sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Nova regulamentação do consórcio de bens

Valor Econômico - Legislação & Tributos - 30.10.08 - E2
A regulamentação do sistema de consórcio e a alienação fiduciária
Melhim Namem Chalhub
O sistema de consórcio para a aquisição de bens acaba de ser regulamentado pela Lei nº 11.795, de 8 de outubro deste ano, que o define como "a reunião de pessoas naturais e jurídicas em grupo, com prazo de duração e número de cotas previamente determinados, promovida por administradora de consórcio, com a finalidade de propiciar a seus integrantes, de forma isonômica, a aquisição de bens ou serviços, por meio de autofinanciamento."

Trata-se de um instrumento que, ao longo de quase meio século, consolidou-se em nosso país como um importante catalisador do desenvolvimento econômico e social, e que há muito reclamava um regime jurídico próprio, com uma clara definição da operação e dos direitos e obrigações das partes envolvidas, entre outros aspectos.
Com efeito, até o advento da Lei nº 11.795, o consórcio era regulamentado por atos normativos infralegais que não tratavam da matéria de maneira sistematizada, dando margem a uma certa insegurança jurídica decorrente de interpretações distorcidas, que eventualmente até violavam o princípio da função social do contrato em decisões judiciais que privilegiavam o interesse do indivíduo em detrimento do grupo. A Lei nº 11.795 vem suprir essa lacuna, dispondo sobre a estrutura geral da operação e seus elementos fundamentais, delimitando os direitos e obrigações do consorciado, do grupo e da empresa administradora e tratando das demais especificidades desse negócio peculiar.
A administradora não é a titular do negócio, mas apenas uma prestadora dos serviços relacionados à consecução da função do consórcio - e, nesse sentido, a nova lei deixa claro que a administradora atua "na defesa dos direitos e interesses coletivamente considerados." O negócio é estruturado sob a forma mutualista e, assim, sua função econômica se realiza no limite das forças do grupo. O interesse coletivo, portanto, tem prioridade em relação ao do indivíduo, como explicita o parágrafo 2º do artigo 3º da lei, que estabelece que "o interesse do grupo de consórcio prevalece sobre o interesse individual do consorciado".
Ao priorizar o interesse coletivo, a nova lei corrige uma grave distorção do procedimento de execução da garantia, contida na Lei nº 9.514, de 1997, que regulamenta o contrato de alienação fiduciária de bens imóveis. É que, como se sabe, a forma contratual adotada nas operações de consórcio é a do mútuo com garantia fiduciária. Nessa espécie de contrato, o não-pagamento da dívida enseja a venda do imóvel em leilão, visando a obtenção dos recursos necessários à satisfação do crédito. Sucede que o parágrafo 5º do artigo 27 da Lei nº 9.514 isenta o devedor do pagamento de um eventual saldo residual caso não se obtenha, com a venda do imóvel, quantia suficiente para pagamento integral da dívida; por esse dispositivo legal, o credor é obrigado a absorver o prejuízo.
A regra, sem dúvida, põe em risco o equilíbrio do contrato e, sobretudo no caso dos consórcios, caracterizaria violação do princípio da função social do contrato. Ora, se o valor de revenda do imóvel não cobrir o do crédito e, mesmo assim, o grupo for obrigado a dar quitação ao consorciado inadimplente, este obteria uma vantagem injustificável, em detrimento da comunidade que compõe o grupo, pois o prejuízo teria que ser suportado por todos os demais consorciados.
A nova lei corrige essa distorção no âmbito da operação de consórcio, ao dispor que o consorciado é responsável pelo pagamento integral do valor da sua participação, devendo pagar inclusive o saldo residual apurado após o leilão caso o imóvel seja revendido por valor inferior ao da dívida. De acordo com o parágrafo 6º do artigo 14 da Lei nº 11.795, "o oferecedor de garantia por meio de alienação fiduciária de imóvel ficará responsável pelo pagamento integral das obrigações pecuniárias estabelecidas no contrato de participação em grupo de consórcio, por adesão, inclusive da parte que remanescer após a execução dessa garantia".
Essa questão já foi antes levantada - a de que o perdão da dívida não deveria ser aplicado a operações de financiamento de finalidade empresarial e de consórcio, só podendo ser admitido para algumas situações socialmente justificáveis, como, por exemplo, os financiamentos habitacionais de cunho assistencial, idéia que chegou a ser aproveitada no Projeto de Lei nº 1.070, de 2007, da Câmara dos Deputados. A regra da Lei nº 11.795 adota a idéia, mas resolve o problema apenas em parte, pois é restritiva e aplica-se somente à operação de consórcio. É, entretanto, um exemplo que deveria ser seguido pelo legislador, pois a aplicação generalizada do perdão da dívida - como previsto nos parágrafos 5º e 6º do artigo 27 da Lei nº 9.514 - representa um grave risco de crédito e pode inibir o financiamento de outras atividades produtivas.
Melhim Namem Chalhub é advogado, professor e autor dos livros "Negócio Fiduciário e Da Incorporação Imobiliária", pela Editora Renovar, e "Direitos Reais", pela Editora Forense

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Operações de hedge cambial diante da crise econômica

Valor Econômico – EU & Investimentos – 28.10.08 – D3

Operações de hedge cambial: proteção ou especulação?
Roberta Nioac Prado, Doutora em Direito Empresarial pela USP e professora da Escola de Direito da FGV

A utilização do hedge como proteção cambial é prática corriqueira por parte de companhias expostas a variações do câmbio, em geral importadoras e exportadoras. Podemos dizer que assumir posições em derivativos é uma forma diligente de a empresa se defender, no futuro, quando do pagamento de contratos indexados em dólar, de oscilações cambiais bruscas que podem vir a comprometer a sua liquidez e seu fluxo de caixa.

O fato é que, via de regra, a assunção dessas posições deve estar em consonância com a real necessidade de proteção e limitação de risco da companhia. Ou seja, resultados positivos ou negativos oriundos dessas operações devem ser compensados por variações de receita, investimentos, custo ou de dívidas em dólares, assumidos pela empresa em posições financeiras "na direção oposta".

Nos casos atualmente divulgados pela mídia, o que pode ser complicado para a administração justificar é uma posição financeira especuladora e extremamente alavancada em derivativos.

Como levantou recentemente um analista de mercado, referindo-se a uma empresa atualmente sob o escrutínio da mídia e dos investidores: Qual afinal é a sua atividade, seu o objeto social? A sociedade é operadora de frigorífico ou de tesouraria?

Faz parte das atribuições da administração gerir o caixa da sociedade. E a política de investimento, inclusive do caixa, também é de competência da administração. Em um sistema de boa governança esta política deveria, em princípio, ser diligentemente discutida no conselho de administração, ou em comitês específicos do conselho e, depois de aprovada, implementada pela diretoria, no caso, pelo diretor financeiro, e com ampla transparência ao mercado.

Se a política de investimento de caixa é mais conservadora ou mais arrojada e mais alavancada, isso faz parte do "layout" da empresa, da maneira como ela se mostra ao mercado. Digamos assim, faz parte do seu "jeitão". Mas, sempre, ao menos duas questões devem ser observadas: 1ª) diligência dos administradores na assunção de risco, sempre considerando o objeto social da empresa e; 2ª) a transparência da operação.

A diligência é um dever legal do administrador, seja ele do conselho de administração ou da diretoria, previsto no artigo 153 da Lei das Sociedades por Ações. É um "padrão de comportamento", o "duty of care" americano. Implica em que as tomadas de decisão sejam feitas de maneira fundamentada e transparente.

Não pode o administrador agir de forma abusiva ou negligente, por exemplo, assumindo riscos financeiros além da capacidade da empresa, riscos que possam comprometer seriamente o seu fluxo de caixa e liquidez.

A dificuldade maior é como mensurar esse risco. Até porque a obrigação do administrador é uma obrigação de "meio" e não de "fim", de resultado. Ou seja, se ele age diligentemente e o resultado é desastroso por fatos alheios a sua capacidade de prever o futuro, paciência...

Em relação à abertura da informação cabe ressaltar que a política empreendida deve sempre ser clara, o mais transparente possível, tanto para o investidor, quanto para o mercado em geral. Aí, no melhor dos mundos, cada um escolhe livre e conscientemente onde quer investir.

Assim, sendo tais premissas verdadeiras, devemos, antes de afirmar se há ou não responsabilidade pessoal por parte dos administradores envolvidos nessas operações, com fulcro no artigo 158 e 159 da Lei das S.A., averiguar três pontos em cada situação específica:

1º) Faltou diligência, prudência, por parte dos administradores ao assumir tais posições em derivativos? 2º) Faltou adequada divulgação da operação ao mercado? Se a empresa não divulgou a operação, porque não o fez? Ou a divulgou de forma obscura e o mercado não entendeu? E, finalmente; 3º) faltou controle interno? Faltou governança? Ou seja, quem discutiu a operação? Como foi aprovado o investimento? Com base em quais critérios?

Pode ocorrer também, em outro sentido, que se apure que as administrações foram diligentes, deram transparência mas, ainda que tacitamente, o próprio mercado lhes deu aval. Até porque essas operações com derivativos, alavancadas ou não, vinham historicamente proporcionando ganhos expressivos para as companhias, criando uma onda de "apostar no dólar fraco". E o fato é que, quando tudo está indo bem, e a companhia está obtendo ganhos financeiros, ninguém costuma reclamar. Mas, ao surgir qualquer problema, e especialmente da dimensão histórica que o mercado financeiro enfrenta atualmente, tudo muda de figura.

Não há como, até onde eu conheça, e tampouco me parece viável, criar normas cogentes e taxativas de "quanto uma empresa pode assumir de risco". Isso faz parte da política da administração de cada companhia, da política que os gestores querem imprimir na empresa que gerem.

Em termos regulatórios, recentemente, em 17 de outubro, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou a Deliberação 550, dispondo sobre a apresentação de informações acerca de instrumentos derivativos em notas explicativas às informações trimestrais (ITR).

Na verdade, essa Deliberação apenas esmiúça, traz mais detalhadamente, o que já era previsto na Instrução CVM 235/95. Assim, diz a Deliberação, que as companhias devem informar qualitativa e quantitativamente todos os instrumentos financeiros derivativos que possui. Sendo que tal informação deve ser feita em linguagem clara, concisa, objetiva, e de forma completa e consistente.

Adiante, a Deliberação sugere uma "forma" e um exemplo de como as companhias abertas devem apresentar tais informações (anexos I e II): 1º) identificando os riscos dos instrumentos financeiros derivativos; 2º) estimando o impacto desses riscos no fluxo de caixa da companhia; 3º) definindo três cenários: provável (o esperado), possível (menos positivo), e de estresse. Além de informar os respectivos impactos desses três cenários na liquidez da companhia. Com isso, a CVM reafirma a necessidade de deixar o mais claro possível qual a política de investimento da empresa, o risco assumido, o objetivo e a estratégia da operação.

Não podemos afirmar se essa providência vai solucionar 100% problemas futuros. A CVM, ao que parece, está discutindo a possibilidade de tornar tais disposições obrigatórias, e não simples recomendações.

Na verdade, não acho que a obrigatoriedade em grande parte dos casos seja a forma ideal de evitar desastres. Como se sabe, o substancial da governança corporativa é de adesão voluntária. Até porque é consenso que regras cogentes, taxativas, em forma jurídica crua, muitas vezes não retratam a essência econômica de operações de mercado. Por isso se diz que em termos de governança, não basta divulgar, tem que querer divulgar.

A governança deve ser fundamentalmente um compromisso voluntário assumido pela companhia que enxerga na adoção dessas regras vantagens na avaliação de suas ações, e menor custo de captação de recursos. Governança é um processo de confiança, sem fim: é bom que comece e que nunca termine. Sendo assim, ajustes serão sempre necessários. Mesmo porque, confiança não se cria por decreto, ela é uma construção contínua que decorre de reiteradas atitudes.

