet Carneiro, que defende a Confenem no caso, o julgamento da Adin do Prouni não influenciará no caso, pois não discute a questão do mérito acadêmico, presente na Adin da Confenem. Para Piquet Carneiro, o sistema de cotas seria inconstitucional porque privilegia apenas uma parcela da população carente. "O programa bolsa-família, por exemplo, não faz distinção racial", diz.

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Eis o veículo (Motorella) que tenho utilizado para andar na ciclovia da Lagoa e ir ao trabalho sem suar