Palestra do Min. Fux no Instituto ETCO sobre "Segurança Jurídica e Desenvolvimento Econômico"

Jornal do Commercio – Direito & Justiça – 23.10.08 – B-9

Um passo de dança
Luiz Fux
Ministro do Superior Tribunal de Justiça
Rudolf jhering; jus-filósofo de todas as gerações legou-nos uma das mais lúcidas e perene Iição: o fim do direito e a paz; o meio de obtê-la é a luta.O ser humano persegue a paz em todos os campos de sua vivência. A paz jurídica é auferida com a "segurança dos direitos" na percuciente visão de Karl Larenz, numa de suas pérolas Iiterárias encontradiças na memorável obra "Metodologia da Ciência do Direito". A Constituição Cidadã de 1988 preconiza como ideário da nação a "segurança jurídica", cláusula pétrea e fundamento do Estado Democrático de Direito. É que ausente a segurança, a paz e a estabilidade social sofrem severo abalo.A segurança, por seu turno, contrapõe-se ao novo, à mudança, fenômeno que no mundo jurídico denota significativa perplexidade. A escola do direito natural, de essência multidisciplinar e humanizada, assistiu a sua derrocada para o positivismo racionalista, exatamente por ter prometido o impossível; vale dizer: o "direito imutável e eterno".O universo humano justifica a ansiedade quanto à mudança, porquanto o novo significa a perda do passado.Essa contradição se exacerba quando se põe em xeque a "segurança jurídica e o desenvolvimento econômico".Os economistas queixam-se da orgia legiferante e das oscilações jurisprudenciais, cuja crítica encontra eco no próprio número de emendas a uma Constituição tão recente sob o prisma histórico-comparativo, mercê da notória variação dos julgados.A realidade é que as mudanças são conseqüências de um novo mundo líquido a que se referia Bauman, no qual as idéias não se fundam mais na verdade sedimentada pelo tempo, mas antes na velocidade com que surgem e se assentam ao sabor da experimentação.O novel instrumental jurídico é farto no saciar essa expectativa. Unindo o ontem e o hoje, a ciência do direito ostenta, no seu receituário de segurança, a imutabilidade dos julgamentos depois de esgotados todos os recursos cabíveis contra determinada decisão, a irretroatividade das leis, a prescrição e a decadência, as novéis técnicas da homogeneização da jurisprudência para casos iguais e a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade das leis, tornando o direito algo previsível a conjurar o receio de Locke acerca do impacto das modificações legais sobre a propriedade e o desmerecimento da autoridade das leis e das instituições.Os operadores do direito, notadamente os aplicadores nos quais deságuam todas as aberrações e misérias humanas, indagam: e a economia? O que tem de seguro para no oferecer?Guardadas as dificuldades de entendimento do "economês", as alterações fáticas e perceptíveis com a crise atual não encontram uma explicação razoável.Eric Hobsbaum denominou o século XX como breve e extremado, posto englobar duas grandes guerras, assistir a queda do muro de Berlim, o malogro do comunismo e o surgimento de uma nova navegação, que dos mares passou à tela dos computadores interligados à internet.O início do novel século XXI parece rescaldo da era passada; o povo assombrado assiste ressurgir a destruição do que Karl Max denominou de "a segurança do egoísmo burguês".O confronto entre economia e segurança jurídica não revela vencedores. Ambos os segmentos são vencidos em parte, até porque, caminham hodiernamente inseparáveis: a justiça econômica e a economia normativa, na percuciente visão de John Rawls.Essa crise vulcânica nos conduz à percepção metafórica de Fergusson: o fogo aparece no cume dos vulcões, mas nasce no centro da terra. A raiz desse tormentoso momento por que passa todo o mundo reside numa crise de confiança. O mundo jurídico pós-positivista; e portanto atual, proclama que é direito fundamental do cidadão a informação, na qual se funda a confiança e dela decorre a segurança.O princípio da "confiança legítima" oriundo do direito público germânico, protege o cidadão contra manobras abruptas do Estado em quaisquer de suas funções soberanas, conferindo-lhes proteção jurídica no desequilíbrio experimentado em seu patrimônio moral ou econômico, observado o interesse público e o princípio da razoabilidade, equilibrando a balança representativa do valor "justiça".É inegável que faltou informação, rompeu-se a confiança legítima no mundo globalizado. De toda sorte, o "mundo caiu"; o soerguimento sob o pálio da segurança é imperioso. Como fazê-lo?A melhor resposta provém da sensibilidade dos homens das letras, com o foi Fernando Sabino:"É preciso ter a certeza de que se está sempre começando; a certeza de que é preciso continuar e a certeza de que seremos interrompidos antes de terminar; o que importa é fazer da interrupção um caminho novo, fazer da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sonho uma ponte e da procura um encontro".
* Trecho da palestra proferida no Instituto ETCO sobre "Segurança Jurídica e Desenvolvimento Econômico"

Minoritários do BB na Justiça contra o pacote da crise

Jornal do Commercio – Economia – 24, 25 e 26.10.08 – A-3
Acionistas do BB podem ir à Justiça
Bianca Pinto LimaDa agência estado
A União Nacional dos Acionistas Minoritários do Banco do Brasil (Unamibb) poderá recorrer à Justiça e ao Ministério Público para impedir que o BB adquira participações ou o controle de instituições financeiras privadas, caso isso implique prejuízo para os acionistas. A Medida Provisória 443 publicada na última quarta-feira autoriza o BB e a Caixa Econômica Federal a realizarem tais operações sem processo de licitação.A vice-presidente da Unamibb, Isa Musa, classificou a MP de rolo compressor: "Uma ordem que virá do alto, obrigando os bancos públicos a engolirem sapos e prejuízos". Isa ressalta que os acionistas estão apreensivos com as conseqüências da MP e alerta que as ações do banco poderão despencar na Bolsa.Segundo Isa, seria incompreensível o BB comprar instituições com possíveis dívidas e títulos podres tendo apresentado um lucro menor que o dos maiores bancos privados brasileiros em 2007. A vice-presidente ressalta, porém, que a associação vai aguardar uma ação concreta por parte do banco para questionar a MP na Justiça. "O que não pode é o Banco do Brasil servir de instrumento do governo", afirma.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Riscos do ativismo judicial nas políticas públicas

Valor Econômico - Legislação & Tributos - 27.10.08 - E2

Direitos sociais e o ativismo judicial
Diogo R. Coutinho e Octávio Luiz Motta Ferraz

A constitucionalização de direitos sociais foi sem dúvida uma vitória da democracia. No Brasil, é razoável supor que direitos sociais previstos diretamente na constituição - como direito à saúde, educação, moradia, entre outros - são mais robustos e provavelmente mais eficazes que direitos enunciados em normas infraconstitucionais.

É óbvio, porém, que a mera constitucionalização desses direitos não é suficiente. Nesses 20 anos de constituição houve sem dúvida avanços sociais importantes, como a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), a redução da mortalidade infantil, o aumento do acesso à educação e da alfabetização da população. Mas apesar desses avanços -- e da recente euforia com o crescimento da classe média e a pequena redução das desigualdades - é fato que continuamos sendo um dos países mais desiguais do mundo e estamos longe de poder ostentar os indicadores sociais que nosso porte e potencial econômico nos facultariam.
Nesse contexto, não é surpreendente constatar que o Judiciário vem exercendo um papel ativo na implementação de certos direitos sociais no Brasil, ordenando ao Estado, por exemplo, o fornecimento de medicamentos e procedimentos médicos não disponíveis no SUS e a garantia de acesso a vagas em escolas e creches superlotadas. Ora, se trata-se de direitos constitucionais, dizem os defensores do ativismo judicial, é função do Judiciário interferir para garantir o seu cumprimento sempre que o Executivo e o Legislativo deixarem de cumprir suas obrigações. O contrário, ou seja, uma atitude passiva de nossos juízes, poderia equivaler a uma verdadeira abdicação de sua principal missão constitucional.
A atraente simplicidade desse argumento é, no entanto, enganosa. Ele nos impede de enxergar e discutir com a devida profundidade as dificuldades e problemas que a judicialização das políticas públicas sociais necessariamente implica. Deve-se lembrar, em primeiro lugar, que o Judiciário tem características estruturais e institucionais que restringem significativamente sua capacidade de promover mudanças sociais abrangentes. É difícil de imaginar, por exemplo, a criação e implementação de uma política pública da magnitude do SUS, do Bolsa Família ou do Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS), por ordem judicial. Programas dessa dimensão requerem complexas medidas legislativas e administrativas que dependem, em última instância, da combinação de vontade política e expertise técnica para as quais o Judiciário não é capacitado, vocacionado ou legitimado. Além disso, medidas desta abrangência dependem diretamente da arrecadação e alocação de volumes significativos de recursos. Novamente aqui o Judiciário não tem expertise ou legitimidade para ordenar e administrar tais tarefas.
Nesse contexto, o papel de um Judiciário ativo no campo dos direitos sociais fica necessariamente restrito a medidas pontuais, nas margens do sistema, como a concessão de um medicamento aqui, uma vaga em creche ali etc.
Mas o risco da interferência judicial nas políticas públicas sociais não é a mera inocuidade. Há também a possibilidade real de se modificar, para pior, programas que, embora imperfeitos, foram pensados e implementados por especialistas. Pior que isso, como as demandas que chegam ao Judiciário são na sua grande maioria individuais, o ativismo judicial pode causar um efeito ainda mais perverso: sem conseguir medir impactos distributivos de suas decisões, juízes voluntaristas e bem-intencionados podem estar privilegiando aqueles que, por terem recursos para pagar um advogado, "furam a fila" das políticas públicas universais geridas pelo Executivo. Exemplo claro disso vem ocorrendo diariamente na área da saúde.
Não estamos sustentando, queremos deixar claro, que juízes não possam (e devam) exercer algum tipo de controle sobre essas políticas públicas. Mas a pressuposição deve ser a de que o legislador e o administrador público são, em princípio, mais legitimados e capacitados para pensá-las e articulá-las. Partimos da premissa de que o controle judicial de políticas públicas é, em regra, insuficiente para provocar mudanças sociais amplas e, quando mal calibrado, pode causar mais danos que benefícios na busca da realização do princípio constitucional da Justiça social.
Diante desse quadro, a revisão judicial de políticas públicas sociais deve limitar-se a um controle de procedimentos e de razoabilidade na definição de prioridades distributivas, bem como dos meios para pô-las em prática. Mesmo dentro desse âmbito mais restrito, o Judiciário pode exercer um papel importante e mais efetivo, a exemplo do que vem ocorrendo em outros países como na África do Sul e na Inglaterra. O Judiciário está bem posicionado institucionalmente para exigir do administrador, por exemplo, transparência e racionalidade na alocação de recursos para as áreas sociais. Pode fiscalizar ainda a efetividade da participação popular nesse processo, garantindo o real funcionamento dos diversos mecanismos do chamado controle social, como os conselhos de saúde e educação. Em casos em que não houver política pública alguma - situações de pura omissão pelo Legislativo, por exemplo - aí sim os juízes devem esforçar-se mais assertivamente para romper a inércia do legislador, procurando dar sentido aos direitos previstos na constituição.
Quando nos conscientizamos desses importantes limites da atuação judicial podemos então enxergar e enfatizar outras formas de controle que um regime democrático oferece e que, por motivos políticos e históricos, não funcionam como deveriam no Brasil. É essencial, por exemplo, que haja pressão efetiva da população sobre os poderes políticos para que destinem recursos suficientes do orçamento às políticas sociais. É preciso ainda que a população mais carente participe desde a concepção destas políticas até a fase de implementação, quando são definidos, muitas vezes por meio de "escolhas trágicas", seus ganhadores e perdedores, para que não continue sendo preterida em favor da classe média cujo poder de barganha é maior.
Nesse contexto, um dos papéis mais importantes que o direito pode desempenhar no desenvolvimento do país é o de construir e articular instituições, dividindo claramente responsabilidades entre atores públicos e privados, desenhando arranjos coerentes para assegurar que objetivos se convertam em ações e que não haja sobreposições, lacunas ou rivalidades contraproducentes que obstruam a eficácia das políticas públicas. O ativismo judicial na área dos direitos sociais, ainda que bem-intencionado, não contribui para esse objetivo.
Diogo R. Coutinho e Octávio Luiz Motta Ferraz são, respectivamente, professores de direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade de Warwick, no Reino Unido

Dicas de negociação

Valor Econômico - EU & Carreira - 27.10.08 - D8

Um negociador de sucesso é aquele que pensa no outroPor Luiza Dalmazo,
de São Paulo

Ser um hábil negociador é uma competência fundamental para quem atua no mundo dos negócios, especialmente nesse momento de crise. É preciso, mais do que em outras situações, saber lidar com credores, funcionários, clientes e acionistas, todos com emoções alteradas. "É uma situação atípica da negociação, por conta dessa ansiedade incomum", afirma Maria del Pilar Galeote Muñoz, sub-diretora do Centro de Negociação e mediação do IE Business School.Jefferson Dias / ValorPara Maria del Pilar Galeote Muñoz, do IE, nesse momento crítico é preciso pensar em negociação de interesses, aquela em que as duas partes saem ganhandoNesse momento crítico é preciso pensar em negociação de interesses, aquela em que as duas partes saem ganhando. "Nós chamamos de negociação de convencimento, que na verdade se escreve 'com-vencimento', uma forma que mostra o ganho de ambos", afirma a executiva que esteve no Brasil para fazendo palestras para ex-alunos do IE, na Fundação Getúlio Vargas, parceira do instituto, entre outros encontros.O conceito ganha-ganha foi criado na Harvard Business School, segundo Max H. Bazerman, professor de negociação da escola de negócios. Ele desmistifica a idéia de que "o que é bom para mim é ruim para o outro".Em tempos de negócios e crises globais, além de preocupar-se com itens tradicionais de negociação, hoje é preciso avaliar o tema sob o aspecto internacional. Isso, entretanto, não significa aprender os estereótipos de cada povo. Na opinião de Pilar, a principal dica para quem lida com transações com outros países é estudar as características gerais de cada cultura - principalmente separando as orientais, nórdicas e latinas -, para garantir que será um bom anfitrião. É preciso respeitar eventuais diferenças e entender as peculiaridades.Segundo Pilar, no Brasil o processo para fechar uma companhia é tão longo, que garante aos negociadores tempo suficiente para discutirem e chegarem a um acordo com os credores. É diferente do que acontece na Espanha, que entre a comunicação de falência e o fechamento dos negócios passam-se apenas seis meses. "Até mesmo os sindicalistas são adeptos da negociação de interesses, ao contrário do que se imagina, que eles impõe suas vontades e ponto final", diz.Ela lembra que se você num negócio tentar tirar muita vantagem sobre o lado oposto, há um grande risco de essa pessoa perceber a sua jogada e nunca mais concordar em sentar em uma mesa para negociar com você. Ou também há uma chance dela não cumprir o contrato. Isso é uma perda grande e um preço alto demais para se pagar em acordos. Por isso, a principal dica da professora de negociação é descobrir os principais interesses da outra parte. Antes de se sentar efetivamente para conversar, vale pesquisar a vida da pessoa, seus possíveis interesses. Ouvir atentamente a outra parte na hora de negociar também é bem importante. O próximo passo é estudar todas as implicações de cada uma das possibilidades no acordo, segundo ela. "Cerca de 75% do crédito pelo êxito de uma negociação se deve à preparação, que inclui a busca por informações e o estabelecimento da estratégica e da tática que serão aplicadas", estima.Outro item fundamental é a comunicação. Se a pessoa não conseguir expor as idéias com eficiência, a preparação pode não valer nada. "E faz parte da comunicação começar a conversa de um jeito leve, sem ir direto ao ponto crítico", destaca. Ao contrário do que se imagina, restaurantes não são os locais mais indicados para se marcar e fazer negociações. Como isso é muito comum no Brasil, Pilar diz que não é preciso se recusar a ir. Mas nunca feche o negócio nesse ambiente. "Existem pessoas muito boas em tratar de sutilezas em momentos de aparente descontração, como o da sobremesa e o mais distraído pode ser afetado", afirma. Se não tiver jeito, procure um restaurante que freqüente, que se sinta a vontade, conheça o cardápio e a localização do banheiro - isso ajuda a manter a tranqüilidade.Apesar de ser um tema que possui teoria para aprendizado, a habilidade de negociar é algo que se pratica em atividades rotineiras e que se aprende também com relatos de quem está vivenciando processos. A disciplina, que surgiu em Camp David, acordo de paz que deu origem ao tratado de paz entre Israel e Egito, é algo que hoje faz parte de todos os cursos do IE. "É um tema novo mas que começou a ficar forte nos cursos há 10 anos", diz. A diferença entre o que se ensina de bom e ruim, segundo Pilar, são os chamados truques. "Eles não funcionam, isso está fora das aulas sérias".Bazerman, o professor de Harvard, lista pequenas dicas - não truques - para que você se saia melhor em negociações, especialmente as mais tensas geradas pela crise: construa um ambiente de confiança e troque informações; pergunte de um jeito que você também não se importaria de responder; esconda algumas informações; faça diferentes ofertas simultaneamente, pois pelo menos você vai descobrir o que é mais importante para o outro. Por fim, ele sugere que você faça concessões, para garantir o sucesso de um acordo. "Mas nunca faça todas de uma vez". Segundo ele, as pessoas tendem a valorizar mais se você as fizer em parcelas.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Ação contra concuso para a magistraura fluminense

Valor Econômico – Legislação & Tributos – 21.10.08 – E1

O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) uma ação pela qual pretende anular parte do concurso para juiz do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ). Segundo o MP, o concurso está comprometido por irregularidades. Uma delas seria a divulgação de orientações de respostas das provas objetivas. O Ministério Público apresenta uma estatística pela qual 20% dos aprovados no concurso seriam parentes de magistrados do tribunal.

Juros sobre capital próprio em S.A.

Valor Econômico – Legislação & Tributos – 21.10.08 – E1
Os juros sobre o capital próprio em 2008
Renato Reis Batiston

Criado em 1995, o mecanismo dos juros sobre o capital próprio é um instrumento de remuneração dos sócios atrelado ao capital investido na sociedade. Em linhas gerais, equipara esse ao financiador externo, permitindo que a sociedade lhe remunere não só com a distribuição de dividendos como também com o pagamento de juros, em contrapartida pelo custo de oportunidade dos recursos nela mantidos. Dado o tratamento tributário que recebe - despesa financeira dedutível na apuração do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) com base no lucro real - as sociedades lucrativas tendem a utilizá-lo em substituição ou complemento aos dividendos (que não são despesas).


O mecanismo dos juros sobre o capital próprio é determinado com a aplicação da TJLP sobre o patrimônio líquido (com alguns ajustes) da sociedade pagadora. E, para poder ser deduzido como despesa na apuração dos tributos sobre o lucro, deve ser inferior, desde a sua deliberação até o encerramento do exercício fiscal, a pelo menos um dos seguintes limites: 1) 50% do lucro líquido do exercício antes de sua própria dedução; ou 2) 50% dos lucros acumulados e reserva de lucros. Apesar de existirem algumas dúvidas e controvérsias sobre determinados critérios para a sua dedução fiscal, o cálculo se mostra relativamente simples e seguro.

Todavia, em 2008, o pagamento de juros sobre o capital próprio pode gerar surpresas adversas, dada a migração para os padrões contábeis internacionais, conforme preconizado pela Lei nº 11.638, de 2007, cujos efeitos ainda estão sendo assimilados pela maioria dos interessados - contadores, auditores, advogados, analistas etc. - e poderão afetar significativamente o lucro líquido do período ou o saldo de lucros acumulados (itens 1 e 2 acima). Ainda que muitas das novas normas possam vir a ser adotadas apenas em 2009, é certo que algumas delas já produzirão efeitos em 2008 - como os testes de recuperabilidade dos ativos, ou "impairment", regulado pelo Pronunciamento nº 1 do Comitê de Pronunciamentos Contábeis, órgão responsável por regulamentar a adoção dos padrões internacionais.

Em princípio, os ajustes decorrentes da aplicação de tais normas afetarão o lucro líquido contábil da sociedade e, conseqüentemente, o limite para dedução fiscal de juros sobre o capital próprio baseado nele (item 1 acima). Desse modo, caso o lucro líquido seja ajustado para menos e os juros sobre o capital próprio tenham sido pagos com base no maior valor possível de dedução fiscal, a sociedade poderá vir a ser surpreendida e ter de desconsiderar o excesso na apuração dos tributos sobre o lucro.

Por outro lado, conforme as disposições dos padrões internacionais de demonstrações financeiras contidas no International Financial Reporting Standards (IFRS) nº 1, que versa sobre os ajustes a serem observados pelas sociedades ao migrarem para os padrões internacionais, é possível que seja determinada a adoção de balanço de abertura em 1º de janeiro de 2008 e a realização dos ajustes de transição contra a conta de lucros acumulados, ou, se apropriado, em outras contas do patrimônio líquido. Nessa hipótese, os ajustes poderão reduzir os lucros acumulados e, conseqüentemente, o limite para dedução fiscal baseado nele (item 2 acima), fato que poderá fazer com que as despesas com juros sobre o capital próprio se tornem superiores às que poderiam ser deduzidas, provocando a obrigação de adicionar o excesso ao lucro tributável. Em razão disso, dificilmente algum dos limites para dedução de juros sobre o capital próprio não será modificado, senão ambos, salvo se a Receita Federal do Brasil emitir normas que evitem tais efeitos.

Nesse sentido, importa alertar que se tem discutido muito sobre a neutralidade fiscal das mudanças impostas pela Lei nº 11.638. Pautados nos parágrafos 2º e 7º do artigo 177 da Lei nº 6.404, de 1976, modificado pela Lei nº 11.638, há quem defenda a neutralidade total, enquanto outros entendem que, por ora, é possível sustentar apenas uma neutralidade parcial, pois para que seja total, deverão ser emitidas normas complementares de caráter fiscal, aptas a manter os efeitos fiscais decorrentes, exclusivamente, da contabilidade - neste sentido, considerando que a regra contábil foi alterada e não há lei específica determinando que certos eventos tenham tratamento fiscal diverso do contábil, há que ser emitida uma norma prevendo, para fins tributários, a manutenção do antigo critério contábil.

A despeito dessa discussão e, ainda que venham a ser emitidas as normas que garantam tal neutralidade fiscal, cumpre ressaltar que os efeitos indiretos decorrentes das alterações promovidas pela Lei nº 11.638 podem não ser neutralizados. A alteração dos limites de dedução fiscal de juros sobre o capital próprio (itens 1 e 2 acima) é um exemplo desses efeitos. Outro exemplo é o reconhecimento dos efeitos contábeis levados a cabo por investidas avaliadas por equivalência patrimonial, que poderão ter seu custo afetado em razão dos novos critérios contábeis, fato que poderá modificar o eventual ganho de capital sobre sua alienação ou liquidação.

Vale dizer que, em ambos os caso, os ajustes de natureza fiscal - adições e exclusões ao lucro líquido para determinação do lucro tributável -, já não eram considerados antes da Lei nº 11.638, sendo razoável considerar que assim continue sendo. Ou seja, não é de se esperar que, para fins fiscais, o lucro líquido e/ou saldo de lucros acumulados e o resultado de equivalência patrimonial sejam, de alguma forma, ajustados para expurgar os efeitos da Lei nº 11638 na determinação dos limites de dedução de juros sobre o capital próprio ou do custo de investimentos.

Diante desse cenário de incertezas, um procedimento conservador seria aguardar um posicionamento do Comitê de Pronunciamentos Contábeis e da Receita Federal do Brasil sobre os efeitos contábeis e fiscais de tais ajustes. Como alternativa, a realização de um pré-estudo dos impactos da adoção dos padrões internacionais ou a deliberação de juros sobre o capital próprio em valor inferior ao limite para sua dedução fiscal podem ajudar a mitigar tal risco.

Finalmente, caso tais normas e esclarecimentos não venham até o fim de 2008, pode-se avaliar a deliberação e respectiva dedução fiscal dos juros sobre o capital próprio de 2008 em 2009, prática que, apesar de ser contestada pelo fisco, vem sendo autorizada pelo Conselho de Contribuintes, confirme os acórdãos de número 107-08941 e 101-96751.

Renato Reis Batiston é advogado, contador e associado do escritório Souza, Cescon Avedissian, Barrieu e Flesch Advogados

Importância do hábito de leitura para a carreira

Valor Econômico – EU & Carreira – 20.10.08 – D10
O hábito da leitura agrega um novo valor à carreira
Renato Bernhoeft20/10/2008

Recentemente um dos participantes de um popular programa de televisão declarou, orgulhosamente, que "nunca tinha lido um livro na vida". Com certeza ele perdeu uma bela oportunidade de ficar calado. Especialmente pela negativa influência que uma afirmativa como esta pode ter sobre os mais jovens. Além de representar também o desconhecimento sobre a importância da leitura na vida e carreira de todo profissional que deseja crescer num mundo- e mercado- cada vez mais competitivo.

E o tema amplia sua relevância se considerarmos as últimas pesquisas sobre os índices de leitura do brasileiro, que são muito baixos. Entre estudantes ele não ultrapassa os 1,7 livro/ano, ao se considerar, exclusivamente, a leitura por iniciativa própria. Este índice apenas aumenta um pouco quando são levados em conta os livros didáticos, obrigatórios.

Na população adulta os índices são de que as mulheres atingem 2,4 livros por ano e os homens 1,1, no mesmo período. Estes dados constam de um estudo feito pelo Instituto Pró-Livro, intitulado Retratos da Leitura no Brasil.

Num recente evento internacional para avaliação de leitura os estudantes brasileiros atingiram os mais baixos índices de compreensão e interpretação de textos. A mesma pesquisa concluiu que a dedicação do tempo livre coloca a leitura em quinto lugar, depois de assistir TV; ouvir música; sair com amigos; e descansar. Nesta ordem de prioridades.

Historicamente é sabido que a educação para o hábito da leitura ocorre na família. Segundo a pesquisa, a figura materna representa 62% desta influência, seguida pelo professor e o pai, muito distante.

Para efeitos desta nossa reflexão sobre o tema o que importa é constatar o quanto a leitura pode contribuir no desenvolvimento de uma carreira profissional mais rica e bem sucedida.

Os programas de orientação de carreiras destacam alguns pontos e condutas importantes, como capacidade de falar em público, vestir-se bem, ser educado no trato, causar uma boa impressão, ter clareza dos seus objetivos e aspirações, etc. Mas muito pouco é mencionado sobre a capacidade de desenvolver idéias e ter um raciocínio interpretativo.

Aparência e verbalização jamais serão suficientes se carecerem de conteúdo. E para isto torna-se necessário ampliar os níveis de compreensão e interpretação. Algo que é possível conseguir com um hábito regular de leitura. E não apenas no conhecimento de manuais técnicos ou a leitura de interesse profissional. Jornais, revistas, literatura em geral e outros veículos devem fazer parte das alternativas.

Uma pessoa que tem o hábito de ler apresenta um vocabulário mais rico e amplo. Formula idéias e propostas com mais conteúdo e desenvoltura. Felizmente tem aumentado as campanhas e ações que incentivam o hábito da leitura. A distribuição de jornais e tablóides nas esquinas das grandes cidades. Eventos, feiras e palestras de escritores têm sido mais constantes, além de atrair cada vez um público maior e mais diversificado.

Também campanhas para baratear o livro e criação de bibliotecas. Mas os grandes responsáveis continuarão sendo as famílias. Não apenas exigindo ou incentivando. Mas, acima de tudo, dando o exemplo. E isto necessita ocorrer em todas as classes. Escolas, empresas, bibliotecas, bancas de jornal, terminais de transporte público, etc. são centros de irradiação deste interesse.

E, por último, é o interesse de cada um em criar um processo de auto-desenvolvimento que inclua a leitura como um compromisso que contém também uma dose de prazer. Tome esta iniciativa ao final desta leitura e já sentirá a diferença. Com certeza.

Renato Bernhoeft é presidente da Bernhoeft Consultoria

Sociedades de garantia de crédito

Valor Econômico – Especial Micro e Pequenas Empresas – 20.10.08 - F1

Garantias de crédito
Por Domingos Zaparolli e Françoise Terzian, para o Valor,
de Salvador

Cansados de ver seus planos de negócios minguarem por falta de crédito bancário, empresários da região de Caxias do Sul (RS), com o apoio do Sebrae, uniram-se em busca de uma solução. O problema comum a eles, e à maioria dos micro e pequenos empresários brasileiros, era a falta de garantias a serem oferecidas aos agentes financeiros. A resposta ao problema foi encontrada na Itália, onde são comuns os Confidi (Consorzi Garanzia Collectiva Fidi), aqui chamados de Sociedades de Garantia de Crédito (SGC), sistema no qual os pequenos empresários consorciam-se para formar um fundo garantidor com recursos líquidos. Depois de conhecerem o modelo, os donos de pequenas firmas em 34 municípios da Serra Gaúcha formaram um fundo que já viabilizou empréstimos de R$ 10,5 milhões. E o melhor, a um custo inferior à média de mercado.

Agora, o Sebrae, que ajudou a formatar a sociedade garantidora gaúcha, quer reproduzir esse modelo de negócios pelo Brasil. "A organização de um sistema nacional de garantia de crédito é indispensável à ampliação contínua do crédito às micro e pequenas empresas", afirma Carlos Alberto dos Santos, diretor de administração e finanças do Sebrae Nacional.

Para disseminar esse tema, o Sebrae e o Banco Central do Brasil promoveram, na semana passada, uma ampla discussão em torno das SGC. Cerca de 250 pessoas de 19 países debateram sobre as experiências internacionais, os desafios das SGC e seus próximos passos, durante o II Fórum Brasileiro de Sistemas de Garantias de Crédito e o XIII Fórum Ibero-Americano de Sistemas de Garantia e Financiamento para as Micro e Pequenas Empresas, ocorridos dos dias 15 a 17, em Salvador (BA). "Garantia é um bem escasso que afeta principalmente as micro e pequenas empresas. As SGC são a saída para superar esse problema, principalmente com a crise financeira anunciada", afirma Pablo Pombo, secretário-técnico da Rede Ibero-Americana de Garantias (Regar).

Para viabilizar a SGC no país, a instituição fez uma Chamada Pública em março, oferecendo-se para apoiar financeiramente a sua constituição. No total, o Sebrae irá disponibilizar R$ 30 milhões. Alberto dos Santos informa que metade dos recursos será empenhada na oferta da assistência técnica necessária para a formação das associações empresariais e não são reembolsáveis.

Os demais R$ 15 milhões serão investidos na capitalização das sociedades e devem ser reembolsados em um prazo de cinco anos. O Sebrae também pretende atrair bancos de fomento, governos locais e grandes empresas, interessadas em fortalecer suas cadeias produtivas, como parceiros na empreitada.

A expectativa é a formação de 10 sociedades garantidoras, que contariam com um apoio inicial de R$ 3 milhões cada. Empresários da Bahia, de Minas Gerais, de Campos (RJ), Maringá (PR), e os franqueados dos Correios, reunidos na Abrapost (Associação Brasileira de Franquias Postais), já manifestaram ao Sebrae interesse em formar associações.

"O pequeno empresário não tem bens físicos para oferecer como garantia aos bancos. Por conta disso, não tem crédito. As sociedades garantidoras têm o potencial de mudar essa situação. O interesse dos empresários é muito grande", diz Dora Parente Costa, coordenadora da unidade de crédito do Sebrae-Bahia. A SGC da Bahia será multissetorial e atenderá empresas de Salvador e de cidades localizadas a até 120 km da capital. Os setores atendidos vão desde indústrias a supermercados e auto-escolas.

As SGC são instituições que complementam as garantias exigidas de seus associados nas operações de crédito contratadas com instituições financeiras. A função da sociedade não é conceder financiamentos, mas aproximar as empresas associadas dos agentes financeiros, por meio de complemento de garantias pessoais e da preparação da documentação necessária à obtenção do empréstimo. Essas sociedades devem ser integradas majoritariamente por micro e pequenos empreendimentos, conforme definição prevista na Lei Geral da Micro e Pequena Empresa, a Lei Complementar 123/60.

Alberto dos Santos considera as sociedades garantidoras uma evolução em relação ao sistema de garantia tradicional, representado pelos fundos de aval. Neste, o empresário paga uma taxa, uma espécie de seguro, para conseguir o crédito. Mas não tem seu risco mitigado, não gerando uma redução do custo do financiamento. Já os associados de uma sociedade garantidora têm interesse que a operação de crédito não resulte em inadimplência, o que representará um saque no fundo financeiro da sociedade, prejudicando a coletividade.

Para evitar essa situação, a sociedade faz uma análise prévia do plano de negócios que gerou a necessidade de crédito, detecta possíveis riscos na operação e oferece orientação ao empresário. Por outro lado, o empresário sente-se constrangido em não honrar seus compromissos assumidos, uma vez que é a reputação dele que está em jogo diante de sua comunidade. "Este conjunto de situações reduz significativamente o risco de inadimplência, gerando melhores condições de negociação com os bancos", diz o executivo.

A iniciativa de disseminação das SGC chega num momento oportuno. Após uma expansão contínua do crédito no Brasil, ocorrida nos últimos anos, a crise financeira internacional provocou uma visível redução na oferta de recursos. E o pior: as garantias tendem a virar artigo de luxo. Uma pesquisa com 26 instituições financeiras feita pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) em setembro, antes do auge da crise internacional, já apontava uma redução das expectativas de crescimento do crédito bancário no país. Segundo o levantamento, a evolução das carteiras de crédito em 2008 sobre 2007 deverá ficar em 23,94% e não mais nos 24,97% previstos anteriormente. Para 2009, a evolução deve restringir-se a 19,33%.

O enxugamento do crédito também está no horizonte do diretor do Departamento de Normas do Banco Central, Amaro Gomes, para quem as pequenas empresas tendem a sofrer mais, proporcionalmente. No entanto, ele lembra que o momento atual não deve ser encarado só com pessimismo. "A crise é a oportunidade de aperfeiçoar o sistema financeiro e criar mecanismos de alocação de recursos para pequenas empresas, como as sociedades garantidoras", diz Gomes.

A consolidação das sociedades garantidoras ainda depende da regulamentação do Conselho Monetário Nacional, do Sistema Nacional de Garantias de Crédito (SNGC), que elevará as sociedades à condição de instituição financeira sob fiscalização do Banco Central. Essa supervisão feita pelo governo é comum nos países europeus adeptos das SGC, por dar mais credibilidade ao sistema e torná-lo mais atrativo às grandes empresas, instituições financeiras e aos governos interessados em apoiar a iniciativa. "Com a crise, a regulamentação deverá ganhar rapidez, uma vez que as sociedades são um fator de sustentação do fluxo de recursos para um segmento que certamente será afetado pelo aumento de aversão ao risco", diz Gomes.

O movimento das SGC teve início no começo do século 20, na França. Hoje, as sociedades são amplamente difundidas em países como Espanha, Japão, Itália, Alemanha, Argentina e Chile. Na Itália, por exemplo, cerca de um milhão de empreendimentos estão associados aos Confidi, o que representa 25% das micro e pequenas empresas italianas. Hoje, existem aproximadamente mil consórcios desse tipo no país, responsáveis pelas garantias de 12% das operações financeiras italianas. Os Confidi garantem até 80% do crédito concedido pelos bancos.

Já na Espanha, as Sociedades de Garantia Recíproca (SGR) contam 23 entidades ativas, que agrupam 75 mil sócios. Embora ainda representem apenas 2,6% do total de créditos concedidos às micro e pequenas empresas ( 3,3 bilhões de euros , contra 128,15 bilhões de euros no sistema financeiro espanhol), as atividades da SGR encontram-se em rápida expansão.

Visão contemporânea da família

Jornal do Commercio - Direito & Justiça - 21.10.08 - B-7
Família - uma visão contemporânea (de inclusão)
Lauro SchuchAdvogado
Na trajetória da humanidade, o século XX foi sem dúvida a era das grandes transformações, reformulando sensivelmente todo sistema de regulação social, exigindo ajustes dos conceitos e princípios que sustentavam todo arcabouço jurídico em que o Direito se fundava.Neste cenário de desconstrução e mudanças, sem a dúvida a família experimentou intensas variáveis, embora, em sua essência, foi e continuará sendo o núcleo básico e fundamental de estruturação humana.A família patriarcal, hierarquizada e núcleo de reprodução, perdeu sua expressão de relevo no cenário jurídico. A essência da família já não é mais o seu objeto ou seus fins clássicos e ultrapassados, mas sim os elementos que a integram, qualquer que seja sua forma de constituição. O ser assume destaque, elevando a pessoa ao centro da cena jurídica, não sendo mais possível pensar em Direito de Família sem pensar em dignidade, igualdade, inclusão e cidadania. Consequentemente, impróprio falar em ilegitimidade de famílias ou filhos na perspectiva de exclusão ou classificação pejorativa, merecendo todos integral proteção do Estado, como estampa o art.226 da Constituição.Sob o signo da inclusão, as mulheres deixaram de ser submetidas ao pai ou ao marido para tornarem-se sujeitos da própria vida, desmoronando princípios como a indissolubilidade do casamento e a virgindade como selo de qualidade. Casamento, sexo e procriação tornaram-se elementos desatrelados do Direito de Família, pois o casamento já não é indissolúvel e nem legitimação do sexo, que aliás,com o desenvolvimento da engenharia genética, já nem é mais a condição da reprodução.Os novos valores que inspiram a sociedade contemporânea rompem definitivamente com aquele conceito tradicional da família casamentária e solenizada . A concepção jurídica da sociedade moderna gera um modelo familiar descentralizado, democrático e igualitário, fincando seu escopo precípuo na solidariedade social e demais condições essenciais ao aperfeiçoamento e progresso humano, regido o núcleo familiar pelo afeto como mola propulsora e referência primária de sua solidez.Ao colocar em xeque a estruturação familiar formal, a contemporaneidade permitiu compreender a família como uma organização subjetiva fundamental para a construção individual da felicidade. E, nesse passo, forçoso admitir que além da família fundada no casamento, outros arranjos familiares cumprem a função que a sociedade pós-moderna destinou à família: entidade de transmissão da cultura e formação da pessoa humana digna.Com os novos parâmetros trazidos pela Constituição de 88, a família do novo milênio - ancorada na segurança constitucional - é igualitária ( arts. 3º e 5º), democrática e plural, livre de preconceitos e distinções privilegiantes, protegido todo e qualquer modelo de vivência afetiva forjado nos laços de solidariedade . O art. 226 da CF refere-se à família como um modelo aberto, atribuindo a ela, na sua mais variada configuração, especial proteção do Estado como base da sociedade. Trata-se de uma regra geral de inclusão, pois que não há distinção ou limitação de qualquer modelo familiar, diferentemente do que ocorria nas constituições anteriores, segundo as quais a família legitimamente protegida era aquela constituída pelo casamento.A CF estabelece em seu preâmbulo que o Estado Democrático de Direito por ela formatado se destina a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, o bem estar, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade pluralista, solidária e sem preconceitos. Fica claro, portanto, que a interpretação de todo texto constitucional deve ser orientada pelos princípios da liberdade e igualdade, e despida de qualquer preconceito, porque tem como pano de fundo o macro-princípio da dignidade da pessoa humana, ditado pelo art. 1º, inc. III como princípio fundamental da República.Sob esta nova inspiração jurídica, as uniões estáveis são elevadas ao status de entidade familiar, e filhos havidos fora do casamento já não são mais discriminados nem tratados como ilegítimos ou bastardos.Afora tais avanços, a pauta das transformações do cenário familiar traz a discussão sobre a inclusão das relações homo-afetivas no campo do Direito de Família, a merecer também reconhecimento legal e proteção do Estado.Para tanto, desnecessária a criação de um texto de lei específico que assim disponha, havendo vários em tramitação no Congresso Nacional, figurando o tema mais na superação de preconceitos do que nas discussões sobre sua natureza jurídica.As uniões homo-afetivas, embora não referidas expressamente no texto Constitucional, apresentam, na sua gênese, aqueles mesmos valores que informam o conceito de família, pois que fundadas no afeto, na solidariedade entre seus membros e no compartilhamento de projetos de vida, divididas as alegrias e tristezas do cotidiano.De tal modo, em conta a não taxatividade de um padrão de família face o modelo aberto estampado pelo já citado art. 226 da Carta da República, considerados os princípios basilares constitucionais da dignidade humana, art 1º, inciso IIIº; da igualdade substancial anotada nos arts. 3º e 5º, da não discriminação, inclusive por opção sexual (art. 5º) e do pluralismo familiar - art. 226, bastaria aplicar a tais arranjos o que já existe nos textos de leis vigentes relativamente às uniões estáveis.O TSE já reconheceu as uniões homo-afetivas como Entidades Familiares para pronunciar a inelegibilidade de candidata com base no art. 14, p.7º da CF, como consta do Rec. nº 24.564-PA, relatado pelo ministro Gilmar Mendes.Na mesma linha, a Lei Maria da Penha (nº 11.340/06) assim também reconhece, ao aludir a possibilidade de violência familiar contra a mulher praticada por outra mulher. Portanto, não faltam leis, restando apenas aplicá-las, vencido o preconceito que considera a opção de sexualidade um desvio de caráter ou uma ameaça social.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Responsabilidade civil das indústrias de tabaco

Responsabilidade civil da indústria do tabaco
Fernando Dantas M. Neustein20/10/2008
Há muita desinformação acerca do panorama jurisprudencial das ações de responsabilidade civil contra os fabricantes de cigarro no Brasil e no mundo. Embora os fabricantes prevaleçam consistentemente nesses litígios há décadas, existe uma percepção generalizada em sentido oposto - provavelmente pela facilidade com a qual a informação irrefletida se propaga.


Muito se diz, por exemplo, das condenações sofridas pelas tabaqueiras nos Estados Unidos, mas pouco efetivamente se sabe a respeito. Desde 1954, já foram propostas mais de oito mil dessas ações perante o Judiciário americano. Passados mais de 50 anos, apenas onze decisões contrárias aos fabricantes transitaram em julgado - um número insignificante se comparado ao universo de demandas propostas.

Esse número, ademais, deve ser analisado no contexto do estranho sistema judicial americano, que autoriza um júri para julgamento de questões cíveis, não importando o quão complexos sejam os temas tratados na disputa. Em várias dessas ações nos Estados Unidos foi o júri popular, composto por cidadãos leigos, que decidiu quais as doenças que o consumo de cigarro causa. Desse modelo de jurisdição o Brasil felizmente está longe.

Nossa tradição jurídica foi herdada dos sistemas codificados europeus. Apesar disso, pouco se sabe desses litígios na Europa. Isso porque, na Europa, existe apenas uma decisão final contrária aos fabricantes de cigarro em ações desse tipo, contra dezenas de total insucesso. Isso se aplica à França, país que desempenhou um papel determinante no progresso das ciências humanas no Brasil e cujo código napoleônico sabidamente inspirou o desenvolvimento do direito civil brasileiro; à Alemanha, cuja contribuição à ciência do direito brasileiro é conhecida, e também à Finlândia e à Noruega, cujas leis de proteção ao consumidor são assaz semelhantes ao Código de Defesa do Consumidor brasileiro.

No Brasil, essas ações começaram a ser ajuizadas em 1995. Desde então, já foram propostas mais de 570 demandas. A tese é a de que o fumante desconhece os riscos do cigarro, começa a fumar compelido pela propaganda do produto e torna-se dependente, perdendo a autonomia da vontade e a capacidade de responder por seus atos.

Em 13 anos de litígio, o Poder Judiciário brasileiro decantou uma firme jurisprudência contrária a essas pretensões. Já foram proferidas mais de 500 decisões de improcedência, entre sentenças e acórdãos. Hoje vigem apenas 12 decisões contrárias aos fabricantes, todas sub judice. Uma parcela significativa dessas decisões foi proferida por duas câmaras do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), destoando da posição majoritária da própria corte acerca do tema.

Prevalece em juízo o entendimento de que o cigarro é um produto lícito de risco inerente, regulado à exaustão, cuja nocividade é conhecida pelos brasileiros desde tempos imemoriais. Não, há, portanto, defeito no cigarro, senão assunção voluntária de um risco conhecido pelo fumante. Quanto à propaganda, os tribunais confirmam o que dizem os estudiosos: as pessoas começam a fumar pela influência de amigos e parentes, e não pela publicidade, voltada, sobretudo, a manter o consumidor fiel a uma marca ou estimulá-lo a trocar de marca.

Apesar disso, seguindo um conhecido movimento pendular, uma nova onda antitabagista parece ensaiar-se no Brasil, agora ancorada no discurso de que o cigarro é um produto defeituoso por ser perigoso à saúde. O foco é o produto e seu risco inerente, e não o consumidor e seu conhecimento desse risco. Para todos os efeitos, o consumidor é retratado como vítima. Diante dessa nova onda, convém reforçar premissas a serem consideradas quando do debate jurídico sobre um produto tão controvertido como o cigarro, capaz que é de despertar as mais diferentes paixões.

A primeira delas é que o Estado de direito tem compromisso irrevogável com a lógica e a razão. O Estado brasileiro autoriza, regulamenta, fomenta e tributa a produção e comercialização do cigarro. Mais do que isso: o faz absolutamente ciente dos riscos do produto. Debates parlamentares travados no século XIX revelam que a sobretaxação do cigarro se devia aos já então conhecidos malefícios do fumo. Se o Estado autoriza o comércio de um produto de risco inerente, não faz sentido que ele mesmo responsabilize o fabricante pela conhecida nocividade do produto.

A segunda delas é que o discurso jurídico não se pode deixar contaminar pela ideologia antitabagista. Ser contra o cigarro é um direito de qualquer um. Pretender, contudo, que essa visão seja levada em conta para a solução de ações de responsabilidade civil implica em reduzir o direito à disciplina de um jogo de preferências pessoais. Em juízo, não se trata de ser contra ou a favor ao cigarro, mas sim de verificar se a ação tem fundamento legal. A questão é objetiva, e não subjetiva.

A alegação de que os malefícios do cigarro justificam a condenação do fabricante é sintomática dessa confusão, pela simples razão de que a lei não considera a nocividade de um produto um requisito suficiente para o dever de indenizar. Portanto, o destinatário do discurso dessa nova onda antitabagista é o Poder Legislativo, a quem cabe decidir pela manutenção da licitude do cigarro; e não o Poder Judiciário, cuja função é a de julgar conforme a lei.

Nova matéria sobre partipação de sócio estrangeiro em limitada

Valor Econômico – Legislação & Tributos – 20.10.08 – E1


Juízes entendem que estrangeiras sócias de limitadas são irregulares
Zínia Baeta, de São Paulo20/10/2008
No início deste ano a Justiça paulista negou a uma empresa o requerimento de falência de um credor por ela ser sócia estrangeira de uma sociedade limitada no país. A 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo entendeu que, por ser cotista de uma limitada e funcionar sem a autorização do Poder Executivo, a empresa seria irregular e, portanto, não teria o direito de pedir a falência de um credor. Em uma outra situação, a Justiça do trabalho da capital paulista autorizou que os sócios de uma sociedade limitada respondessem com seus bens pelos débitos trabalhistas da empresa. A sociedade também foi considerada irregular por possuir sócios estrangeiros e atuar sem a autorização do Executivo. As decisões citadas, ainda que de primeira instância e raras na jurisprudência, ilustram os debates que começam a surgir no Poder Judiciário sobre o funcionamento das sociedades estrangeiras no Brasil.


A discussão sobre a questão surgiu com o novo Código Civil em 2002 e está hoje dividida em duas correntes doutrinárias: uma entende ser necessária a autorização do Poder Executivo para a participação de estrangeiros em limitadas - apesar dos entraves práticos - e que sociedades estrangeiras só poderiam participar de sociedades anônimas no país. A outra corrente defende não existir qualquer empecilho legal para a participação das estrangeiras em empresas limitadas. A questão é no mínimo polêmica, já que o número de empresas atingidas pela discussão é imenso.

O advogado Armando Rovai, professor da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie e ex-presidente da Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp), defende a necessidade de autorização do Poder Executivo para o funcionamento de sociedades nessas circunstâncias. Segundo ele, a lei veda a participação do estrangeiro nas limitadas sem esse consentimento. Para o professor, o artigo 1.134 do novo Código Civil é claro ao estabelecer essa necessidade. O dispositivo diz que "a sociedade estrangeira, qualquer que seja o objeto, não pode, sem autorização do Poder Executivo, funcionar no país, ainda que por estabelecimentos subordinados, podendo todavia ser acionista de sociedade anônima brasileira".

O juiz titular da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, Alexandre Alvez Lazzarini, levou em consideração esse artigo do Código Civil para negar o requerimento de falência realizado por uma sociedade estrangeira em relação a um credor no Brasil. O magistrado entendeu tratar-se de uma empresa irregular - e, sendo assim, não poderia postular a falência de outra empresa. Lazzarini entende que uma empresa limitada, para ter em seus quadros um sócio estrangeiro, precisa obter a autorização do Executivo para funcionar. Em caso contrário, como afirma, estará sujeita às conseqüências de sua irregularidade. O que, na prática, significa não estar apta a pedir a falência de credores, participar do quadro de credores de uma recuperação judicial ou mesmo pedir a própria recuperação judicial. No entanto, segundo o magistrado, essa mesma empresa poderá figurar como ré em um processo de falência. Para ele, essas circunstâncias poderão ter efeitos também no direito de família, principalmente em relação aos planejamentos sucessórios que costumam utilizar off shores nessas operações.

A juíza do trabalho, Thereza Cristina Nahas, titular da 61ª Vara do Trabalho de São Paulo, defende esse mesmo ponto de vista e o tem aplicado em algumas de suas decisões. Segundo ela, o artigo 1.134 do novo Código Civil é mais um fundamento para aplicar-se a responsabilidade direta do sócio e do administrador pelos débitos trabalhistas da empresa. Nessa situação, eles respondem com seus bens pela dívida.

"Essas decisões judiciais são preocupantes, pois quase toda estrangeira que chega ao país investe em limitadas por ser o procedimento mais simples e baratos", afirma a advogada Tânia Liberman, do escritório Koury, Lopes Advogados (KLA). A advogada entende que o artigo do novo Código Civil não veda essa participação. Para ela, a necessidade de autorização ocorreria apenas para a abertura de uma filial de uma empresa estrangeira no Brasil. Tânia também argumenta que a Constituição Federal proíbe a distinção entre empresas nacionais e estrangeiras. "Uma diferenciação entre empresas brasileiras e com capital estrangeiro seria inconstitucional", afirma a advogada Maria Lúcia de Almeida Prado e Silva, sócia do escritório Demarest e Almeida. A advogada lembra que o próprio Código Civil prevê que no contrato social das empresas deve constar a nacionalidade de seus sócios e o local de sua sede. Os advogados também lembram que o Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC), em 2003, atendendo a uma consulta da Junta Comercial do Estado do Maranhão, entendeu não existir qualquer óbice na participação de um sócio estrangeiro em uma empresa limitada.

Para o professor de direito comercial da graduação e pós-graduação da Faculdade de Direito do Mackenzie, Fabiano Del Masso, a exigência de aprovação, pelo Executivo, da participação de um sócio estrangeiro em uma limitada seria um procedimento que traria uma série de entraves às empresas. "Não é uma prática do Executivo e não há regras claras sobre isso", afirma. No entanto, o professor entende que as empresas constituídas nessa situação seriam irregulares. Para ele, a saída para essas empresas é buscar a autorização ou fazer a transformação da limitada em sociedade anônima - cujos custos e exigências são muito maiores. A advogada Tânia Liberman afirma que a abertura de uma filial de estrangeira no Brasil, por exemplo - que exige autorização do Executivo - é um procedimento que demora alguns anos. Se for aplicado às limitadas, o mesmo poderá ocorrer.

Chopp pode incluir colarinho

Valor Econômico – Legislação & Tributos – 16.10.08

Colarinho branco

Um restaurante de Blumenau, em Santa Catarina, que foi multado pelo Inmetro por servir chope com colarinho, conseguiu suspender a pena no Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região. Para os desembargadores da terceira turma da corte, "chope sem colarinho não é chope". A relatora do processo, Maria Lúcia Luz Leiria, considerou ainda que "o colarinho integra a própria bebida" e é o produto na forma de espuma, em função do processo de pressão a que é submetida. O Inmetro multou o restaurante porque a bebida servida pelo estabelecimento incluía a espuma no volume total do produto. Segundo o fiscal do instituto, apenas o líquido poderia ser cobrado, desconsiderando a quantidade de espuma. A empresa recorreu ao TRF contra a decisão de primeira instância que manteve a multa.

IR não incide sobre reparação do dano moral

Noticiário do STJ – 17.10.08
DECISÃO
STJ afasta a incidência de Imposto de Renda sobre a indenização por dano moral
A indenização por dano estritamente moral não é fato gerador do Imposto de Renda, pois se limita a recompor o patrimônio imaterial da vítima, atingido pelo ato ilícito praticado. O entendimento da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é o de que a negativa da incidência do Imposto de Renda não se dá por isenção, mas pelo falo de não ocorrer riqueza nova capaz de caracterizar acréscimo patrimonial. A questão foi definida em um recurso especial da Fazenda Nacional contra decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (RS), que, ao apreciar mandado de segurança, reconheceu o benefício fiscal à verba recebida, confirmando decisão da primeira instância. A ação foi apresentada pelo advogado gaúcho Elton Frederico Volker contra ato do delegado da Receita Federal em Porto Alegre, buscando afastar a incidência do Imposto de Renda sobre a verba indenizatória. O contribuinte recebeu R$ 6 mil de indenização do Estado do Rio Grande do Sul como ressarcimento por danos morais relativos a falhas administrativas que, dentre outros problemas, provocaram a expedição equivocada de ordem de prisão em seu nome. O fato que gerou a ação de indenização foi um assalto no qual levaram todos os documentos de Volker. Um mês depois, ele soube pelo noticiário que um assaltante de uma agência de turismo foi preso e identificado com o seu nome. Três anos depois, esse assaltante fugiu do presídio e foi expedida ordem de prisão no nome de Elton Frederico Volker. O advogado só teve conhecimento da confusão quando recebeu ordem de prisão ao tentar renovar a Carteira Nacional de Habilitação, prisão que só não ocorreu porque conseguiu provar todas as circunstâncias. No recurso ao STJ, A Fazenda Nacional argumentava que a indenização representa acréscimo patrimonial. Sustentava, ainda, ser impossível conceder isenção por falta de fundamento legal, uma vez que somente a lei poderia deferir a exclusão do crédito tributário. O relator do recurso no STJ, ministro Herman Benjamin, entendeu que a verba recebida a título de dano moral não acarreta acréscimo patrimonial e, por isso, não se sujeita à incidência do Imposto de Renda. Para o relator, “a indenização por dano estritamente moral não é fato gerador do Imposto de Renda, pois se limita a recompor o patrimônio imaterial da vítima, atingido pelo ato ilícito praticado. Ao negar a incidência do Imposto de Renda, não se reconhece a isenção, mas a ausência de riqueza nova - oriunda dos frutos do capital, do trabalho ou da combinação de ambos – capaz de caracterizar acréscimo patrimonial. A indenização por dano moral não aumenta o patrimônio do lesado, apenas o repõe, pela via da substituição monetária, in statu quo ante [no mesmo estado em que se encontrava antes]”. O ministro Herman Benjamin ressaltou que “a tributação da reparação do dano moral, nessas circunstâncias, reduziria a plena eficácia material do princípio da reparação integral, transformando o Erário simultaneamente em sócio do infrator e beneficiário da dor do contribuinte. Uma dupla aberração. Destaco que as considerações feitas no presente voto, referentes à incidência do IR sobre o dano moral, restringem-se às pessoas físicas enquanto possuidoras, por excelência, dos direitos da personalidade e das garantidas individuais, consagrados no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana”. Após voto-vista do Ministro Francisco Falcão, acompanhando integralmente o relator, a Seção, por maioria, vencido o ministro Teori Albino Zavascki, concluiu pelo afastamento da tributação pelo IR sobre a indenização por dano moral. O julgamento pacifica a questão nas duas turmas que integram a Primeira Seção, responsável pela apreciação das causas referentes a Direito Público. (Resp 963387).

Nova Súmula do STJ sobre dano moral

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aprovou a súmula 362, originada pelo projeto 775, relatado pelo ministro Fernando Gonçalves, com o seguinte teror: “A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento”.

domingo, 19 de outubro de 2008

20 Anos de Constituição e a Política Pública

Jornal do Commercio - Direito & Justiça - 17, 18 e 19.10.08 - B-7

20 Anos da Constituição e a política pública
São Paulo, 6 de outubro de 2008 - A Constituição Federal Brasileira comemora 20 anos em outubro deste ano. Promulgada após duas décadas de ditadura militar, a Constituição de 88 é considerada a mais democrática de todas as constituições brasileiras. Isso porque, pela primeira vez na história constitucional do Brasil, os direitos sociais foram expandidos e consagrados como direitos fundamentais.

Já no preâmbulo é previsto o objetivo da nova Constituição: “assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”.

Deste modo, é dever do Estado e direito de todos os cidadãos - em especial dos que precisam de maior amparo -, o acesso à saúde, educação, cultura, desporto, assistência social, entre outros direitos. Apesar da prestação dos serviços essenciais ter um caráter obrigatório para o Estado, não foi afastada a possibilidade de organizações privadas, com ou sem fins lucrativos, atuarem nessas áreas. Ao contrário, o legislador quis incentivar a participação principalmente de entidades sem fins lucrativos na prestação de serviços públicos, não apenas por meio de incentivos fiscais, como também pela possibilidade de o Poder Público realizar parcerias com essas organizações com vistas a fomentar suas atividades.

A Constituição Federal, em diversos de seus dispositivos, deixa claro o entendimento de que a formulação e execução de políticas públicas não é uma tarefa apenas de governos, mas deve incluir a participação da comunidade. Trata-se de um princípio recorrente em todos os capítulos da ordem social da Carta.

Vejamos, por exemplo, o que ocorre no campo da saúde, em que o texto constitucional insere a “participação da comunidade” como diretriz do Sistema Único de Saúde (art. 198, III), nele permitindo, expressamente, a participação das “entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos” (art. 199, § 1º); da assistência social, onde é assegurado o envolvimento de “entidades beneficentes e de assistência social” na coordenação e execução de programas (art. 204, I), sem falar na garantia de “participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis” (art. 204, II); ou da educação, em que parte dos recursos públicos pode ser dirigida a “escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas” (art. 213).

Diante disso, a criação de associações não apenas é incentivada, como constitui um direito. De fato, a liberdade de associação, prevista no artigo 5º, é um dos importantes direitos garantidos pela Constituição de 88 e significa que não apenas é plena a liberdade das pessoas associarem-se para fins lícitos, como também que é vedado ao Estado interferir no funcionamento das associações. Nesse sentido, qualquer interferência do Estado, direta ou indiretamente, será inconstitucional.

Contudo, a simples existência da Constituição Federal, no entanto, não é suficiente para assegurar que os direitos previstos sejam efetivamente respeitados. Para isso, é fundamental a participação de toda a população na formulação de políticas públicas e no controle das ações governamentais. É necessário que os direitos sejam exercidos, para que se alcance o objetivo da Carta Magna, que é proporcionar bem-estar e justiça social.

Afinal, não obstante todos os aperfeiçoamentos e os esforços despendidos na modernização, principalmente no Poder Judiciário, o verdadeiro acesso de grande parte dos cidadãos brasileiros aos seus direitos somente será concretizado por meio de políticas públicas que sejam implementadas com foco na superação da desigualdade e da exclusão social.

(Rubens Naves é sócio fundador do escritório Rubens Naves – Santos Jr. Hesketh Escritórios Associados de Advocacia. Professor licenciado da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade de São Paulo – PUC/SP, onde exerceu a chefia do Departamento de Teoria Geral do Direito – rn@ranves.com.br)

(Valéria Trezza é sócia do escritório Rubens Naves – Santos Jr. Hesketh Escritórios Associados de Advocacia – vmt@rnaves.com.br)

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Responsabilidade do administrador e Sadia

Valor Econômico – Eu & Investimentos – 16.10.08 – D4
Sadia fará assembléia pedida pela Previ
Por Graziella Valenti, de São Paulo
16/10/2008

A Sadia publicou ontem a convocação da assembléia solicitada pela Previ, fundo de pensão do Banco do Brasil. O encontro foi agendado para 3 de novembro. Trata-se, entre outras coisas, da votação sobre uma possível ação de responsabilidade civil contra os administradores da empresa em função do prejuízo de R$ 760 milhões com derivativos de dólar.
A fundação pediu a assembléia em carta encaminhada à empresa na quarta-feira da semana passada. A Previ é a principal integrante do bloco de controle da Perdigão, principal concorrente da Sadia.
O prazo legal da companhia para atender à solicitação da acionista, que tem 8,6% do capital total, venceria hoje. Após isso, a Previ poderia, ela própria, chamar a assembléia.
A assembléia, em função do pedido do fundo de pensão, colocará em votação: a apresentação, pela companhia, da política de aplicação de recursos da tesouraria e as avaliações de risco; o detalhamento de todas as operações expostas à variação cambial no balanço de 2007; a necessidade da contratação de uma auditoria especial para verificação dos contratos; e o ajuizamento de uma ação de responsabilidade civil contra os administradores e eventual pedido de ressarcimento dos prejuízos.
Além disso, a Previ também solicitou que a Sadia apresente um relatório a respeito de todas as operações com ações da companhia - em volume superior a 10 mil papéis ordinários ou preferenciais - ocorridas nos 30 dias anteriores ao fato relevante que anunciou as perdas ao mercado. A idéia, com isso, é verificar se houve vazamento das informações.
A Sadia ressalta, no edital da assembléia que a convocação do encontro - que atende à solicitação da Previ - "não significa que a administração da empresa endosse, neste momento, os pedidos formulados ou recomende a aprovação de qualquer matéria".
Na mesma assembléia que os temas para os quais o mercado todo quer resposta serão colocados em pauta, os acionistas também aprovarão a alteração do conselho de administração. Após o anúncio dos prejuízos, Walter Fontana Filho foi substituído por Luiz Fernando Furlan, conforme antecipou o Valor.
A Previ terá participação pequena na votação. A maior parte de sua fatia de 8,6% no negócio é em ações preferenciais. Os controladores da Sadia têm 77,5% das ordinárias, o que impossibilita os minoritários aprovarem os temas propostos pela fundação.


SADIA S.A.
CNPJ/MF: 20.730.099/0001-94
NIRE: 42300025747
Edital de Convocação
ASSEMBLÉIA GERAL EXTRAORDINÁRIA
Ficam os Senhores Acionistas da Sadia S.A. ("Companhia") convocados para se reunirem em Assembléia Geral Extraordinária no dia 03 de novembro de 2008, às 14:00 horas, na sede social da Companhia, localizada na Avenida Attílio Fontana, 86, CEP 89700-000, Concórdia, Santa Catarina, a fim de deliberarem sobre a seguinte ordem do dia:
I ¬ Matérias a serem objeto de deliberação por iniciativa da administração da
Companhia:
1. Tomar conhecimento da renúncia do Presidente e do Vice-Presidente do Conselho de
Administração e ratificar a indicação do novo Presidente do Conselho de Administração
realizada na forma do art. 150 da Lei no. 6.404/76:
II ¬ Matérias a serem objeto de deliberação tendo em vista solicitação de acionista
recebida em 8 de outubro fluente, na sede social da Companhia, e formulada com base no Parágrafo único do art. 123 da Lei no. 6.404/76:
1. "Apresentação da Política de Aplicação de Recursos de Tesouraria da Companhia e
esclarecimento dos mecanismos de controle associados a referida Política";
2. "Detalhamento de todas as operações financeiras atreladas à variação cambial realizadas após o último Balanço Patrimonial aprovado (31.12.2007), particularmente ouso de derivativos";
3. "Apresentação de um relatório de todas as operações com ações da Companhia em volume igual ou superior a 10.000 ações ON e/ou PN, registradas em seus livros e cursadas nos últimos 30 dias antes da divulgação do Fato Relevante";
4. "Exame da necessidade de contratação de Auditoria Especial para a verificação das
operações citadas";
5. "Deliberação sobre o ajuizamento da Ação de Responsabilidade prevista no art. 159 da Lei 6.404/76 e eventual pedido de ressarcimento de prejuízos"
A convocação da AGE objeto do item II supra, realizada na forma do dispositivo legal citado, não significa que a administração da Companhia endosse, neste momento, os pedidos formulados ou recomende a aprovação de qualquer matéria.
Na forma do Parágrafo 3º do art. 135 da Lei no. 6.404/76, acha-se à disposição dos acionistas na sede da Companhia e na página da CVM (www.cvm.gov.br) e da Bovespa (www.bovespa.com.br), o pedido de convocação formulado.
Concórdia, 16 de outubro de 2008
Luiz Fernando Furlan
Presidente do Conselho de Administração

Apenas cor não é objeto de proteção da propriedade industrial

Valor Econômico – Legislação & Tributos – 17, 18 e 19.10.08 – E1
Justiça decide que cor não pode ser registrada
Luiza de Carvalho, de São Paulo
17/10/2008

A Niely Cosméticos, uma das líderes do mercado brasileiro de coloração para cabelos, é parte de uma ação judicial pela qual se discute a violação de "trade dress" - conjunto-imagem - da embalagem de seus produtos da linha Cor & Ton. A Niely havia notificado extrajudicialmente a Skafe, outra empresa de menor porte do ramo, para que ela se abstivesse de comercializar produtos de uma linha denominada Innovare que, segundo a Niely, teriam um layout semelhantes ao da Cor & Ton, o que caracterizaria a prática de concorrência desleal. No entanto, a Justiça fluminense considerou, em uma ação declaratória ajuizada pela Skafe, que a semelhança se deve a uma tendência de mercado e garantiu a comercialização dos produtos.
A Niely pretendia ainda, pela notificação extrajudicial encaminhada à Skafe, que fossem recolhidos do mercado todos os produtos da linha da empresa parecidos com a Linha Cor & Ton. De acordo com o advogado Luis Fernando Matos Jr., do escritório Matos & Associados Advogados, que defende a Skafe, a empresa estava sendo prejudicada no mercado, pois a Niely estaria dificultando a comercialização dos produtos da linha Innovare ao divulgar a ameaça de busca e apreensão.
A 4ª Vara Cível de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, considerou que, de acordo com o artigo 124 da Lei nº 9279, de 1996 - a Lei de Propriedade Industrial-, as cores não são registráveis como a marca, salvo quando combinadas de modo peculiar e distintivo, e tampouco têm proteção os sinais de caráter genérico, comuns ou simplesmente descritivos. Procurada pelo Valor, a Niely preferiu não se manifestar sobre o assunto, por não ter sido notificada oficialmente da decisão judicial.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Dia do Mestre

Minha amiga, e também professora, Ana Paula Parga, enviou mensagem no Dia do Mestre com as seguintes frases:

Parabéns Professor!!
"Jamais considere seus estudos como uma obrigação, mas como uma oportunidade invejável para aprender a conhecer a influência libertadora da beleza do reino do espírito, para seu próprio prazer pessoal e para proveito da comunidade à qual seu futuro trabalho pertencer."(Einstein)
"É por retomar o antigo que se aprende o novo, e assim nos tornamos mestres"(Confúcio)
"A humildade é uma planta que está secando. Quando a virdes florescer novamente estará próximo o tempo da ressurreição da espiritualidade" ( Padre Pio)
"Não é possível refazer este país, democratizá-lo, humanizá-lo, torná-lo sério, com adolescentes
brincando de matar gente, ofendendo a vida, destruindo o sonho, inviabilizando o amor. Se a educação sozinha não transformar a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda."
( Paulo Freire )

"Brincar com crianças não é perder tempo, é ganhá-lo; se é triste ver meninos sem escola, mais triste ainda é vê-los sentados enfileirados em salas sem ar, com exercícios estéreis, sem valor para a formação do homem."
( Carlos Drummond de Andrade )

"Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende".
(Guimarães Rosa)

"O saber "entra" pelos sentidos e não somente pelo intelecto".
( Frei Betto )

"Educar é crescer. E crescer é viver. Educação é, assim, vida no sentido mais autêntico da palavra".
( Anísio Teixeira )

"Procure ser um homem de valor em vez de procurar ser um homem de sucesso".
( Albert Einstein )

" Pode-se resistir à invasão dos exércitos, não à invasão das idéias."(Victor Hugo)

TJ-RJ admite duplicata virtual

Direito civil. Duplicata virtual. Boleto bancário remetido ao devedor. Inexistência de negócio jurídico entre as partes que enseje a emissão de duplicata.
A lei admite a existência da duplicata virtual a qual não tem como pressuposto de existência a impressão do título em papel, bastando que haja seu lançamento contábil. A existência da duplicata virtual encontrase demonstrada pelas indicações constantes do boleto bancário, o que torna possível a declaração de sua nulidade. Reforma da sentença. Conhecimento e provimento do recurso.
Ap. Cív. 03117/2008 - Rel.: Des. Rogerio de Oliveira Souza - Apte.: Empresa Pantanal Distribuidora S/A - Apdo.: Dínamo Distribuidora de Petroleo S/A - J. em 26/02/2008 - 18ª CCív. - TJRJ.
ACÓRDÃO
VISTOS, relatados e discutidos estes autos da Apelação nº 2008.001.03117 em que é apelante EMPRESA PANTANAL DISTRIBUIDORA S/A e apelado DINAMO DISTRIBUIDORA DE PETROLEO S/A.
ACORDAM os Desembargadores da 18ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade, em CONHECER O RECURSO e DAR-LHE PROVIMENTO, na forma do voto do Desembargador Relator.
O recurso deve ser conhecido, vez que tempestivo, adequado e devidamente preparado.
Assiste razão ao recorrente.
Trata-se de ação com pedido de anulação de duplicata, fundada na inexistência de negócio subjacente entre as partes, julgada improcedente sob o fundamento que o boleto bancário de fl.10 não pode ser considerado título de crédito, por falta de previsão legal (CPC, art. 585).
Inicialmente, afasta-se a alegação que houve julgamento «extra petita», porquanto a fundamentação não faz coisa julgada.
Também deve ser esclarecido inicialmente, que a cláusula primeira do Contrato de Compra e Venda de Ações de Capital e outros Pactos jamais poderia embasar a emissão de uma duplicata, seja mercantil ou por prestação de serviço.
Isto porque, da referida cláusula não se extrai qualquer crédito originado de compra e venda mercantil, tampouco consubstancia crédito de prestação de serviço.
No máximo, caberia ao apelado a propositura de uma ação visando a cobrança judicial dos valores porventura desembolsados, e que seriam objeto de prova.
Feito tal esclarecimento, passa-se à análise dos fatos descritos na inicial.
É sabido que no direito pátrio admite-se a existência da duplicata virtual, que dispensa o registro em papel do crédito concedido, bastando ao empresário realizá-lo através de seu microcomputador. A cártula é dispensável.
Também não há qualquer novidade no fato do sacador poder transmitir tais dados eletronicamente ao banco, a fim de que os mesmos se convertam em documentos de cobrança. Caso a obrigação não seja cumprida no seu vencimento, os mesmos dados também serão transmitidos ao cartório de protesto, que lavrará o protesto por indicação.
Sobre o tema, escreveu Fábio Ulhoa Coelho, no seu Curso de Direito Comercial, pp. 460/461, 7ª ed., Saraiva, São Paulo, 2003).
«Com a desmaterialização do título de crédito, tornaram-se as indicações a forma mais comum de protesto. A duplicata, hoje em dia, não é documentada em meio papel, o registro dos elementos que a caracterizam é feito exclusivamente em meio magnético e assim são enviados ao banco, para fins de desconto, caução ou cobrança. O banco, por sua vez, expede um papel, denominado ‘guia de compensação ’, que permite ao sacado honrar a obrigação em qualquer agência, de qualquer instituição no país. Se não ocorrer o pagamento, atendendo às instruções do sacador, o próprio banco remete, ainda em meio magnético, ao cartório, as indicações para o protesto (nas comarcas mais bem aparelhadas). Com base nessas informações, operar-se a expedição da intimação do devedor. Se não for realizado pagamento no prazo, emite-se o instrumento de protesto por indicações, em meio papel. De posse desse documento, e do comprovante de entrega das mercadorias, o credor poderá executar o devedor. Ou seja, a duplicata em suporte papel é plenamente dispensável, para a documentação, circulação e cobrança do crédito, no direito brasileiro, em virtude exatamente do protesto por indicações.» (GRIFO NOSSO)
Desse modo, o boleto bancário tornou-se o documento, no qual são informadas as características do título emitido unilateralmente pelo sacador.
É fato que o mesmo não se confunde com o título a ser protestado, mas também é certo que o apelante jamais poderia exibir em Juízo uma duplicata virtual.
Dessa impossibilidade, no entanto, não se pode inferir a inexistência da duplicata, porquanto sua impressão em papel é dispensável, conforme já abordado.
Ao revés, a existência do título, ainda que virtual, é comprovada pelas indicações constantes no documento de fl.10.
Ainda que o apelante tenha se referido ao boleto como se o mesmo fosse o próprio título, seu pedido é de nulidade da duplicata emitida em 17/10/2006, sob o nº 13449801, a fim de evitar um futuro protesto.
Sendo a duplicata virtual um título emitido com as características apresentadas no documento de fl.10, a declaração de sua nulidade é plenamente admissível, mormente quando seria possível o seu protesto, por indicação, materializado pelo próprio boleto, consoante faculta o art. 13, § 1º da Lei 5.474/68, em desfavor do apelante.
Ademais, considerando que a tese defensiva do apelado é da inexistência do título, caberia a este, na forma do art. 333, II do Código de Processo Civil, comprová-lo através da inexistência do respectivo lançamento contábil, ou ainda, através da comprovação que o envio das informações ao Banco Bradesco e que geraram a guia de fls. 10, representavam simples cobrança bancária.
Assim, ante a inexistência de negócio subjacente entre as partes, ensejador de emissão de duplicatas, deve ser reconhecida a nulidade do título de crédito dado à cobrança bancária indevidamente.
Diante do exposto, voto no sentido de conhecer o recurso e darlhe provimento para declarar a nulidade da duplicata descrita na inicial, invertido o ônus da sucumbência.
Rio de Janeiro, 26 de fevereiro de 2008.
Rogerio de Oliveira Souza Desembargador Relator

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Dispensa de colaborador

Valor Econômico - Eu & Careira - 13.10.08 - D8
A hora certa de demitir quem não tem um bom desempenho
Aloizio Alves de Aguiar
A demissão é a decisão mais drástica que o líder pode tomar. Todo processo de recrutamento, seleção, treinamento e desenvolvimento é jogado no lixo. Um velho e querido amigo e chefe costumava dizer que qualquer imbecil é capaz de demitir, mas que um dos mais importantes trabalhos da gerência é recuperar e desenvolver pessoas. Contudo, existem limites. Que limites são esses? Não há padrões estabelecidos nem regras. Depende de cada situação. Depende, principalmente, do colaborador. E depende do líder saber ler nas entrelinhas e ajustar seu comportamento.
Entretanto, a administração do ato de demitir é de fundamental importância. Em primeiro lugar, a demissão somente deve ocorrer depois que todos os passos para recuperar o colaborador tenham sido dados. Em segundo lugar, a demissão deve ser limpa, clara e justa. Todavia, devemos admitir: há ocasiões em que a demissão imediata é a mais adequada, dentre elas, destacam-se o desempenho insatisfatório e a má conduta.
O desempenho (satisfatório ou não) inclui variáveis profissionais e emocionais que interagem entre si, criando um produto final bom ou ruim. É o que chamamos, na linguagem da liderança situacional, de prontidão, isto é, "o grau de habilidade (conhecimento, experiência, aptidão) e a disposição (confiança, comprometimento, motivação) demonstrados em aceitar, desempenhar e dominar uma tarefa, função ou trabalho em um nível aceitável e sustentável."
Para cada tarefa, devemos fazer a mesma pergunta: o colaborador está pronto? Tem conhecimento, experiência, destreza? Está motivado, comprometido, empenhado? Em que grau? As respostas serão as mais variadas, gerando níveis de desigualdades no mesmo indivíduo e entre indivíduos em comparação com outros. Mas, um fantasma se interpõe entre o líder e seus liderados, que diz que devemos tratar todo mundo igualmente, não importando a situação. A liderança situacional esclarece que pessoas desiguais devem sim ser tratadas de formas diferentes. É o surgimento de um novo paradigma de liderança que ajudar as pessoas a superarem suas dificuldades.
No caso da demissão, algumas condições são fundamentais para garantir sua clareza e eqüidade. Uma delas é ter uma política de relações trabalhistas, que enfatize o tratamento digno a todos os trabalhadores. Outra é o treinamento e desenvolvimento contínuo, principalmente daqueles que fazem parte da cadeia de comando, em técnicas atualizadas de liderança e motivação. Quem comunica a demissão também tem grande importância. Colaboradores informados de seu desligamento pelos próprios gerentes sentem maior justiça no processo de dispensa como um todo do que aqueles que são informados pelo departamento de recursos humanos. Convém lembrar que pessoas que saem da empresa com o sentimento de que foram constrangidas, com sua dignidade manchada ou tratadas com desonestidade financeira, além de contaminarem os que ficam, vão procurar seus direitos (reais ou imaginários) na Justiça do Trabalho.
Finalizando, ninguém aprende novas habilidades, novos comportamentos e novas maneiras de relacionamento sem praticá-los, sem tomar a iniciativa e a responsabilidade por seu desempenho. Cursos e treinamentos ajudam a preparar, porém, até que se vivenciem as mudanças, em situações reais de trabalho, elas não ocorrerão. Colocar o desempenho a prêmio significa correr risco. Exige coragem. Diferentemente de todo mundo, os líderes devem ir na frente. Eles devem mostrar o caminho. É sobre seus ombros que se sustenta o sucesso da aplicação de qualquer política, teoria ou técnica administrativa. É sobre seus ombros que pesa a decisão de demitir ou não.
Aloizio Alves de Aguiar é consultor da Brimberg Associados

Decálogo do leitor

Decálogo do leitor escrito por Daniel Pennac:

1. O direito de não ler.
2. O direito de pular páginas.
3. O direito de não terminar um livro.
4. O direito de reler.
5. O direito de ler qualquer coisa.
6. O direito ao bovarismo (doença textualmente transmissível)
7. O direito de ler em qualquer lugar.
8. O direito de ler uma frase aqui e outra ali.
9. O direito de ler em voz alta.
10. O direito de calar.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Participação de sociedade estrangeira em limitada no Brasil

Valor Econômico - Legislação & Tributos - 10, 11 e 12.10.08 - E2
O Código Civil e as sociedades estrangeiras
Antonio Felix de Araujo Cintra e Renato Berger

Logo após a edição do Código Civil, em 2002, a questão referente ao regime jurídico das sociedades estrangeiras no Brasil foi bastante discutida. Uma vez afastadas as diversas confusões de conceitos que teimam em surgir nesse tipo de discussão, a questão mostrou-se tranqüila e a conclusão foi clara: não há qualquer impedimento ou irregularidade na participação de sociedades estrangeiras em limitadas brasileiras. Considerando que o tema voltou recentemente à tona, aproveitamos para relembrar alguns argumentos já sedimentados ao longo dos anos sobre a matéria.

Inicialmente, é importante esclarecer o escopo da seção na qual está inserido o artigo 1.134 do Código Civil, que constitui o objeto central da discussão. Aquela seção inteira, composta de oito artigos, trata do funcionamento de sociedade estrangeira no território brasileiro. Ou seja, trata das hipóteses em que a sociedade estrangeira opera diretamente no Brasil, o que não se confunde com a participação em uma sociedade constituída no Brasil. Nessa parte aplicável ao funcionamento no Brasil de sociedade estrangeira, o Código Civil não trouxe nenhuma novidade importante. Assim, continua valendo a regra de que a sociedade estrangeira deve obter autorização do Poder Executivo para operar diretamente no Brasil. A obrigatoriedade de autorização específica vem desde o Decreto-lei nº 2.627, de 1940 - a antiga Lei das S.A.
Porém, a polêmica foi criada em função de uma ressalva feita no próprio artigo 1.134, que estabelece que, independentemente dos casos de autorização para funcionamento direto no Brasil, a sociedade estrangeira poderia também ser acionista de sociedade anônima brasileira. Lendo a ressalva de maneira inversa, alguns chegaram à conclusão de que a sociedade estrangeira não poderia participar de qualquer sociedade brasileira que não fosse uma sociedade anônima.
Um dos motivos que explica a confusão criada pelo novo Código Civil vem do histórico legislativo, pois a ressalva do artigo 1.134 é a mesma que já aparecia desde 1940 na antiga Lei das S.A. Tendo em vista que tal lei regulava especificamente as sociedades anônimas, pareceu relevante ao legislador esclarecer que a participação em sociedades anônimas não se confundia com funcionamento direto no Brasil. Naturalmente, o legislador não precisava fazer o esclarecimento com relação a outros tipos societários, já que eles não eram objeto da antiga Lei das S.A. O detalhe parece ter passado despercebido pelos legisladores do Código Civil, que simplesmente reproduziram o dispositivo na sua forma original. Entretanto, como explicado a seguir, isso não retira a legalidade da participação de sociedades estrangeiras em limitadas brasileiras.
O primeiro argumento, que já poderia ser considerado definitivo, é de ordem constitucional. Desde a promulgação da Emenda Constitucional nº 6, em 1995, a Constituição Federal não mais diferencia a empresa brasileira da empresa brasileira com capital nacional. Diversos efeitos relevantes decorrem dessa ausência de diferenciação, entre os quais a regra geral que proíbe o tratamento mais favorecido da segunda em detrimento da primeira. Assim, seria contrário à Constituição Federal obrigar que empresas com participação de estrangeiros se organizassem sob a forma de sociedades anônimas, enquanto que empresas com participação exclusiva de nacionais estariam liberadas para se organizarem conforme qualquer tipo societário.
Para evitar que a questão fique apenas no plano constitucional, vamos analisar também o próprio Código Civil. Afinal, a resposta ali é ainda mais simples. Neste tópico, a matéria é esgotada com o simples exame do artigo 997, que relaciona os itens que devem aparecer nos contratos sociais de sociedades que não são sociedades anônimas. O artigo 997, que se aplica às sociedades limitadas, aponta que deve ser indicada a "nacionalidade e sede dos sócios, se (pessoas) jurídicas". Ora, se a nacionalidade do sócio pessoa jurídica deve ser indicada, é evidente que a nacionalidade do sócio pessoa jurídica pode ser distinta da brasileira. Em outras palavras, o Código Civil admite expressamente que uma sociedade limitada tenha entre seus sócios sociedades estrangeiras.
Dentro de sua esfera de competência, o Departamento Nacional do Registro de Comércio (DNRC) também já regulamentou há anos a constituição de sociedades limitadas que tenham pessoas jurídicas estrangeiras como sócias. Por meio da Instrução Normativa nº 98, de 2003, que instituiu o manual de atos de registro de sociedade limitada a ser usado como regra por todas as juntas comerciais do país, o DNRC simplesmente apontou as informações que devem ser prestadas e as formalidades que devem ser obedecidas nos casos em que uma limitada tiver como sócio uma pessoa jurídica estrangeira. E assim tem sido na prática.
As sociedades limitadas, assim como as sociedades anônimas e os demais tipos societários previstos na lei brasileira, são instrumentos legítimos de organização empresarial colocados à disposição das partes interessadas. Independentemente de a sociedade contar ou não com participação de estrangeiros, não há nada de ilegal, imoral ou reprovável na simples escolha de um ou outro tipo societário.
Antonio Felix de Araujo Cintra e Renato Berger são, respectivamente, sócio responsável pela área de mercado de capitais e diretor técnico do escritório TozziniFreire Advogados

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